Auxílio-moradia dos magistrados será discutido pelo Supremo
Benefício não está submetido ao teto salarial e garante a engorda dos contra-cheques dos juízes do país.
Da Redação
segunda-feira, 29 de janeiro de 2018
Atualizado em 24 de janeiro de 2018 09:45
O auxílio-moradia pago aos juízes de todo o país pode estar com os dias contados. Após o ministro Luiz Fux liberar para julgamento do plenário do STF, em 19 de dezembro, processos que discutem o benefício (AO 1773, AO 1946 e ACO 2511), a ministra Cármen Lúcia já anunciou que pode pautá-los para março.
Há mais de três anos o auxílio-moradia é concedido sem definição do tema pelo Supremo. O relatório Justiça em Números, do CNJ, mostra que são mais de 18 mil os magistrados brasileiros, quase todos aptos a usufruir do benefício - só não fazem jus aqueles que têm residência oficial à disposição.
Relembre
A possibilidade do recebimento do auxílio-moradia foi criada na Loman, de 1979. A lei diz que a vantagem pode ser outorgada aos magistrados, sendo vedada apenas se na localidade em que atua o magistrado houver residência oficial à disposição. Veja o art. 65, inciso II:
Art. 65 - Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens:
II - ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado.
A ajuda de custo, no entanto, não era regulamentada, sendo aplicada de forma diferente em cada Estado. O benefício era assegurado aos ministros do Supremo, por exemplo, por ato administrativo. Na prática, alguns juízes recebiam e outros não, situação que abriu espaço para questionamentos acerca de sua aplicabilidade.
Em 2014, três liminares proferidas pelo ministro Luiz Fux determinaram o pagamento a todos os juízes do país. A primeira, em setembro de 2014, na AO 1773, garantiu o pagamento do auxílio-moradia aos juízes Federais. Dias depois, o ministro proferiu decisão em outras duas ações originárias para estender o benefício a todos os magistrados do país - AO 1946, ajuizada pela AMB, e AO 2511, proposta pela Anamatra. Fux destacou que o auxílio é direito dos magistrados, pois se trata de verba de caráter indenizatório, previsto na Loman.
O pagamento do auxílio foi então regulamentado, em outubro de 2014, pelo CNJ, por meio da resolução 199/14. A norma estabeleceu que o valor do benefício só poderia ser pago em relação ao período iniciado em 15 de setembro de 2014 e não acarretaria retroatividade.
Por terem caráter de "verba indenizatória", e não de salário, esses recursos não são levados em conta no cálculo do teto de vencimentos dos magistrados, de R$ 33.763.
De novo em pauta
A discussão sobre a decisão tomada pelo ministro Fux vem sendo lembrada desde que a ministra Cármen Lúcia determinou, em agosto do ano passado, que todos os Tribunais enviassem ao CNJ os dados referentes à remuneração dos magistrados, nos padrões estabelecidos pelo Conselho. O site do CNJ possui hoje uma aba destinada às informações acerca dos recebimentos da magistratura.
Em outubro de 2017, uma polêmica envolveu o recebimento do famigerado auxílio-moradia. O corregedor Nacional de Justiça, ministro João Otávio Noronha, suspendeu o pagamento retroativo de cinco anos do benefício que havia sido autorizado pelo TJ/RN aos magistrados da Corte. A liminar suspendeu somente os valores retroativos, sem afetar o pagamento mensal.
Na decisão, Noronha ressaltou que não houve remanejamento orçamentário, e que "se o pagamento for efetuado e posteriormente declarado inconstitucional, tratá sérios problemas à administração do tribunal devido à dificuldade de ressarcimento das verbas ao erário". Ato contínuo, o corregedor determinou a devolução de valores referentes ao auxílio-moradia retroativo recebidos por juízes do Rio Grande do Norte.
