A importância da marca no terceiro setor
A proteção aos bens imateriais nunca significou tanto para pessoas físicas e jurídicas como na sociedade moderna.
segunda-feira, 30 de junho de 2008
Atualizado em 27 de junho de 2008 08:54
A importância da marca no terceiro setor
Gustavo A. S. G. Pugliesi*
A proteção aos bens imateriais nunca significou tanto para pessoas físicas e jurídicas como na sociedade moderna. No Brasil, o crescimento econômico interno, aliado à abertura do mercado aos produtos e serviços estrangeiros, gerou o desenvolvimento de tecnologia por empresários no país, bem como o investimento em marcas que identifiquem produtos e serviços, de forma a garantir uma maior competitibilidade mercadológica.
Entretanto, esta acirrada concorrência existente nos diversos nichos mercadológicos propicia o surgimento de marcas idênticas ou semelhantes, objeto da prática de mero acaso e desconhecimento da lei, ou no intuito de se aproveitar do conhecimento e notoriedade que determinado sinal marcário goza perante o público consumidor.
A marca caracteriza-se, em linhas gerais, como o sinal distintivo visualmente perceptível, tendo a função precípua de identificar produtos e serviços, bem como diferenciá-los de outros idênticos, semelhantes ou afins. A proteção do sinal marcário, além de conferir a titularidade ao seu titular tem por objeto reprimir a concorrência desleal, evitar a possibilidade de confusão entre produtos e serviços, bem como o locupletamento com o esforço e trabalho alheios.
Nos termos do artigo 129 da Lei 9.279/96 (clique aqui), a propriedade da marca é adquirida pelo seu interessado com o registro validamente expedido pelo INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial1. A lei indica os requisitos de registrabilidade2 das marcas, cabendo ao INPI apreciar a viabilidade ou não dos pedidos de registro de marca que lhe são submetidos, de acordo com o que a própria lei subsume.
O INPI é uma autarquia federal3 que tem a finalidade precípua de executar as normas que regulam a propriedade industrial em âmbito nacional, tendo em vista a sua função social, econômica e jurídica. Desta forma, não tem o INPI a função de mero "despachante", mas sim cabe ao mesmo a análise dos requisitos legais para a concessão ou não de registros de marca, cuja decisão é exarada por meio do competente ato administrativo.
Com efeito, ao prolatar o ato administrativo que concede registros de marca, o INPI confere um direito ao particular, relacionado à possibilidade de uso exclusivo do sinal marcário descrito na decisão administrativa, impondo a terceiros um dever negativo de impossibilidade de uso de tal sinal, para identificar produtos ou serviços idênticos semelhantes ou afins4,evitando a concorrência desleal e a prática de contrafação de marca.
Um registro de marca concedido ao arrepio da legislação marcária pode e deve ser anulado pelo INPI, a pedido do interessado, em sede administrativa ou judicial, em atenção ao princípio da legalidade do ato administrativo5.
Neste sentido leciona a Profª. Adriana Tolfo de Oliveira6:
"A nulidade pode ser administrativa ou judicial, total ou parcial, tendo como motivo o registro concedido em desacordo com a Lei 9.279/96, produzindo efeitos a partir da data do depósito do pedido."
O ordenamento jurídico, aliás, é expresso ao cominar a nulidade absoluta aos registros de marca concedidos em desacordo aos requisitos legais7. Dentre a gama de entes públicos e privados que buscam uma identidade visual apta a conferir-lhes credibilidade e conhecimento público estão as organizações sem fins lucrativos, também denominadas de entidades do terceiro setor, cuja atividade pode e deve ser equiparada a qualquer empresa privada existente, com funções próprias condizentes com as respectivas atividades, mas de importância enraizada no país.
Um levantamento feito pelo ISER (Instituto Superior de Estudos da Religião/RJ),em parceria com a Johns Hopkins University, apurou que o Brasil tem em torno de 220 mil instituições beneficentes, sem fins lucrativos, prestando atendimento direto à cerca de 40 milhões de pessoas, isto é, 1/4 da população brasileira. Não é à toa que o chamado terceiro setor tem parcela considerável de contribuição para o desenvolvimento social do país, congregando grande número de pessoas-clientes que destinam parte de suas atividades na colaboração com os serviços prestados por tais pessoas jurídicas:
II - Das Marcas e seus requisitos - Generalidades
Nos termos da Lei da Propriedade Industrial, a marca pode ser requerida junto ao INPI por pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, de direito público ou privado.
No caso das empresas do terceiro setor, como sociedades privadas que são somente têm legitimidade para requerer o registro de uma marca relativa à classe de atividade econômica que exerçam efetiva e licitamente.
Com efeito, uma fundação que tem em seu objeto social a prestação de serviços de ensino e de educação de qualquer natureza e grau, diversão, organização de espetáculos em geral, de congresso e de feira e outros serviços prestados sem finalidade lucrativa, como por exemplo, a ABRINQ (Fundação Abrinq pelos Direitos das Crianças e Adolescentes), somente poderá pleitear a concessão de uma marca relativa a tais atividades que exerce.
Tal limitação é consubstanciada no princípio da especialidade, que restringe a proteção jurídica conferida à marca registrada aos produtos ou serviços correspondentes à classe de atividade do seu titular, exceto nos casos de marcas tidas como de alto renome, que são dotadas de proteção especial em todas as classes de atividades.
Aliado ao princípio da especialidade está o princípio da novidade, na medida em que um sinal pode ser utilizado como marca desde que esteja disponível, ou seja, que um terceiro já não o tenha registrado como marca, para identificar determinado produto ou serviço em determinada classe de atividade.
