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O financiamento do agronegócio pelos FIAGROs e a relação mercado de crédito e mercado de capitais

O Estado deve compreender o potencial do setor privado para financiar as atividades produtivas no caso do agronegócio, criando condições para que iniciativas como o FIAGRO prosperem.

terça-feira, 21 de março de 2023

Atualizado às 14:53

Um dos temas fortes do direito do agronegócio é o financiamento das atividades agroindustriais. Os contratos de financiamento, ao lado dos contratos de produção e de comercialização, formam o trio responsável pelo pleno funcionamento do complexo agroindustrial brasileiro, assegurando que haja coordenação e cooperação entre os agentes econômicos, do fornecimento de insumos à entrega do produto ao consumidor final.

O montante requerido pelo setor do agronegócio para custeio, comercialização, industrialização e investimentos em geral é astronômico, na casa das centenas de bilhões1. No esforço de financia-lo, conjugam-se dinheiro público e privado através da atuação dos sistemas público e privado de financiamento.

Agente financeiro importante para o sistema público de financiamento, o BNDES2 (antes criado para apoio principal à indústria) no ano de 2022 concedeu mais recursos à agropecuária que à indústria propriamente dita, revelando o que seria um forte compromisso do governo de então com o desenvolvimento do setor.

Ainda no que tange ao sistema público, cumpre ressaltar que os bancos privados também atuam com seus recursos em virtude da chamada "exigibilidade da aplicação obrigatória"3, sendo tal vinculação associada a bancos comerciais e múltiplos com carteira comercial.

Avaliando o desempenho do sistema público de financiamento, especialistas4 têm apontado uma série de entraves e limites que acabam por dificultar a obtenção de recursos de maneira célere e adequada às necessidades do produtor rural, sem contar os riscos aos quais este está exposto. O primeiro dos entraves é a limitação do crédito, ou seja, a limitação da quantidade de recursos disponíveis, que está abaixo das necessidades do mercado. Associado a esse fator, temos políticas de racionamento e o risco de mudança de diretrizes governamentais, alterando assim as prioridades para o emprego dos recursos públicos, prejudicando de forma direta o funding do sistema. Outro entrave apontado é a duvidosa capacidade de gestão financeira da administração pública, que se vê às voltas com problemas operacionais, dada a complexidade dos programas que gere.

A atividade de financiamento do agronegócio está inserida no sistema financeiro nacional e ligada, por consequência, ao mercado financeiro. Para os fins do tema que nos propomos tratar, em sentido amplo, mercado financeiro compreende mercado financeiro stricto sensu e o mercado de capitais. No primeiro, verificamos a realização, por parte de instituições financeiras, de intermediação entre o detentor e o tomador de recursos, havendo uma típica relação creditícia, na qual a instituição financeira, diante do detentor de recursos, tem posição passiva, enquanto que, diante do tomador dos mesmos recursos, figura no polo ativo. No mercado de capitais, no entanto, a relação detentor-tomador de recursos é direta, expressando-se na negociação dos denominados valores mobiliários nos mercados de bolsa e balcão.

Quanto ao mercado financeiro stricto sensu, este poderia ser tomado como sendo "mercado de crédito", ou seja, mercado no qual o crédito é ofertado ao público por meio de instituições financeiras, em geral, bancos comerciais.

O mercado de capitais (mercado de bolsa e de balcão), por sua vez, é o mercado da captação de recursos públicos por excelência. É onde as empresas têm a necessidade de recursos para suas operações supridas mediante a emissão de valores mobiliários, como títulos e ações, que consistem em oportunidade para terceiros realizarem investimentos.

Especificamente, os títulos e contratos de investimento que são classificados como valores mobiliários (e logo negociados no mercado de capitais) são representativos de bens e valores que, justamente pela existência de tais títulos, não necessitam transitar no mundo físico para que as operações necessárias que os envolvam sejam concluídas.

Analisando a dinâmica das operações de financiamento, observamos, num primeiro momento, que o fluxo de bens nasce da instituição financeira e segue rumo ao tomador; ao passo que, de modo inverso, por ocasião da emissão de títulos de crédito (como a CPR), há um fluxo equivalente, mas saindo, desta vez, do tomador do crédito rumo à instituição financeira, consistindo tal fluxo na promessa de entrega futura de produtos agrícolas ou pagamento em dinheiro. Tais contratos e títulos acabam por ingressar no mercado de capitais na forma de "produtos financeiros" e são oferecidos como oportunidade de investimento ao público em geral.

No caso do agronegócio, esses títulos são conhecidos como "títulos de crédito do agronegócio", tais como CPR, CDA/WA, CDCA, LCA, CRA, que, no mercado de capitais, são denominados títulos de dívida.

A relação mercado de crédito/mercado de capitais é marcada pelo fato básico do segundo negociar os títulos oriundos do primeiro (mercado financeiro stricto sensu). Sucessivamente, o mercado de capitais "irriga" o de crédito mediante o aumento de capital disponível no mercado financeiro em decorrência dos ganhos das operações com valores mobiliários. O volume e a qualidade das operações do mercado de capitais impactam diretamente na "saúde" do sistema financeiro como um todo, refletindo especialmente nas condições em que o produtor rural poderá tomar seu crédito.

Além da relação acima tratada, verifica-se atualmente que o financiamento do agronegócio não necessita ser realizada apenas pelo mercado tradicional de crédito (bancos em geral), mas pode também ser realizado por entidades do mercado de capitais, ao realizar operações de financiamento de modo direto na forma, por exemplo, de fundos de investimento.

