Compensação tributária, ADI 4296 e necessárias alterações legislativas
Agora é a vez do Poder Legislativo olhar com maior atenção para esta importante hipótese de extinção do crédito tributário.
terça-feira, 20 de junho de 2023
Atualizado às 18:34
O julgamento do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4296, ocorrido em 09/06/2021, que declarou a inconstitucionalidade do art. 7º, §2º, da Lei 12.016/2009, tem impacto profundo no instituto da compensação tributária.
A compensação é modalidade de extinção do crédito tributário prevista nos arts. 156, II, 170 e 170-A, do Código Tributário Nacional.
A relação entre mandado de segurança e compensação tributária remonta ao início dos anos 1990, justamente a partir da Lei 8.383/91.
Mesmo prevista originalmente nos arts. 156, II, e 170, do CTN, como uma das hipóteses de extinção do crédito tributário, somente em dezembro de 1991 surgiu a regulamentação da compensação tributária pelo art. 66, da Lei nº 8.383/91.
Como se vê, durante um longo período, os contribuintes que tinham efetuado pagamento de tributo a maior ou indevidamente somente poderiam obter o ressarcimento do indébito através de pedidos administrativos ou judiciais de restituição.
A restituição administrativa ou judicial do indébito tributário possui uma série de inconvenientes, que vão desde as limitações ao reconhecimento do pagamento indevido ou a maior até o recebimento através de precatórios judiciais.
Surgindo como uma alternativa viável a estas situações desconfortáveis, a Lei nº 8.383/91 (e suas alterações) regulamentou inicialmente o instituto da compensação tributária.
Posteriormente, a Lei 9.129/95 deu nova redação ao artigo 89, da Lei nº 8.212/91, disciplinando a compensação das contribuições previdenciárias.
Na sequência, surgiu o artigo 74, da Lei 9.430/96 (com várias alterações), instituindo uma nova modalidade de compensação, restrita aos tributos administrados pela então Secretaria da Receita Federal.
A compensação tributária, à evidência, somente será cabível quando o sujeito passivo for ao mesmo tempo credor e devedor da Fazenda Pública, tendo como justificativa o fato de não ser razoável que aquele que se encontre nesta situação seja obrigado a pagar o que deve para, então, pleitear a restituição do que pagou indevidamente ou a maior. Por isso, não há nada mais justo do que a lei prever um encontro de contas entre os sujeitos da relação jurídica tributária nesta hipótese, afastando o solve et repete.
Embora a compensação tenha surgido como uma verdadeira luz no fim do túnel, os órgãos de administração tributária impuseram diversos óbices à sua concretização, prevendo restrições ao direito de compensar por normas infralegais com sérios vícios de legalidade que, por vezes, acabam por inviabilizar o direito de compensar tributos pagos indevidamente ou a maior nos termos da lei.
Consequentemente, os contribuintes recorrem ao Poder Judiciário para afastar o ato ilegal da autoridade administrativa que, em cumprimento às normas infralegais, restringem ou impossibilitam indevidamente o direito à compensação tributária tal como previsto na(s) lei(s) reguladora(s) da compensação.
Ainda nos início dos anos 1990, havia dúvida sobre o cabimento do mandado de segurança como a via processual adequada para fazer valer o direito à compensação na forma da lei, afastando as restrições veiculadas por Instruções Normativas - sempre elas - e Ordens de Serviço ilegais.
Entendendo que o caso é de típico ato ilegal praticado por autoridade administrativa com violação a direito líquido e certo do contribuinte, consolidou-se a jurisprudência pelo cabimento do mandado de segurança na espécie. Aliás, não tardou muito para o Superior Tribunal de Justiça sumular a questão: "Súmula STJ nº 213 - O mandado de seguranc¸a constitui ac¸a~o adequada para a declarac¸a~o do direito a` compensação tributária".
Definida a questão do cabimento do mandado de segurança para o reconhecimento do direito à compensação tributária, também coube ao STJ definir que a compensação tributária não poderia ser deferida por provimento jurisdicional liminar, como assentou a Súmula STJ nº 212 desde a sua primeira redação: "A compensação de créditos tributários na~o pode ser deferida por medida liminar".
A Súmula STJ nº 212, surgida originalmente em 1998 (DJ 02/10/1998), inspirou o Poder Executivo a propor a redação do art. 170-A, do CTN, no que foi atendido pelo Congresso Nacional, através da Lei Complementar nº 104/2001.
Alguns anos depois, deixando ainda mais claro o teor da Súmula STJ nº 212 e aquilo que passou a prever o art. 170-A, do CTN, surgiu o art. 74, §12, II, "d", da Lei nº 9.430/96, introduzido pela Lei nº 11.051/2004, dispondo que deve ser considerada não declarada a compensação cujo crédito seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado.
Também é certo que a mesma Súmula 212 deu ensejo à vedação expressa à compensação tributária por medida liminar em mandado de segurança prevista no art. 7º, §2º, da Lei nº 12.016/2009.
Interessante é observar os motivos que levaram o STJ, já em 1998, a sumular a vedação à compensação tributária via medida liminar.
