ISS - Inconstitucionalidade da incidência na locação de bens móveis e a incidência vinculada à atividade hoteleira
O ISS - Imposto Sobre Serviços Sobre Qualquer Natureza encontra previsão Legal no art. 156, III, da Constituição Federal. A Constituição, porém, não conceituou serviço para fins de incidência do ISS. Não se pode, portanto, considerar a incidência tributária restrita à figura de "serviço", mas sobre a "prestação do serviço", porque é esta que vai abranger os elementos da relação jurídica. Assim como também não se pode considerar a incidência tributária unicamente sobre uma utilidade, comodidade, coisa, bem material, etc.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
Atualizado às 14:51
ISS - Inconstitucionalidade da incidência na locação de bens móveis e a incidência vinculada à atividade hoteleira
Natalie de Souza Martins*
O ISS - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza encontra previsão Legal no art. 156, III, da Constituição Federal (clique aqui). A Constituição, porém, não conceituou serviço para fins de incidência do ISS. Não se pode, portanto, considerar a incidência tributária restrita à figura de "serviço", mas sobre a "prestação do serviço", porque é esta que vai abranger os elementos da relação jurídica. Assim como também não se pode considerar a incidência tributária unicamente sobre uma utilidade, comodidade, coisa, bem material, etc.
O Decreto-Lei 406/68 (clique aqui), no art. 8, estabeleceu que o fato gerador do ISS é a prestação de serviço prevista em lei específica. A Lei Complementar 116/2003 (clique aqui - art. 1º) repete essa materialidade, e acrescenta "ainda que esses não constituam como atividade preponderante do prestador"
Segundo leciona Pontes de Miranda, "Serviço é qualquer prestação de fazer (...); servir é prestar atividade a outrem; é prestar qualquer atividade que se possa considerar "locação de serviços". (...) Trata-se de dívida de fazer, que o locador assume. (Tratado de Direito Privado, 1958)
Considerando as distinções existentes entre "obrigação de dar" e de fazer, e os princípios consagrados pela Constituição quanto à tributação, chegou-se a um conceito constitucional de serviço, como sendo: "Prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial". (Aires Barreto - ISS - "Não incidência sobre Cessão de Espaço em Bem Imóvel" 1999)
A prestação de serviços, portanto, consiste numa obrigação tendo por objeto um fazer, e o fato de requerer emprego de materiais e/ou equipamentos não descaracteriza tal obrigação.
A incidência do ISS requer a existência de uma relação jurídica contratual. A prestação de serviço sujeita à incidência do ISS é aquela que exige um prévio contrato e que, portanto, perfaz o objeto de uma relação jurídica de cunho econômico, uma vez que há remuneração. O prestador realiza o serviço porque se obrigou a tanto, contratualmente, perante o tomador. A prestação, para aquele, caracteriza um dever jurídico contratual., bilateral e mediante remuneração.
O comportamento tributado pelo ISS é aquele em que o esforço pessoal do devedor se sobrepõe aos materiais e equipamentos eventualmente aplicados, ou seja, é diretamente ligado à atividade pessoal do sujeito. Define-se, portanto, o critério material de incidência do ISS como a relação jurídica entre um tomador e um prestador que tem por objeto a prestação de um serviço, uma ação ou efeito de servir, propiciar, executar um trabalho intelectual ou obra material descrito pela Lei Complementar nº 116/2003. Em suma, para ser critério material do ISS, o fato deve atender a 3 conceitos:
(i) ser relação jurídica
(ii) ser serviço
(iii) estar descrito na Lei Complementar nº. 116/2003.
Roque Antonio Carrazza ensina que "serviço de qualquer natureza", para fins de tributação por via de ISS é a prestação, a terceiro, de uma utilidade (material ou imaterial) com conteúdo econômico, sob regime de direito privado (em caráter negocial)
Entretanto, observa-se que há doutrinadores que defendem o conceito econômico de serviço. "Imposto sobre o valor acrescido, quanto à prestação de serviços, onera as atividades econômicas de transferência de bens não materiais, ou melhor, de bens imateriais, isto é, de serviços."
