Theotonio Negrão
Há um ano o Brasil perdeu o jurista Theotonio Negrão
Da Redação
sexta-feira, 19 de março de 2004
Atualizado às 08:14
Theotonio Negrão (1917-2003)
Há um ano o Brasil perdeu o jurista Theotonio Negrão. Conhecido por seus inúmeros livros jurídicos, Negrão é referência no trabalho de advogados e profissionais do Direito. Duas de suas obras têm grande sucesso, sendo que o seu "Código de Processo Civil" já passou da 30ª. edição e seu "Código Civil", da 20ª.
Theotonio nasceu em 1917 e faleceu no dia 20 de março de 2003. Em mais de mais de 60 anos de profissão, além da advocacia, dedicou-se à magistratura no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (1979-1982) e foi também presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
O ilustre mestre ficará na memória dos que o conheceram e será referência para os futuros advogados. Sua inteligência, seu jeito simples e modesto jamais será esquecido.
"Meus livros não me eternizarão, porque lidam com uma coisa flutuante e em constante mutação, que é o Direito. Para ser eterno, é preciso escrever sobre coisas eternas." Theotonio Negrão
"Pois que é hora de partir,
e tenho de ir-me embora,
farei força pra sorrir,
enquanto minha
alma chora.
O destino, em sua trama,
nos separa, a todo instante,
mas só aquele que ama
nunca se sente distante.
Na hora da despedida,
aqui deixo, amigos meus,
a saudação comovida
do meu mais cordial adeus"
Theotonio Negrão
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Homenagem
O advogado Theotonio Negrão
Despedida a Theotonio Negrão
Queridos amigos,
O Brasil perdeu mais um pouquinho de sua alma este ano, perdeu sim, um pouco de si. Digo isto, com muita tristeza no coração porque, em 20 de março de 2.003 faleceu Theotonio Negrão, meu querido tio e padrinho, com quem tive a oportunidade de iniciar meus primeiros passos na advocacia. Sua morte nos pegou de surpresa, mas ontem (27/3), amigos e familiares conseguiram se reunir em sua Missa de Sétimo Dia, lotando a tradicional Igreja Nossa Senhora do Brasil.
No início da minha carreira, quando fui sua estagiária, havia de minha parte um certo conflito interno em relação ao exercício da advocacia. Certa vez conversamos a respeito e ele esclareceu-me que quem saí vitorioso de uma causa é o cliente e não o advogado porque o que deve prevalecer ao final da lide é o direito, o justo, e não os interesses particulares. Se o cliente estiver conforme o direito, ganhará a causa, senão, perderá. Dizia ele: "O Direito não é uma ciência; é uma arte de dar a cada um o que é seu".
Às vezes penso em suas palavras e na confiança que ele depositava na Justiça e no Direito. Sabemos que na prática isso deveria acontecer, mas nem sempre acontece. Talvez se tivéssemos melhores e mais eficientes leis, instituições sólidas, educação de boa qualidade para todos, um povo bem representado e uma sociedade civil organizada, assim deveria ser e é na defesa desses valores que devemos lutar atualmente. Esta era a sua visão ideal da advocacia.
Outro legado deixado por ele foi a sua disposição em servir aos demais colegas como instrumento ou ferramenta de trabalho. É raro o advogado que não tenha utilizado seus livros em seus estudos, e mais raro ainda, algum profissional da área, mesmo da advocacia pública como juízes, promotores, procuradores, e tantos outros, que não os tenham sobre a mesa de trabalho. Seus códigos são tão tradicionais, que é comum às pessoas pedirem "um Theotonio" nas livrarias. Sua presença é certa na biblioteca de qualquer operador do Direito e em todo o território nacional e, mesmo desfrutando de tamanho prestígio, ele, jurista emérito, insistia em afirmar que qualquer um poderia ter escrito os seus livros.
Theotonio gostava da idéia de utilidade e os códigos anotados eram muito úteis e interessantes. Costumava dizer: "A coisa mais importante que um homem pode fazer é ser útil". E ele procurava ser útil. Muitos escrevem livros pela vaidade de serem reconhecidos ou pelo prazer de mostrar o quanto sabem. Ele, entretanto, escrevia para ajudar os seus colegas de profissão e tão somente para isso. Era como se ele fosse um guia paradigmático para a exercício ou a aplicação do Direito, e isso o alegrava muito. Sempre que eu o visitava, ganhava seus códigos atualizados e autografados.
Outra coisa que chamava à atenção de todos os que o conheceram era a sua modéstia. Homem de inteligência brilhante e grande prestígio profissional, poderia ter expandido, e em muito, seu escritório, porém, permaneceu sempre no mesmo lugar, ali na Rua Riachuelo, em um antigo e simplório edifício, no escritório que conservava suas instalações originárias da época em que começou a trabalhar estagiando com o seu professor, o Doutor Noé de Azevedo. Na verdade essa modéstia, misturada com eficiência, sempre o acompanhou, pois Theotonio era um homem discreto.
Muito importante ressaltar, ainda, seu exemplo inquestionável de honestidade e integridade durante os mais de 60 anos de fervoroso e apaixonado exercício da advocacia. Exemplo este que nos inspira e dignifica a todos!
O que pude aprender observando meu tio não se pode aprender nos livros e em suas obras. Sempre que precisava de conselhos profissionais, era a ele que eu procurava. Seus méritos curriculares são do conhecimento da maioria e já foram amplamente divulgados pela imprensa nestes últimos dias. Acho importante, no entanto, deixar aqui registrado o meu depoimento pessoal.
Seu falecimento, dia 20 de março p.p., coincidiu com a chegada, em todas as livrarias de São Paulo, da tão esperada nova versão de seu código anotado, a partir do novo Código Civil. Um último presente deixado por ele a todos nós advogados que temos a árdua tarefa de nos atualizar a todo o momento.
Penso que todas as homenagens e agradecimentos que possamos fazer a ele jamais serão suficientes, tamanha foi a sua dedicação à classe dos advogados do nosso país.
Saudades, (28/3/2004)
Simone Vicente de Azevedo
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