Tribunal Militar

8/7/2020
Cleanto Farina Weidlich

"Pátria moralizadora (é desse endereço a elaboração do anteprojeto)? Tribunal Militar: É quarta-feira, 8/7/20, são 11h55, em nossa querida Carazinho. Tendo me situado no tempo e espaço, chego ao meu 'Cabildo' e após alguns passeios sobre os interesses ordinários de um pequeno escritório de advocacia que existe há mais de 35 anos, hoje com a batuta compartilhada com o filho e sócio Claudio e a nora Débora, sou dado a conhecer uma notícia acerca de um decreto-lei, que se encontra em 'tubo de ensaio', para a criação via chefe de Estado de um Tribunal Militar, com a competência de processar e julgar desde o ministros do STF, até prefeitos, governadores, juízes de todos os níveis e graus do país, até delegados de polícia, com prazo de duração de três anos prorrogável por outros três. Ao que se pode apurar até essa parte o mesmo se encontra em fase de assinatura do chefe de Estado, tratando-se, portanto, de mero esboço do que poderá ou não ser submetido ao livre critério e autoridade desse nosso Chefe de Estado, com licença para – com base em extenso arcabouço e fundamentação em legislação ordinária e Constitucional em plena vigência – sancionar e escolher os seus respectivos membros (33 ao todo, sendo 5 militares). Diante desse descortino me veio à lembrança o pensamento de Montesquieu em seu Espírito das Leis, um livrinho já surrado e espremido que não gastei mais de dez segundos para localizar em minha estante. Em seu Capítulo III, no Tomo I, Das Leis Positivas, está escrito: 'Desde o momento em que os homens se reúnem em sociedade, perdem o sentimento da própria fraqueza; cessa a igualdade que entre os mesmos existia, e inicia-se o estado de guerra' (4) e, na nota remissiva de rodapé: Intérprete e admirador do instinto social, Montesquieu não temeu confessar que estado de guerra começa para o homem com o estado de sociedade. Mas, dessa verdade desoladora, da qual Hobbes havia abusado para elogiar a causa do despotismo, e Rosseau para celebrar a independência da vida selvagem, o verdadeiro filósofo faz nascer a necessidade salutar das leis, as quais representam um armistício entre os Estados e um tratado de paz perpétua para os cidadãos. (M. de Villemain, Elogio de Montesquieu). E adiante na mesma obra citada: Cada sociedade particular vem a sentir sua própria força: e isto produz um estado de guerra de nação a nação. Os particulares, em cada sociedade, começam também a sentir sua própria força; procuram atrair em seu proveito as principais vantagens dessa sociedade; - e esse fato estabelece entre os mesmos um estado de guerra. Estas duas espécies de estado de guerra fazem com que se estabeleçam as leis entre os homens. Considerados como habitantes de um planeta tão grande, que é necessário que nele existam diferentes povos, eles possuem leis atinentes às relações que esses povos mantem uns para com os outros: - é o que se chama de Direito das Gentes. Considerados como vivendo numa sociedade que deve ser conservada, possuem leis que devem ser aplicadas nas relações existentes entre aqueles que governam e aqueles que são governados: - é o Direito Político. (...) A lei, em geral, é a razão humana, tanto assim que ela governa a todos os povos da terra; as leis políticas e civis de cada nação, não devem representar senão os casos particulares, nos quais é aplicada essa razão humana. E nessa introdução resume o filósofo para dizer o que pretende com o seu compêndio: 'E é isto o que eu procurarei fazer nessa obra. Examinarei todas essas relações; elas formam um conjunto a que chamam o Espírito das Leis. (DE L'ESPRIT DES LOIS). E adiante, no Livro Décimo Primeiro. DAS LEIS QUE FORMAM O ESTADO POLÍTICO, QUANTO ÀS SUAS RELAÇÕES COM A CONSTITUIÇÃO, veremos: O que é a liberdade. É verdade que nas democracias o povo parece fazer aquilo que quer: mas a liberdade política não consiste em se fazer aquilo que se quer. Num Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade não pode consistir senão em se poder fazer aquilo que se deve querer, e em não se ser constrangido a fazer aquilo que não se deve querer. É preciso, portanto, que se tenha em mente o que é a independência, e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de se fazer aquilo que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer aquilo que as leis proíbem, ele já não teria mais liberdade, porque os outros teriam também esse mesmo poder. A democracia e a aristocracia não são Estados livres por sua natureza. A liberdade política não se encontra senão nos governos moderados; ela não existe nestes, senão quando ali não se abusa do poder; temos, porém, a experiência eterna, de que todo o homem que tem em mãos o poder, é sempre levado a abusar do mesmo; e assim irá seguindo, até que encontre algum limite. E, quem o diria, até a própria virtude precisa de limites. Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder refreie o poder. Uma Constituição poderá ser feita de tal forma, que ninguém seja constrangido a praticar coisas a que a lei não o obrigue, e a não praticar aquelas que a lei lhe permite. Ao cabo, examinando as constituições europeias e do oriente, o filósofo pontua: Não existirá também liberdade, quando o poder de julgar não se achar separado do poder legislativo e do executivo. Se o poder executivo estiver unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, porque o juiz seria o legislador. E se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor. Tudo então pereceria, se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, o dos nobres, ou o do povo, exercesse os três poderes: o de criar as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes e as questões dos particulares. Em arremate continua o filósofo Montesquieu, em seu clássico e imortal O espírito das leis: 'Imaginai qual poderá ser a situação de um cidadão nessas repúblicas (onde não são respeitadas a independência entre os poderes). O mesmo corpo da magistratura tem em mãos, como executor da lei, todo o poder que este atribui a si próprio como legislador. Poderá prejudicar o Estado por intermédio de suas vontades gerais; e com eles possui ainda o poder de julgar, poderá aniquilar cada cidadão mediante as suas vontades particulares'. O poder que emana do povo e por este é exercido, reclama nesse momento histórico a criação desse Tribunal Militar, como um movimento de reação proporcional e justa, como uma espécie de legítima defesa em favor da sociedade, das garantias dos direitos e liberdades individuais, e de frear os abusos que vem sendo cometidos pelos guardiões dos nossos mais altos valores constitucionais, que representam aquilo que nós somos em essência. Um Tribunal Militar formado por 33 homens e mulheres que sejam escolhidos entre os brasileiros de notório saber jurídico e ilibada conduta social, servirá como um lenitivo para amortecer o choque, para apurar as condutas dessas autoridades, para fazer com que o nosso lema receba o novo epíteto, ao invés de ORDEM E PROGRESSO, que emblema a nossa bandeira, passaremos a colocar o verbo que representa ação, no lugar da conjunção: ORDEM É PROGRESSO, para a salvação do todos nós!"

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