Do exame dos julgados que deram origem à Súmula STJ 212, observa-se do RMS 8206 que o Tribunal da Cidadania concluiu que a ausência de periculum in mora impede o deferimento liminar da compensação. Isto porque, "no âmbito do procedimento administrativo, a recorrente pode ainda valer-se das reclamações e recursos pertinentes."
No mesmo RMS 8206, a Segunda Turma do STJ deixou claro que também não seria o caso de deferimento da compensação naquela fase processual porque "medida liminar tem caráter nitidamente satisfativo".
Ao decidir o Recurso Especial 150.796, a Segunda Turma do STJ reafirmou a inexistência de periculum in mora para autorizar a imediata compensação, embora desta vez concluindo que "O deferimento liminar pressupõe a iminência de lesão irreversível" e daí concluiu que "Na compensação tributária, tal ameaça não existe, vez que se o contribuinte não efetuar, de imediato, a compensação, poderá, oportunamente, pleitear a restituição de indébito".
No julgamento do REsp 153.933 a Segunda Turma ratificou a necessidade de processo judicial ou administrativo para a apuração da liquidez e certeza do crédito a compensar, assim como novamente reconheceu a natureza satisfativa da medida liminar que defere a compensação tributária.
Ao apreciar o Recurso Especial 137.489, a Primeira Turma do STJ concluiu que no juízo de cognição sumária o juiz não tem condições de aferir a origem dos débitos e créditos, tampouco a liquidez e certeza dos créditos a compensar.
A primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial 158.768 , concluiu que "A cautelar não se presta para afirmação da suficiência,
certeza e liquidez dos créditos lançados como compensáveis".
Em síntese, pode-se dizer que o STJ entendeu que a compensação tributária, por ser modalidade de extinção do crédito tributário, cria uma situação definitiva e por isso mesmo não poderia ser deferida por medida liminar, provimento jurisdicional de nítida natureza precária e provisória. O STJ, enfim, concluiu que a compensação tributária e a medida liminar em mandado de segurança seriam incompatíveis.
Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, §2º, da Lei do Mandado de Segurança, o STF acabou com esta restrição ao deferimento de medida liminar que autorize a compensação tributária.
No julgamento da ADI 4296, o STF decidiu que "A cautelaridade do mandado de segurança é ínsita à proteção constitucional ao direito líquido e certo e encontra assento na própria Constituição Federal. Em vista disso, não será possível a edição de lei ou ato normativo que vede a concessão de medida liminar na via mandamental, sob pena de violação à garantia de pleno acesso à jurisdição e à própria defesa do direito líquido e certo protegida pela Constituição".
Em outras palavras, o STF deixou claro que não pode haver uma norma estipulando como regra uma vedação à concessão de medida liminar, sob pena de esvaziamento do mandado de segurança e de uma restrição indevida ao acesso à jurisdição.
Do mesmo modo, o julgamento da ADI 4296 importa na declaração de inconstitucionalidade do art. 170-A, do CTN, e do art. 74, §12, II, "d", da Lei nº 9.430/96, porque, sendo possível a concessão de medida liminar em mandado de segurança para deferir a compensação tributária, não há fundamento constitucional para a norma que impõe aguardar o trânsito em julgado para a concretização de compensação tributária.
Para simplificar o que poderia dar margem à discussão, a Primeira Seção do STJ, na sessão de 14/09/2022, determinou o cancelamento da Súmula nº 212 (DJe 19/09/2022).
No entanto, ainda não foram revogados o art. 170-A, do CTN e o art. 74, §12, II, "d", da Lei nº 9.430/96.
Os Projetos de Lei Complementar nº 124/2022 (Senado Federal) e 141/2022 (Câmara dos Deputados), ambos originários dos trabalhos da Comissão de Juristas instaurada pelo Senado Federal com vistas a promover alterações no processo administrativo e tributário nacional, não contemplaram a revogação do art. 170-A, do CTN, lamentavelmente.
Também não se tem notícia de iniciativa tendente a revogar o art. 74, §12, II, "d", da Lei nº 9.430/96, o que já seria um alívio.
A manutenção do art. 170-A, do CTN e o art. 74, §12, II, "d", da Lei nº 9.430/96 não faz nenhum bem à utilização desta justa modalidade de extinção do crédito tributário, até porque a declaração de inconstitucionalidade do art. 7º, §2º, da Lei nº 12.016/2009, não confere um cheque um branco para o deferimento de compensações tributárias via medidas liminares em mandado de segurança.
Como qualquer medida liminar da Lei nº 12.016/2009, aquela que deferir a compensação tributária dependerá do preenchimento dos requisitos da relevância dos fundamentos jurídicos da impetração e da ineficácia de decisão final favorável ao contribuinte. Tudo a ser bem examinado pelo juiz ao despachar inicial.
O STF e o STJ já contribuíram na concessão de maior amplitude à compensação tributária.
Agora é a vez do Poder Legislativo olhar com maior atenção para esta importante hipótese de extinção do crédito tributário.
João Luis de Souza Pereira
Advogado especializado em Direito Tributário, sócio fundador de JL PEREIRA ADVOGADOS, com sede no Rio de Janeiro. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros. Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá e Professor convidado da Pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/ PUC-Rio. Foi Conselheiro do Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (atual CARF) de 1997 a 2004.