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Desciclopédia?

Advogados criam perfil falso na Wikipédia e jurista fictício aparece em documentário e decisão

Objetivo dos causídicos era pregar peça em estagiário, mas história tomou proporções maiores.

Da Redação

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Atualizado às 09:33

Jurista, educador, filósofo político, compositor e advogado brasileiro. Segundo a Wikipédia, as qualificações pertencem ao distinto Carlos Bandeirense Mirandópolis: homem com legado e história louváveis e... inexistente, conforme revela reportagem divulgada pelo G1 nesta terça-feira, 23.

De acordo com matéria publicada pelo site, Mirandópolis foi "criado" em 2010 por dois advogados paulistas com o objetivo de pregar uma peça em um estagiário, que tinha o hábito de usar indiscriminadamente informações da internet para fazer pesquisas jurídicas.

O que eles não esperavam, entretanto, é que o perfil falso na enciclopédia virtual fosse causar tamanho impacto, a ponto de Carlos Bandeirense Mirandópolis figurar em trabalhos acadêmicos, documentário e até decisão judicial.

Perfil falso

De maneira aprazível, o perfil do suposto jurista na Wikipédia - ilustrado com uma foto do político austríaco Michael Häupl - anuncia que Mirandópolis "marcou época não somente por seus profundos estudos sobre as associações civis como também por ter sido um incansável defensor da democracia".

Na "trajetória" de vida de Carlos consta que foi catedrático da cadeira de Direito Civil na PUC/SP de 1959 a 1968, quando foi obrigado a abandonar o país pelos militares, no dia seguinte à edição do AI-5.

No exílio, segundo a enciclopédia, foi para a França, onde foi convidado a dar aulas na Université de Paris. De acordo com a publicação, ainda exilado Mirandópolis teria sido convidado a ocupar a cadeira de Ruy Barbosa na Academia Brasileira de Letras, mas declinou o convite declarando: "Como posso ser imortal na terra em que já morri há muito?"

Entre as ardilosas histórias contadas no perfil falso, uma delas envolve o famoso cantor Chico Buarque de Hollanda. Pelo texto, Chico teria declarado que a música Samba de Orly, "foi a reconstrução de uma composição original de Mirandópolis". "Segundo ele, a composição de Mirandópolis era muito mais bela, porém este nunca permitiu que fosse gravada, pois não queria perpetuar na partitura a tristeza do exílio."

Além de citar várias obras escritas pelo jurista fictício, o perfil falso anuncia que, durante seu último ano de vida, como esforço final, Mirandópolis teria participado do Comício das Diretas Já, em 1984.

Engodo

Os criadores do perfil, os advogados Victor Nóbrega Luccas (direita) e Daniel Tavela Luís (esquerda), contaram em entrevista ao G1 que tudo não passou e uma brincadeira. Após perceberem o hábito de alguns estagiários de usar informações da internet sem checagem, eles pediram que um dos jovens fizesse uma pesquisa sobre a teoria da Oferta Pública de Associação, "que não existe".

"A coisa tomou uma proporção que a gente nunca imaginava. Eu esperava aparecer em alguns blogs, mas não em uma fonte mais séria. Eu gargalhei. Mas, se é engraçado por um lado, é triste por outro, porque as pessoas não estão usando a internet corretamente", disse Victor ao portal.

Alcance

Com a disseminação da história de Mirandópolis, o personagem ganhou notoriedade da internet e passou a ser citado, com relação a seus supostos feitos, como se realmente existisse. Carlos Bandeirense chegou a figurar em alguns trabalhos acadêmicos e até no documentário produzido sobre as Diretas Já.

No site da produção, ele é citado no trecho que elenca "lideranças e personalidades" que participaram do movimento.


(Confira a página oficial)

Carlos Bandeirense Mirandópolis ainda teria pregado uma peça no Judiciário. Em decisão datada de novembro de 2014, o Órgão Especial do TJ/RJ declarou a constitucionalidade da lei estadual 6.528/13, que determina, dentre outros, a proibição do uso de máscaras ou de qualquer forma de ocultar o rosto para impedir a identificação em manifestações.

Em seu voto, a relatora do processo, desembargadora Nilza Bitar argumentou que "as maiores manifestações deste país foram feitas por brasileiros sem máscaras, fossem elas de direita ou de esquerda". Entre os apontados está o Comícios das Diretas Já, no qual consta como participante o famigerado jurista.


(Confira a íntegra da decisão)