eFX na mira do Banco Central
O artigo examina a preocupação do Banco Central com prestadores de eFX que operam fora da regulamentação, propondo uma reflexão sobre a necessidade de um mercado mais seguro e uniforme.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Atualizado às 13:47
A crescente venda de produtos por meio das plataformas de comércio eletrônico, as chamadas plataformas e-commerce, e a oferta cada vez maior de produtos internacionais a clientes brasileiros fez surgir a necessidade de diversificação de instrumentos de pagamento transfronteiriços. Apresentando-se como uma alternativa ao cartão de crédito internacional, especialmente para a população que não tem acesso a esse instrumento, surgiram as entidades intermediárias de pagamento que coletam recursos dos usuários em moeda local e efetuam a entrega do respectivo valor em moeda estrangeira aos estabelecimentos comerciais no exterior.
As facilitadoras de pagamento, assim chamadas pela regulamentação cambial quando de seu surgimento, prestaram (e ainda prestam) um importante papel na democratização dos instrumentos de pagamento, permitindo acesso a conteúdo, produtos e serviços disponíveis no exterior que até o advento de seu surgimento estavam restritos a uma pequena parcela da população, àquela com perfil de crédito e patrimônio compatíveis com um cartão de crédito internacional. As então facilitadoras de pagamento internacional evoluíram seguindo naturalmente o desenvolvimento do ecommerce e atualmente o serviço por elas prestado encontra-se regulado pela resolução BCB 277, a partir do art. 49, sob a denominação de eFX. São de natureza diversa as entidades que atualmente oferecem esse serviço, como instituições de pagamento autorizadas pelo Banco Central, fintechs, bancos, corretoras, entre outras e a prestação do serviço de eFX, tal como definido e amparado pela regulamentação, envolve, necessariamente, a execução das três etapas existentes no âmbito do processo de pagamento internacional: (i) a coleta de recursos em moeda local, (ii) a celebração das operações de câmbio necessárias para conversão de moeda e (iii) a entrega da moeda estrangeira ao beneficiário final no exterior.
Uma das etapas essenciais na prestação do serviço de eFX é a celebração das operações de câmbio para conversão de moeda e, não por acaso, o regramento do serviço de eFX encontra-se atualmente previsto dentro do conjunto normativo cambial, que, historicamente, é um dos mais rígidos dentro do arcabouço regulatório que permeia o mercado financeiro e que tem como agente um estratégico gate keeper para o regulador que são os bancos de câmbio, já que o Banco Central não tem jurisdição sobre todas as entidades que prestam serviços de eFX. É verdade que ao longo do tempo o conjunto de regras cambiais tem sido modernizado, porém ainda é possível observar uma série de controles, reports e travas impostos pelo Banco Central para as operações de câmbio, especialmente para as relacionadas à prestação de serviço de eFX.
Mesmo sujeito a um conjunto normativo robusto como o regramento cambial, é possível observar o desenvolvimento desse mercado de eFX fundamentado nas lacunas da regulamentação, ou seja, temos assistido a criatividade das entidades prestadoras de serviço eFX aflorar baseado naquilo que a regulamentação não proíbe expressamente.
Diversas são as estruturas que atualmente se tem notícia e que não estão claramente respaldadas pela regulamentação cambial, como, por exemplo: (i) coleta de recursos locais por meio de conta de não residente (CNR); (ii) investimentos no país - por conta e ordem do beneficiário no exterior - dos recursos da conta de titularidade da entidade prestadora do serviço de eFX; (iii) ingresso de recurso sob a natureza de aquisição de bens e serviços sem a prévia ocorrência da transação subjacente; (iv) etapas da prestação de serviço de eFX sendo executadas por entidades distintas dentro da cadeia de pagamento, dentre tantas outras. Isso tem preocupado o regulador, afinal a prestação de serviços de eFX é uma atividade com alto potencial de lavagem de dinheiro e a depender do tipo de estabelecimento comercial ou negócio que a entidade prestadora de serviços de eFX está vinculada (como por exemplo, plataformas online de jogos e apostas) esse risco fica ainda maior.
Na tentativa de coibir práticas não tão ortodoxas o Banco Central tem apertado o cerco na supervisão sobre os bancos de câmbio e tem exigido cada vez mais evidências de diligência sobre os prestadores de serviços de eFX, seja no onboarding da entidade junto ao banco de câmbio, certificando que estes possuem estruturas robustas de prevenção à lavagem de dinheiro e de coleta de dados de qualidade para elaboração da c220 (que é o arquivo requerido pela regulamentação com as informações mínimas das transações cursadas por meio do eFX) ou na detecção e monitoramento das operações de câmbio, exigindo que o banco de câmbio recuse aquelas transações que não estejam em estrita consonância com as exigências regulatórias. Mas, é correto o Banco Central exigir esse poder de polícia dos bancos de câmbio?
A pergunta divide opiniões, porém, para essa autora, a resposta é que sim. O Banco Central não tem jurisdição sobre todas as entidades que prestam serviços de eFX e, por isso, não tem como supervisioná-las diretamente, e restringir a prestação de serviços apenas às entidades supervisionadas poderia desestimular a concorrência e a inovação no ecossistema de pagamentos, o que contraria frontalmente a agenda do Banco Central.
Através dos bancos de câmbio o Banco Central enxerga as movimentações provenientes das operações de conversão de moeda, consegue cruzá-las com as informações fornecidas na C220 e assim exercer uma vigilância efetiva sobre o mercado. Para que isso seja possível, porém, é necessário que os bancos de câmbio cobrem dos prestadores de eFX dados de qualidade para elaboração da C220 e realizem o monitoramento de maneira eficaz, de forma a não permitir que operações em desacordo com os padrões requeridos pela regulamentação sejam cursadas.
É, sem dúvida, papel dos bancos de câmbio requerer de seus clientes (os prestadores de eFX) o estrito cumprimento da regulamentação cambial, porém também é papel do Banco Central não deixar lacunas na regulamentação de modo permitir a arbitragem regulatória pelos bancos de câmbio, que têm perfis distintos de apetite de risco e tem apostado nesse artifício para ganhar mais clientes. As práticas devem ser equalizadas e para isso é crucial a clareza no arcabouço normativo e que o nível de supervisão sobre os bancos de câmbio também seja homogeneizado, se um banco de câmbio sofre menos escrutínio que outro, certamente terá uma inclinação maior à tomada de risco, quem perde com isso é o mercado.
Em 31 de outubro o Banco Central submeteu à consulta pública proposta de regulamentação para a atividade de serviços financeiros e de pagamento (banking as service), manifestando especial interesse, entre outros, nos modelos de negócio para a prestação de serviço eFX, é uma excelente oportunidade de os participantes e agentes contribuírem com o regulador na busca pela uniformização das práticas, regulamentação mais consistente e concorrência mais equitativa.