Seguindo a trilha do conceito econômico de serviços, Sergio Pinto Martins defende: "Serviço é o bem Imaterial na etapa da circulação econômica". Prestação de serviços é a operação pela qual uma pessoa, em troca do pagamento de um preço (preço do serviço), realiza em favor de outra a transmissão de um bem imaterial (serviço). (...) Seu pressuposto é a circulação econômica de um bem imaterial, ou melhor; a prestação de serviços, em que se presume um vendedor (prestador de serviços), um comprador (tomador do serviço) e um preço (do serviço). O que interessa, no conceito de serviço, é a existência de transferência onerosa, por parte de uma pessoa a outra, de um bem imaterial que se acha na etapa da movimentação econômica. Prestam-se, assim, serviços, quando se vende um bem imaterial. Por esse prisma, interpreta-se que, quando da locação de um bem móvel, vende-se.
Na verdade, o que se tributa não é o fato "puro serviço", mas sim a prestação de serviço, pois é necessária a atuação de um particular em favor de um terceiro, com o intuito de receber uma remuneração. O critério material da hipótese de incidência do ISS, como já citado, é prestação de serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar. Assim sendo, a prestação de serviço exprime invariavelmente uma obrigação de fazer. No contrato de locação de bens móveis, o elemento principal é a entrega do bem locado ao locatário, que se consubstancia em verdadeira obrigação de dar. Esse negócio jurídico não envolve nenhuma prestação, como ocorre nas obrigações de fazer. Então, não pode a Lei Complementar definir como serviço aquilo que não possui natureza jurídica. Segundo Geraldo Ataliba e Aires Barreto, "essa ampliação do conceito de serviço teria por efeito alargar a competência tributária do município, o que é matéria constitucional e, pois, imodificável por lei. As competências constitucionalmente fixadas são inderrogáveis. Importa subverter o conceito constitucional de serviço, com o propósito fiscalista de tributar como serviço o que serviço não é".
Na decisão do RE 116.121, a Suprema Corte considerou que a locação de bens móveis não pode ser qualificada como serviço e declarou a inconstitucionalidade da expressão "locação de bens móveis", constante do item 79 da lista de Serviços anexa ao decreto Lei nº. 406/68. Esse acórdão cria um precedente de extrema valia na jurisprudência, pois prestigia o entendimento de que somente poderão ser tributadas pelo ISS as atividades que, juridicamente, puderem ser conceituadas como serviços, definição na qual a locação de bens móveis não se enquadra.
A jurisprudência vinha adotando o critério econômico de prestação de serviços, porém, após a decisão do referido RE, em 2000, passou a compreender o conteúdo semântico da palavra "serviço" como obrigação de fazer. Destaca-se o voto do Ministro Celso de Mello, o qual defendeu que o ISS somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis.
Este é, portanto, o entendimento atual do conceito de prestação de serviços para o STF, e consonância com a maioria da doutrina.
Define-se Locação de Bens como a relação jurídica decorrente de contrato bilateral, oneroso, comutativo, temporário, consensual e impessoal em que uma pessoa (locador) cede à outra (locatário) o uso e gozo do bem não fungível. O traço característico da locação é o regresso da coisa locada ao seu dono, ao passo de que o serviço prestado fica pertencendo a quem pagou. (Orlando Gomes - Contratos).
Locação envolve prestação de dar. Gira, invariavelmente, em torno de um bem não fungível e não consumível, na medida em que deverá retornar ao locador com o término da vigência do contrato, daí ser temporário. Como entendem Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, "a Locação é mera cessão de direito. Traduz-se na cessão do direito de uso de um objeto, mediante remuneração".
A locação, independentemente do seu objeto, não corresponde ao comportamento previsto na hipótese de incidência do ISS, não cabendo confundir a cessão de um direito (uso e gozo) de um bem com o esforço humano contratado.
A locação de bens móveis, como de qualquer outro bem, está fora do campo de incidência do ISS, por consubstanciar uma prestação de dar. O STF, julgando o RE 116.121-3 proferiu acórdão afastando do campo de incidência do ISS a locação de bens móveis:
Imposto sobre serviços - Contrato de locação. A terminologia constitucional do Imposto Sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. No Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil (clique aqui), cujas definições são de observância inafastável, conforme preconiza o art. 110 do CTN(clique aqui).