As marcas, em sua generalidade, podem ser divididas em nominativas (aquelas compostas unicamente por palavras ou combinações de palavras, sem qualquer conotação figurativa ou fantasiosa), figurativas (caracterizadas por desenho, imagem, figura, emblema,logotipo, símbolo) e mistas (dotadas de elementos figurativos e nominativos, ou apenas nominativos revestidos de suficiente estilização ou fantasia).
O sistema jurídico brasileiro de marcas não disciplina, de forma exemplificativa, os sinais que podem constituir uma marca, mas delimitam aqueles que não são passíveis de registro, nos termos do artigo 124 da Lei 9.279/96, tais como sinais que: reproduzam ou imitem elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome empresarial; constituam palavras genéricas, comuns, vulgares ou simplesmente descritivas,quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir; reproduzam ou imitem, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, marca alheia precedentemente registrada para identificar produto ou serviço idêntico semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; reproduzam, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade; dentre outros.
O uso desautorizado de uma marca registrada de uma maneira geral, por terceiro,para assinalar produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, configura os delitos de contrafação de marca registrada e concorrência desleal8.
Com efeito, o titular de uma marca pode impedir que terceiros não autorizados reproduzam ou imitem a sua marca, seja extrajudicialmente com o envio de notificação extrajudicial (de modo a fixar responsabilidades ao responsável pela prática ilícita), seja por meio do ajuizamento de ação judicial pleiteando a cessação de tal prática, bem como a apreensão de produtos que ostentem dito sinal.
A despeito da propriedade da marca ser adquirida com registro validamente expedido pelo INPI, a lei concede ao mero depositante de uma marca a possibilidade de zelar pela sua integridade física, impedindo que terceiros interessados venham a copiar o sinal marcário daquele, antes mesmo de sua concessão pela autarquia federal competente.
III - A Marca e o Terceiro Setor
A identidade visual, no caso representada pelas marcas, igualmente deve ser um dos bens precípuos a ser lapidado pelas pessoas jurídicas inseridas no terceiro setor, com registro concedido pelo INPI, de forma a conferir identidade a tais sociedades empresariais (seus produtos e/ou serviços), respeitabilidade e confiança daqueles que adquirem e gozam dos beneficiários, doadores ou patrocinadores, bem como impedir a usurpação de "clientela" e a concorrência parasitária.
Ademais, uma marca que ateste a seriedade e confiabilidade de uma pessoa jurídica do terceiro setor tem o condão de atrair doadores e patrocinadores para auxílio no desenvolvimento e prestação de seus serviços, assim como propiciar a difusão no conhecimento de tal pessoa jurídica perante a sociedade. A marca não deve ser tratada como sendo um mero sinal designativo de produto ou serviço, mas sim um bem capaz de identificar uma empresa e sua atividade, representando o verdadeiro bem dotado de valor que trafega paralelamente com o crescimento da empresa.
O desenvolvimento de uma marca e o seu conseqüente registro perante o INPI devem ser um dos primeiros passos a serem tomados quando na criação de uma empresa. Contudo, deve-se evitar criar/utilizar marcas que estejam ao arrepio do que a própria lei subsume.
Com efeito, as empresas não raras vezes buscam determinado sinal que tenha relação direta com o produto ou serviço, no errôneo entendimento de que tal idéia permitirá ao consumidor lembrar mais facilmente daquela marca. Entretanto, a criação de tal marca chamada genérica, além da vedação legal existente, é tidas como fraca, na medida em que, sendo sinônimo do produto ou serviço que identifica, perderá a característica de distinção que lhe é ínsita para a sua concessão, resultando na permissão para a convivência pacífica com outras marcas idênticas ou semelhantes, para identificar os serviços idênticos, semelhantes ou afins, ainda que concedida como registro pelo INPI (incorretamente, diga-se).
IV - Conclusão
Desta feita, se faz imprescindível que as pessoas jurídicas inseridas no chamado terceiro setor igualmente tenham consciência da importância que a marca representa para a divulgação de seu nome e desenvolvimento de suas atividades, distinguindo o grande número de pessoas jurídicas existentes, bem como o caráter de bem imaterial gerador de propriedade que é conferida pela Lei da Propriedade Industrial Carta Magna/88 (clique aqui)
Os riscos de se ter uma pessoa jurídica em atividade sem se ater à necessidade de registro do respectivo sinal marcário podem ser resumidos na usurpação deste último por terceiro, com registro prévio junto ao INPI, possibilitando ao mesmo não só a exploração de tal marca em qualquer meio, bem como tomar medidas para impedir que aquela empresa possa continuar a fazer uso da marca protegida, não obstante a sua precedente existência física e jurídica.
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1 "Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148."
2 Entre outros, art. 2º , inciso V e art. 124 da Lei 9.279/96 (de 14.5.1996)
3 conforme dispõe o art. 1o da Lei 5.648/70: "fica criado o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI),autarquia federal, vinculada ao Ministério (...)".
4 Cf. artigo 124, XIX, da Lei 9.279/96.
5 nos termos do artigo 37 da Constituição Federal de 1988: "Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte (...)."
6 Regime Jurídico Internacional e Brasileiro das Marcas, págs. 141/142, Ed. Síntese, 2003.
7 Art. 165 da Lei 9.279/96, combinados com os arts. 166, II e VII, do Novo Código Civil
8 cf. artigos 189, 190 e 195 da Lei 9.279/96.
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*Advogado e Agente da Propriedade Industrial
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