Mas, em novembro, o ministro do STF Marco Aurélio suspendeu a decisão do CNJ sobre a devolução. No MS 35292, a Anamages ressaltou que as quantias foram recebidas de boa-fé após autorização do TJ publicada no diário. A liminar de Marco Aurélio suspendeu o ato questionado até julgamento final do MS. No mesmo dia, foi deferida liminar no MS 35298, impetrado pela AMB, que trata da mesma matéria.
Posição mantida
Em dezembro de 2017, o ministro Fux negou uma ação popular que visava barrar o auxílio a magistrados, promotores e conselheiros de Tribunais de Contas. A ação foi movida pelo Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância do Estado de Minas, para que sejam declarados inconstitucionais os valores conferidos a magistrados que tenham residência ou domicílio na mesma comarca em que trabalham.
De acordo com a entidade, o pagamento do benefício, em modalidade indenizatória, vem sendo, na prática, uma forma de aumentar a remuneração dos juízes. Ao decidir na ação popular, Fux não entrou no mérito da questão e levou em consideração decisões anteriores da Corte que sustentam o entendimento de que não cabe mover ações populares contra decisões judiciais - atos jurisdicionais.
Do fundo do baú
Em 2000, o então presidente do STF, ministro Carlos Velloso, anunciou a concessão de liminar em MS impetrado pela Ajufe para autorizar o pagamento de R$ 1.969 a R$ 3 mil aos juízes a título de auxílio-moradia. A liminar foi concedida pelo ministro Nelson Jobim em 27 de fevereiro.
Os magistrados reivindicavam o direito ao auxílio-moradia pago aos parlamentares. A ação se baseou na lei 8.448/92, que trata da equivalência salarial entre os funcionários dos três poderes, e discutia o teto salarial do funcionalismo.
A iniciativa de deferir a liminar foi adotada para suspender ameaça de greve na Justiça brasileira - seria a primeira greve nacional de magistrados. Velloso negociou com os dirigentes da Ajufe e da Anamatra, que concordaram com a oferta.
À época, o professor emérito da USP Goffredo da Silva Telles Jr., em entrevista à Folha, afirmou que a liminar era um "eufemismo". "Eu vejo nisso um eufemismo - o macete, o chamado 'jeitinho brasileiro'". O advogado Walter Ceneviva, articulista da Folha, partilhava da mesma opinião de Telles: "Acho que o Judiciário está pagando um preço muito caro pela solução da greve. É um disfarce ruim para um aumento salarial".
Ceneviva apontou que a concessão teria dois pontos problemáticos: o fato de que atingiria juízes em situações muito diferentes - aqueles com casa própria, os que tinham remuneração perto do teto, etc; e a discussão em torno do valor do salário mínimo: à época, discutia-se se seria de R$ 150 ou R$ 180 reais. Assim, afirmou Ceneviva, um aumento de R$ 3 mil tinha repercussão muito negativa.
Dada a decisão, integrantes da própria Suprema Corte articularam um movimento para recusar o benefício e tentar derrubar a liminar quando a ação fosse julgada definitivamente. Além do presidente do STF, Carlos ministro Velloso, e de Jobim, comentava-se no Supremo que outros cinco ministros estavam propensos a recusar o auxílio-moradia. O ministro Marco Aurélio, então vice-presidente da Corte, era o único favorável benefício.
Veja a matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 29 de fevereiro de 2000.
A crise do auxílio-moradia reabriu a discussão do teto salarial dos três poderes. Em 2 de março de 2000, Michel Temer, então presidente da Câmara dos Deputados, anunciou que os representantes dos três Poderes chegaram a um acordo sobre o teto salarial para o setor público Federal. Segundo Temer, foi fixado como teto o valor de R$ 11,5 mil, intermediário entre os R$ 10,8 mil defendidos pelo Congresso e os R$ 12,7 mil defendidos pelo Judiciário. Temer esclareceu que o novo teto entraria em vigor em 1º de maio, justamente com o novo salário mínimo.