A desassistência da polícia às pessoas surdas e violação dos direitos garantidos à pessoa com deficiência
Para que a pessoa surda possa exercer seus direitos ao acesso à justiça é indispensável que o Poder Público fomente que os policiais sejam capacitados em linguagem de Libras e, que haja disponibilização de intérprete em todos os órgãos públicos.
terça-feira, 4 de junho de 2024
Atualizado às 13:15
Segundo estatísticas divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), o Brasil possui cerca de 10 milhões de cidadãos que são surdos, sendo 5% da população brasileira.
Percebemos que ao longo dos anos, mesmo diante de uma poderosa evolução tecnológica digital como a internet, redes sociais e afins, não foi possível desenvolver nos órgãos de polícia, sistema próprio e oficial para atender pessoas surdas.
Além da tecnologia, também há Legislações que tratam dos direitos à pessoa surda, como a lei 10.436/02, que instituiu o meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais, bem como a lei 13.146/15, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que dispõe de garantias a pessoa com deficiência, como estabelece o Art. 3º, inciso I e V, garantindo a acessibilidade aos serviços abertos ao público ou privado de uso coletivo, com uso da comunicação de Língua Brasileira de Sinais.
É fato o incremento da criminalidade, contudo, não podemos descartar que as pessoas surdas vêm enfrentando uma série de dificuldades para noticiar um crime porque possuem dificuldade na comunicação ou porque dependem de outras pessoas para poder expor os fatos e os órgão públicos não estão preparados com pessoal e ferramentas aptas para atender este público.
O assunto é considerado alarmante, visto que o fato de as delegacias não terem condições de disponibilizar um intérprete de libras, faz com que a vítima pessoa surda, devido a este obstáculo, deixe de buscar auxílio ocasionando sensação de impunidade.
Partindo dessa premissa, deparamos com tamanha desigualdade de tratamento nas delegacias ao analisarmos duas figuram importantes na investigação policial, sendo vítimas ou infrator pessoas surdas.
Ao analisarmos a vítima ou infrator pessoa surda, notamos que com a ausência de ferramentas próprias e oficiais para atender este público, em distritos policiais está se promovendo uma distinção de tratamento e, portanto, violando o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, que garante a todos uma vida digna, com direitos e obrigações, respeito e garantias de uma vida em comunhão com outras pessoas. Neste sentido vibra a equidade, que traz a perspectiva de adequar as pessoas que, embora sendo iguais, possuem determinadas limitações em decorrência da deficiência e, portanto, merecem ter um equilíbrio, permitindo disponibilizar meios para que a pessoa possa viver em igualdade de oportunidade na sociedade.
Vale lembrar que a Convenção sobre Direitos das Pessoas com deficiência (CDPD) em que o Brasil ratificou, firmada em 2006, sendo um instrumento de Direitos Humanos, conforme decreto 6.949/09, visa assegurar de forma efetiva o direito a comunicação, abrangendo em seu Art. 2º e no Art. 9º o acesso a ambientes abertos ao público ou de uso público.
Neste sentido, cumpre direcionar que a pessoa surda é dotada de direitos dentre ele o direito à comunicação e o acesso à justiça, de modo que haja a sua disposição instrumentos facilitadores para o gozo do seu direito.
Para isso, ao vislumbrar que as pessoas surdas não possuem a sua disposição meios dignos para acessar aos órgãos policiais e até mesmo o judiciário, é notório que sua dignidade vem sendo violada e seu direito abandonado, essa dificuldade é evidente na esfera Municipal, Estadual e Federal, visto não haver incentivos na execução de políticas públicas que versem sobre os direitos das pessoas surdas.
Insta destacar que o intérprete de Libras não se limita na fase policial, visto que para ter garantido o acesso ao Judiciário da pessoa surda de forma integral é essencial que se tenha intérprete de Libras capacitados para atuarem em todo âmbito Jurídico.
Na pratica, ao invés de órgão policial proteger este grupo de pessoas, atuam de forma omissiva, dispensando aquela vítima por não compreender exatamente o que de fato ocorreu. Promove-se, nessa situação, a desistência de procura de justiça, inviabilizando o acesso ao judiciário, de modo a contribuir com as cifras negras.
É de importante elucidação explicar o conceito de cifras negras: sendo aqueles crimes em que não são registrados ou relatados, por uma série de motivos, incluindo os não recebidos na delegacia, de modo a favorecer ao infrator a cometer novos crimes.
DO CASO RECENTE QUE A VÍTIMA, PESSOA SURDA, FOI CERCEADA DE SEU DIREITO AO ACESSO A JUSTIÇA E AO IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA HOUVE A REQUISIÇÃO DO CHEFE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA QUE OFERECESSE A DENÚNCIA.
Em caso recente que tivemos a oportunidade de atuar, vítima de crime surda, para relatar os fatos fez uso de uma plataforma chamada ICOM, que oferecem intérprete de libras, de forma particular. Informou que compareceu a Delegacia de Polícia para lavrar boletim de ocorrência, contudo lhe foi negado o registro, que somente foi efetuado após interferência da advogada da vítima, que indicou o uso da plataforma supramencionada.
Concluo que, para que a pessoa surda possa exercer seus direitos ao acesso à justiça é indispensável que o Poder Público fomente que os policiais sejam capacitados em linguagem de Libras e, que haja disponibilização de intérprete em todos os órgãos públicos. Assim, com aplicação de políticas públicas será possível efetivar as legislações que tratam do tema, com maior atenção as pessoas surdas, buscando evitar as cifras negras e desfavorecer a impunidade dos criminosos contra pessoa surda.