Cuspir ou não cuspir, eis a questão
terça-feira, 26 de abril de 2016
Atualizado às 10:12
O cuspe como ele é
O repugnante episódio no qual o ator José de Abreu deu uma cusparada num casal de jovens que jantava em certo restaurante deu o que falar.
No último domingo, a Globo deu ao ator espaço no programa do Faustão para de certa forma esterilizar o ocorrido, pois a situação evidentemente macula por tabela a emissora do Jardim Botânico. O telespectador pôde ouvir, no caso, a versão dele dos fatos, com argumentos coerentes e vigorosos.
Mas como tudo na vida, aqui também há o outro lado. Vejamos agora outra versão da história, relatada por uma testemunha ocular.
O jovem casal de namorados, sendo o rapaz um advogado paulistano (solteiro, ao contrário do que se disse), cuja família prima pela boa educação, estava jantando num conhecido restaurante japonês no bairro da Vila Nova Conceição. Na mesa ao lado estava o ator com uma mulher, que agora se sabe era sua esposa. Ninguém, nenhum dos clientes os importunou.
A certa altura, tendo José de Abreu ido ao toalete, visivelmente alterado pelo culto a baco, o casal comentou, entre os dois, que aquele era o ator José de Abreu, relembrando com críticas que ele defende ardorosamente o governo. Um comentário, repetindo, no colóquio da mesa.
Quando o ator retornou, a esposa, tendo ouvido a conversa alheia, contou que o casal ao lado teria feito menção a ele. Foi o que bastou para que o ator se levantasse e começasse a insultar os namorados. Aliás, nossa testemunha teve a nítida impressão de que o ator ansiava por alguma provocação. Como ela não veio, ele a criou.
O vídeo que circulou gostosamente pelo WhatasApp não registra o começo do entrevero. A gravação se inicia depois de o ator ter, por algum tempo, incitado os jovens. Pois bem, como a ninguém é exigido ter sangue de barata, os jovens, depois de ouvirem meia dúzia de impropérios, passaram a responder. O ator, então, cenograficamente, como se estivesse incorporando um personagem de novela destes tantos que já fez, aumentou o tom e o número de insultos.
Vendo que o jovem não iria partir para a ignorância, José de Abreu decide praticar o ato nauseabundo do momento: cuspiu em ambos.
Ao sair do restaurante, na ebriedade da representação teatral, o ator ainda quis nadar com as carpas no espelho d'água que enfeita o estabelecimento.
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A vida como ela é
Este informativo já criticou duramente as pessoas que insultam as outras, em lugares públicos, por conta de suas posições políticas. Disse isso, por exemplo, nos dois episódios em que Guido Mantega foi vítima de xingamentos gratuitos. No caso de José de Abreu, no entanto, segundo a narrativa acima, não se deu a mesma coisa. Entende-se que o ator esteja acabrunhado com o que se passa com o governo que simpatiza, mas isso não justifica, muito menos autoriza situações como a que se viu. Ademais, como o ator usa a força de sua figura pública para defender suas ideias, é natural que seja, por isso mesmo, alvo dos que pensam diferente. Deve, portanto, estar preparado para situações adversas. De modo que mesmo que as coisas tivessem acontecido como disse o ator, com injustas ofensas praticadas pelos jovens, a reação dele deveria, a nosso ver, ser outra. Enfim, os incontáveis fãs que tem José de Abreu, maravilhados que são com suas geniais representações, conquanto o admirem na ficção, certamente se enojam com coisas desse tipo. Vamos torcer para que a serenidade e a tolerância voltem a imperar. Ninguém deve insultar ninguém, de um lado, nem de outro. Cuspir, então, nem se fala.
"Cuspsicologicamente" falando
A propósito, essa sialomania que agora entrou na moda é uma reação emocional da primeira infância. Com efeito, quando se dá algo aos bebês, e eles não querem engolir, a reação imediata é de cuspir. É natural que assim como o excelente parlamentar Jean Wyllys não queria engolir insultos do mefistofélico Bolsonaro, o ator também não queira ser agredido verbalmente. Mas não é, definitivamente, cuspindo que se resolve nada, embora como dito, semasiologicamente falando, é um ato que tenha seu significado significante.