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Julgamento virtual, sustentação oral e a essencialidade do advogado - Por que a AASP é contra a resolução 591/24 do Conselho Nacional de Justiça?

André Almeida Garcia e Leonardo Guerzoni Furtado de Oliveira

A resolução 591/24 do CNJ limita o direito de sustentação oral, afrontando princípios como defesa ampla, publicidade e indispensabilidade do advogado.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Atualizado às 13:45

Em precedente do final de 2011, o ministro Celso de Mello afirmava categoricamente que "a sustentação oral constitui ato essencial à defesa", sendo que "a injusta frustração dessa magna prerrogativa afeta, de modo substancial, o princípio da amplitude de defesa que vem proclamado no próprio texto da Constituição da República" (grifos do original). O entendimento ecoava, consignando-se em julgado sua consolidação "nesta Suprema Corte, sobretudo porque é certo que a sustentação oral fundada em argumentos consistentes, não raras vezes, pode contribuir para a defesa do acusado"

Considerando as atuais dificuldades - senão a total impossibilidade - que advogados e advogadas vêm enfrentando para exercer o direito de sustentar oralmente, parece que tal precedente remonta a uma época muito distante, em que vigente ordenamento jurídico absolutamente distinto. 

Mas ao contrário. Não apenas inexiste essa distância temporal - principalmente quando se fala de entendimento quanto a atos essenciais ao exercício do direito de defesa - como também estamos sob o manto da mesma CF/88 e, ainda, de um novo CPC e de um Estatuto da Advocacia reformado que não só reconheceram, como reforçaram o direito de sustentação oral. 

O fato é que, a despeito do maior fortalecimento do ponto de vista legislativo, nossos Tribunais - liderados pelos Superiores, registre-se - vêm sistematicamente desidratando o direito de sustentação por meio de seus regimentos internos e precedentes. 

A justificativa nem sempre explícita e formal que se tem para tal movimento, usualmente sem que se apresente estatísticas e estudos adequados, é que as sustentações orais afogam o Judiciário e suas sessões de julgamento, inviabilizando a entrega da prestação jurisdicional de forma célere. 

Se não bastasse o difícil cenário já enfrentado pela advocacia, o CNJ recentemente tratou de padronizar os procedimentos para materializar o movimento para limitação, quantitativa e qualitativa, do exercício da sustentação oral. 

A rigor, sem que consultada previamente qualquer entidade representativa da advocacia, o CNJ promulgou a resolução 591/24 que "dispõe sobre os requisitos mínimos para o julgamento de processos em ambiente eletrônico no Poder Judiciário e disciplina o seu procedimento".

O método para tolher o direito de advogados e advogadas de sustentar oralmente pauta-se especialmente na (i) previsão de plena discricionariedade do relator para submissão de qualquer processo jurisdicional ou administrativo ao rito dos julgamentos eletrônicos (art. 2º) e (ii) consequente limitação ao exercício da sustentação oral, devido à sistemática imposta na modalidade virtual de julgamento (art. 9º). 

Tais práticas resultam em evidente prejuízo ao exercício da advocacia e são potencialmente violadoras de diversas garantias e princípios constitucionais e infraconstitucionais, tais como a indispensabilidade do advogado à administração da justiça (CF/88, art. 133), a publicidade do processo (CF/88, art. 93, IX e arts. 11, 189 e 368 do CPC) e a oralidade, em especial em seu subprincípio da imediatidade (art. 7º, X, do Estatuto da Advocacia lei. 8906/94).

É interessante verificar que o voto que fundamenta o ato normativo do CNJ 0006693-87.2024.00.0000, do qual por sua vez resultou na resolução 591/24, sustenta que a proposição buscou respeitar o devido processo legal e a advocacia, para que supostamente "(i) a parte e seus patronos mantenham o direito de oposição ao julgamento eletrônico, que será avaliado pelo relator ao caso; (ii) seja garantido o direito de sustentação oral, nos casos admitidos pelo sistema normativo (...)"

Trata-se, entretanto, de pseudogarantias aos princípios e direitos invocados, uma vez que a experiência tem revelado que a plena discricionariedade outorgada à relatoria, em especial nos Tribunais Superiores, resulta no sistemático indeferimento de pedidos de remessa dos autos para julgamento presencial ou mesmo telepresencial.

Da mesma forma, a remessa de sustentações orais por meio de arquivos eletrônicos é vista com total descrédito pela advocacia, não apenas pela ausência de sincronismo e imediatidade tão característicos e essenciais ao exercício da manifestação oral, como, principalmente, pela inexistência de mínima garantia de que a gravação virá a ser assistida por quem quer que seja - especialmente por quem irá julgar. 

É evidente que a solução do processo em tempo razoável, cânone constitucional (CF/88, art. 5, LXXVIII), é um objetivo de todos os operadores do Direito e de total interesse da sociedade. Porém, tal desiderato não pode ser buscado mediante a ceifa de direitos, principalmente quando fundamentais e tão caros como o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Não bastasse a inaceitabilidade de seu conteúdo, também merece repúdio a forma como tal resolução foi aprovada, sem que qualquer entidade da advocacia tenha sido consultada sobre o tema. Fica a impressão de que, tal qual ocorre com a sustentação oral, a advocacia tem sobre si a pecha de um indesejável obstáculo para a entrega da prestação jurisdicional. 

Mas a realidade é justamente oposta, pois além de "indispensável à administração da justiça" (CF/88, art. 133), pode-se afirmar que a advogada e o advogado são quem melhor conhecem a causa, por serem os representantes diretos do jurisdicionado, a quem "pertence" o direito em discussão. O Poder Judiciário e seus integrantes deveriam, portanto, ao invés de arbitrariamente afastar, humildemente se aproximar da advocacia e atentamente ouvir advogadas e advogados em busca da melhor solução do litígio. 

Na busca de tal intento, ao contrário do que previsto na resolução 594/24, do CNJ, parece-nos que ninguém melhor do que o advogado e a advogada para apontarem se o caso deve ou não ser julgado de forma virtual, devendo ser respeitada eventual oposição tempestivamente formulada. Essa deve ser a regra. 

No mínimo, a adoção de critérios objetivos ou mesmo a indicação taxativa de hipóteses deve ser debatida, sendo inadmissível que seja outorgado à relatoria um verdadeiro "cheque em branco" sobre o destino do julgamento, se presencial, telepresencial ou virtual. 

Também em sentido diverso ao exposto na citada resolução, entendemos que de nada adianta possibilitar "no papel" formas de manifestação oral que sabidamente nada acrescentam para o julgamento do processo, relegando o ato - e em última análise o respectivo trabalho do advogado e da advogada - à insignificância. Ao contrário, o exercício da sustentação oral deve ocorrer sempre em sincronia com o julgamento, pois tal ato, acima, de tudo, representa "um importante meio pelo qual a parte interessada, muitas vezes, expõe e submete, ao conhecimento do Tribunal, dados relevantes que e subsidiam a Corte na resolução do determinado litígio (...)".

É nesse sentido que a AASP, sob as mais variadas frentes, tem atuado e permanecerá atuando, firme na convicção de que não há caminho para o aprimoramento da entrega da prestação jurisdicional que não passe pelo efetivo reconhecimento pelo Poder Judiciário da indispensabilidade da advocacia, não apenas do ponto de vista formal, mas também real e concreto. 

André Almeida Garcia

André Almeida Garcia

Presidente da AASP

Leonardo Guerzoni Furtado de Oliveira

Leonardo Guerzoni Furtado de Oliveira

Conselheiro da AASP

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