A definição semântica de locar - ou alugar - uma coisa é ceder, mediante remuneração, o direito de uso dessa coisa. É, portanto, cessão de direito, onerosa e temporária, não configurando, portanto, prestação de serviço.
A locação não reflete uma prestação de serviço, mas apenas de uso da coisa, uma vez que não há ação ou efeito de servir alguma atividade, execução de um trabalho intelectual ou de obra material. Logo, é inconstitucional ampliar o conceito de prestação de serviço, que é uma obrigação de fazer, de modo a atingir a locação, que é uma obrigação de dar.
Independentemente do seu objeto, a locação não corresponde ao comportamento previsto na hipótese de incidência do ISS, não cabendo confundir a cessão de um direito de uso e gozo de um bem com o esforço humano contratado.
Locação de bens imóveis
A locação de bens imóveis não está prevista na Lei Complementar 116/2003. Não se sujeita, portanto, à incidência do ISS. Todavia o ISS incide sobre a "administração" de imóveis a terceiros. Assim, se o imóvel é alugado pelo proprietário não há incidência do ISS. Porém, se é alugado por intermédio de uma empresa de administração, o Imposto incide sobre as receitas obtidas pela administradora.
Hospedagem
O que é hospedagem? Segundo define o Dicionário Aurélio, hospedagem é definida como "Acolhimento de pessoas; abrigo, hospitalidade."
Há duas possibilidades de hospedagem, quais sejam: a mera locação de espaço e a hospedagem oferecida em hotéis, resorts, motéis, etc.
A hospedagem por si só não permitira a inclusão no âmbito do ISS, por compreender uma cessão de espaço para o alojamento de qualquer pessoa (obrigação de dar); sendo certo que também o fornecimento de alimentação caracteriza um "dar", embora ocorra a natural prestação de serviços (arrumação, telefone, etc.) - esta é a visão do José Eduardo Soares de Melo.
A hospedagem como mera locação pode ser entendida como típica locação de bem imóvel, seja total ou parcial.
Já a hospedagem em hotéis e congêneres tem por objeto uma obrigação de fazer, pois implica diversos serviços como: alojamento, segurança, arrumação, limpeza, lavanderia, telefone, restaurante, etc.
A Lei Complementar 113/03 (clique aqui) determinou que poderá incidir ISS na atividade de hospedagem de qualquer natureza. Porém, em observação mais apurada podemos concluir que se não houver serviços associados à entrega do imóvel, pode não incidir o ISS.
O posicionamento de Bernardo Ribeiro de Moraes é no sentido de que "A atividade onerada pelo ISS não é a locação de bem imóvel em si, mas de espaço de um bem imóvel com a finalidade única de dar hospedagem. Não se onera, portanto, a locação do espaço, mas a hospedagem".
As obrigações assumidas pelas partes que participam da relação são as seguintes: a empresa de hospedagem deve ceder temporariamente à posse de uma unidade habitacional - em perfeito estado de limpeza, higiene, segurança, etc. - ao consumidor, e em razão disso o consumidor pagará o preço ajustado e restituirá o bem à proprietária. O que ocorre é a simples cessão temporária da posse de um bem, mediante remuneração.
Sob esse prisma, há dois posicionamentos:
O primeiro, trata-se de um julgado do STJ sobre locação de unidade imóvel situada em Apart-Hotel, discutindo na Ação Ordinária com pedido desconstitutivo, proposta pelo proprietário do imóvel, em face do Município, ao argumento de não serem devedores do ISS, a ausência de prestação de serviços de hotelaria, portanto não configura fato tributável e, assim pleitearam a declaração da nulidade do auto de infração expedido. O autor é proprietário de um apartamento de Apart-Hotel, tendo-o destinado à locação, sob administração de uma imobiliária. O Tribunal entendeu que sobre o valor cobrado a título de aluguel não incide o ISS, pois há contratos de locação e não se caracteriza serviço de hotelaria sobre essa relação, indiferente ao fato de as locações terem sido efetivadas por intermédio de imobiliária que administrava o imóvel, não transmudando em nada a natureza dos contratos de locação.
