Negada execução provisória contra União por projeto de trem-bala
Pedido da Justiça italiana não traz cópia de contrato que vincule a União ao projeto.
Da Redação
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Atualizado às 10:03
O presidente do STJ, ministro Felix Fischer, rejeitou o cumprimento de execução provisória contra a União, determinada pela Itália em processo envolvendo projeto de trem-bala entre Campinas, SP e Rio. Segundo o ministro, o pedido da Justiça italiana não traz cópia de contrato que vincule a União ao projeto e, além disso, a decisão viola a imunidade de jurisdição do Brasil.
A Italplan Engineering Environment & Transports SPA moveu ação contra a União na Justiça italiana para obter valores relativos a estudos sobre a ligação ferroviária de alta velocidade entre as três cidades brasileiras.
O estudo teria sido encomendado pela empresa pública federal Valec Engenharia, Construção e Ferrovias S/A. Para a Italplan, o caso trata de responsabilidade objetiva da União, que seria devedora solidária da Valec, e não viola a soberania nacional, por se tratar de obrigação contratual.
Soberania e ordem
O ministro Fischer entendeu de forma diversa. Para o presidente do STJ, a carta rogatória não juntou nenhum contrato que demonstre claramente as obrigações firmadas entre a Italplan e a Valec, e menos ainda o vínculo da União ao caso, para pagamento imediato de valores em execução provisória. Para Fischer, atender à decisão, nesses termos, violaria a ordem pública nacional.
Ainda segundo o ministro, qualquer atuação da União no projeto teria conotação estritamente política, caracterizando ato de império e não de gestão. Dessa forma, a soberania estatal prevalece. Conforme o presidente, qualquer contestação ao estado brasileiro deve tramitar, nos termos da Constituição, perante a Justiça brasileira.
-
Processo Relacionado : CR 6270
___________
CARTA ROGATÓRIA Nº 6.270 - IT (2011/0283951-2)
RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE DO STJ
JUSROGANTE : TRIBUNAL DE AREZZO
INTERES. : UNIÃO
DECISÃO
Trata-se de carta rogatória pela qual a Justiça italiana solicita a notificação da UNIÃO para responder aos termos de demanda judicial proposta pela empresa ITALPLAN ENGINEERING ENVIRONMENT E TRANSPORTS SPA, segundo o texto rogatório.
Busca-se o pagamento em sede de execução provisória de quantia principal, juros e demais encargos pela realização de estudos relativos a projeto de ligação ferroviária de alta velocidade entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, a pedido da empresa pública federal brasileira VALEC ENGENHARIA, CONSTRUÇÃO E FERROVIAS S.A.
Intimada previamente, a interessada apresentou impugnação sustentando, em síntese, que a) não houve a juntada de contrato que venha a descrever adequadamente a suposta relação contratual entre a VALEC e ITALPLAN, b) a ação proposta perante a Justiça italiana fere a imunidade de jurisdição de que goza a União, e mais, c) o direito de não ser demandada em tribunais estrangeiros tendo em vista a competência exclusiva da jurisdição brasileira (fls. 177/199).
O Ministério Público Federal em seu parecer opinou pela denegação do exequatur (fl. 208).
É o relatório.
Decido.
A ordem não pode ser concedida.
No caso dos autos, a empresa ITALPLAN ENGINEERING ENVIRONMENT E TRANSPORTS SPA ajuizou perante a justiça italiana, ação em face da União com o propósito de obter o recebimento de determinada quantia mais encargos, pel a realização de estudos relativos a projeto de ligação ferroviária de alta velocidade entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, a pedido da empresa pública federal brasileira VALEC.
Entende, com efeito, que se trata de hipótese de responsabilidade objetiva (artigo 37, § 6º da Constituição Federal), e que portanto, a UNIÃO seria devedora solidária.
Ainda, por se tratar de uma obrigação decorrente de um contrato, não haveria que se falar em imunidade de jurisdição.
Pois bem, pelo que se denota nos autos, a instrução da presente comissão indica a mesma deficiência na sua formação como já ocorrido no passado, a exemplo da Carta Rogatória n.º 4.439 - IT, onde não foi juntado contrato que demonstre claramente o alcance obrigacional entre a empresa italiana ITALPLAN e a brasileira VALEC, mais ainda, a responsabilizar na atualidade a interessada (UNIÃO) ao imediato pagamento em sede de execução provisória.
Verifica-se, neste juízo delibatório (artigo 9º, da Resolução n.º 9/STJ), a imprestável compreensão da inteligência da decisão, bem como de seus requisitos, ainda que se trate de uma pretensão em sede provisória, motivo pelo qual a concessão do exequatur encontra óbice legal à prestigiar a ordem pública.
Nesse sentido, o disposto no artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ao dispor que, as "leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes".
Não bastasse, também há que se considerar os termos do artigo 2º do Decreto n.º 1.476/1995, que promulgou o Tratado Relativo à Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil, entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, de 17 de outubro de 1989.
Prescreve o citado artigo que: "A cooperação judiciária, o reconhecimento e a execução de atos e sentenças serão negados se forem contrários à ordem pública da Parte requerida" .
Assim, à vista do não cumprimento das exigências preestabelecidas nos citados dispositivos, não há como se conceder o exequatur (artigo 6º da Resolução n.º 9/STJ).
Por fim, ainda que superada essa deficiência, noto ainda que, eventual responsabilização no estrangeiro, seja da VALEC, seja da UNIÃO, estaria impossibilitada em face do princípio da imunidade de jurisdição.
In casu, qualquer que fosse sua atuação relacionada a projeto de ligação ferroviária de alta velocidade, não estaria desvinculada de uma conotação estritamente política, e cuja expressão mais pontual a identifica como atos de império (Jus Imperium).
Tal situação se desenvolve no exercício da soberania do Estado, dotada de prerrogativa que lhe é exclusiva, diferentemente dos atos estatais equiparados àqueles executados pelos particulares no estrangeiro (atos de gestão), e que ali, em tese, poderiam ser reclamados.
Denota-se, com efeito, que a " (...) imunidade de submissão de um Estado soberano à jurisdição estrangeira é regra costumeira do direito internacional público que, atualmente, apresenta 'entendimento restritivo do privilégio, à base da distinção entre atos estatais jure imperii e jure gestionis' (Rezek, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 174).
Essa distinção mitiga a imunidade de jurisdição para os casos em que o Estado pratique atos de mera gestão, remanescendo a vedação para os atos de império". (CR 2.658-US, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 29/11/2007)
Ressalte-se ademais que as eventuais irresignações contra o Estado brasileiro competem apenas à nossa Justiça (art. 109, inciso I da Constituição Federal), motivo pelo qual não há que se falar em execução, ainda que provisória, da interessada perante a justiça italiana em razão dos argumentos já expostos, pois, na espécie, nenhum Estado soberano, contra sua vontade, poderá se sujeitar como parte frente o foro de outro país.
Ante tudo o quanto exposto, e com fulcro no art. 6º da Resolução n.º 9/2005 desta e. Corte, denego o exequatur por ofensa à ordem pública e à soberania nacional.
P. e I.
Brasília (DF), 1º de fevereiro de 2013.
MINISTRO FELIX FISCHER
Presidente