Tributário. ISS. Locação de unidade situada em apart-hotel. Ausência de prestação de serviços de hotelaria. Não configuração de fato tributável.
I - A hipótese dos autos é de imóvel situado em apart-hotel que foi confiado a imobiliária, para que, em nome do proprietário, o cedesse em locação, entendendo o recorrente que sobre essa relação locatícia incide o ISS, porquanto aos locatários ocupantes são oferecidos serviços típicos de hospedagem em hotéis.
II - O proprietário do imóvel e a imobiliária que o representa não são responsáveis pelo ISS referente aos serviços prestados pela administradora das unidades de apart-hotel, porquanto aqueles encerram simples relação de locação com os ocupantes do imóvel, sendo imperiosa a anulação do auto de infração lavrado pelo recorrente.
III - Recurso especial improvido. (STJ, REsp 457499/DF, DJ 13.02.06)
A situação fática é: o indivíduo possui um imóvel em um Apart-Hotel, que a imobiliária loca em nome do proprietário, como se fosse a locação de um apartamento qualquer. O município queria cobrar ISS do proprietário, isso porque são oferecidos serviços ao locatário, ocupante do imóvel. O STJ considerou essa relação, do proprietário/imobiliária para com o Apart-Hotel uma mera relação locatícia, sobre a qual não incide o ISS, pois não há a prestação de serviços. Existe sim a prestação de serviços, porém quem a faz é a empresa administradora do condomínio, sendo que o proprietário e a imobiliária, nesse caso, não são passíveis de tributação.
Nesse caso é clara a diferença existente entre locação de imóveis e prestação de serviços, que também existe em outras situações, porém fica mais difícil de segregar quando a empresa que presta os serviços de hotelaria também é a proprietária do imóvel. Há a diferença entre a locação e a prestação de serviços na cobrança da diária, porém não há a segregação desses valores, e ela poderia existir caso houvesse um controle contábil/fiscal.
Há um segundo posicionamento, que acredita que os contratos firmados pela empresa de hospedagem, apesar de não serem redigidos pela lei especial, são considerados locações sui generis de bem imóvel, nunca uma prestação de serviços. Isso se da em virtude da prevalência da cessão de um bem (obrigação de dar) sobre a execução de um serviço (obrigação de fazer). Ou seja, na locação predomina a cessão (obrigação de dar) do uso e gozo de coisa não fungível; já na prestação de serviços é uma obrigação de fazer, pois há a realização de uma atividade humana. Entretanto essas práticas, necessárias e acessórias, não desnaturam a qualidade do principal desenvolvido por empresas que efetuam a hospedam, que é a cessão do uso e gozo de um bem imóvel mediante certa retribuição a um consumidor. Ninguém procura um hotel, motel, etc., somente para consumir os produtos fornecidos, ou, por exemplo, somente para ter os serviços da recepção ou somente para ver a limpeza de um imóvel.
Sendo assim, Aires Barreto conclui pela não incidência do ISS na atividade de hospedagem. "É incogitável a incidência do ISS diante da hipótese na qual há mero requinte de sofisticação dispensável. (...) O eventual fornecimento desses recursos, materiais ou humanos, não altera o fim colimado: cessão de espaço em bem imóvel."
Considerações finais
1. Prestações de serviços são configuradas como "obrigação de fazer" (posicionamento do STF no RE 116.121).
2. Tem-se que quando o cliente procura um estabelecimento de hospedagem (hotel, motel, pensão, casa na praia), o seu fim precípuo é o de ocupar um imóvel (unidade habitacional), por determinado período. Em contrapartida, o estabelecimento tem por obrigação ceder o uso deste imóvel pelo prazo acordado, mediante remuneração. Logo, há uma obrigação de dar, e não de fazer.
3. Não incide a cobrança de ISS em determinados tipos de hospedagem.
4. Problemática: A lei não discrimina tais situações para efeitos fiscais;
5. Não há discricionariedade para definição dos valores dos serviços.
*Acadêmica de Direito