Nota-se, assim, um segundo fluxo direto de recursos rumo ao produtor vindo, não do mercado de crédito convencional, mas de agentes do mercado de capitais, na forma dos fundos em questão, autorizados por força de lei a realizar tais investimentos. O produtor rural pode beneficiar-se hoje tanto do mercado de crédito quanto do mercado de capitais, na figura de agentes financeiros específicos.

Listamos alhures os títulos de crédito do agronegócio.

No ano de 2021, entretanto, pela lei 14.130/215, um novo título de crédito foi incorporado ao mercado dos títulos do agronegócio, as FIAGROs, acrônimo de Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais.

Mais propriamente, um FIAGRO deve ser tomado tanto como agente financeiro do mercado de capitais quanto um título de dívida (valor mobiliário), a depender do ponto de vista.

Desde a perspectiva de agente financeiro do mercado de capitais, a legislação estabelece que tais fundos são constituídos como condomínios de natureza especial destinados a aplicações, dentre outras, em: i) imóveis rurais; ii) participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial; iii) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integrem a cadeia produtiva agroindústria. Além disso, também prevê capacidade jurídica plena para que tais fundos possam arrendar ou alienar os imóveis rurais que venham a adquirir.

Os condomínios especiais que compõem os FIAGROs podem, da mesma forma, serem constituídos por prazo determinado ou indeterminado, sob a forma de condomínio aberto ou fechado, podendo ser criadas categorias de fundos, com estabelecimento de requisitos de funcionamento específicos (art. 3º, lei 14.130/21). O regime jurídico ao qual estão submetidos tais condomínios especiais é distinto do regime dos condomínios civis, sendo que a legislação determina que tal regime será definido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), aplicando-se a todos os fundos de investimento, nos termos do art. 1.368-C, §2º, CC).

Considerando mais uma vez o financiamento do agronegócio em sua relação com o mercado de capitais, notamos que os fundos de investimento, como os FIAGRO, injetam dinheiro na atividade agrícola, utilizando os títulos de crédito resultantes das operações para posterior negociação no mercado de capitais, o que gera um efeito multiplicador sobre as operações de natureza financeira nacionais.

Segundo Valor Investe, em maio de 2022, existiam "24 FIAGROS listados na B3, dos quais 13 já tem alguma negociação por investidores e volume registrado de captação de R$ 3,77 bilhões. Já se incluirmos outros seis fundos com ofertas públicas registradas, mas fora da B3, a captação potencial já alcança R$ 5,57 bilhões."6

Do ponto de vista do investidor do mercado de capitais pessoa física, a aplicação no fundo apresenta a vantagem de isenção do imposto de renda nas situações em que "as cotas do FIAGRO sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado ou o fundo escolhido possua, no mínimo, 50 (cinquenta) cotistas."7

De modo prático, o FIAGRO apresenta ao produtor rural, segundo as financeira8, oportunidade de acesso a linhas de crédito e condições de contratação mais favoráveis, prometendo, da mesma sorte, maior celeridade para a contratação do crédito. Em geral, os fundos de investimento têm sido apresentados como soluções para "projetos maiores", tendo em vista a dimensão dos negócios que envolvem a constituição e operação de tais fundos.

Embora ainda em seus primeiros anos, nota-se que um valor expressivo de negócios tem sido operado pelos fundos, sendo que a perspectiva é a de que o agronegócio receba mais recursos, trazendo diversificação dos investimentos no setor (fundos como alternativa à compra de ações ou títulos de renda fixa) e novas fontes de captação de recursos.9

Em contraste com o modelo tradicional do mercado de crédito bancário, caracterizado pela morosidade e a burocracia, com longos períodos de espera e vasta documentação para obtenção do crédito, o mercado tem passado a se valer de mecanismos de análise inteligente de crédito de clientes, com o uso de inteligência artificial, a denominada Big Data, o que reduz a papelada e o prazo de espera pela análise de crédito, dado que, no sistema convencional, boa parte da espera está ligada ao processamento dessa fase crítica da contratação.

O financiamento do agronegócio pelos fundos de investimento, considerada a relação do mercado de crédito para com o mercado de capitais, representa alternativa viável ao produtor rural ou empresa que necessita de recursos para investimentos/custeio de suas atividades, sendo uma importante forma privada de financiamento do setor.

O Estado deve compreender o potencial da capacidade de financiamento do setor privado no caso do agronegócio, privilegiando e encorajando iniciativas como os fundos tratados nesse artigo, para que as necessidades de financiamento do setor sejam de fato supridas. A liberdade de empreender e a segurança jurídica acabam por criar condições para um ambiente de negócios que permita alcançar, como meta ideal, o financiamento do agronegócio pautado, sobretudo, no setor privado. Aí está a promessa financeira de todo o negócio.

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1 https://globorural.globo.com/Noticias/Economia/noticia/2021/06/com-plano-safra-mais-enxuto-agro-parte-em-busca-de-credito-privado-e-mercado-de-capitais.html

2 https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/06/bndes-muda-foco-e-financia-mais-o-agro-que-a-industria-economistas-e-senadores-criticam

3 BURANELLO, Renato. Manual do direito do agronegócio. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pos. 3005 (Kindle).

4 https://capitalaberto.com.br/secoes/explicando/titulos-do-agronegocio/

5 BRASIL. LEI Nº 14.130, DE 29 DE MARÇO DE 2021. Altera a Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, para instituir os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), e a Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004; e dá outras providências.

6 https://valorinveste.globo.com/produtos/fundos/noticia/2022/05/02/fiagros-os-fundos-que-podem-virar-as-vedetes-do-agronegocio.ghtml

7 https://conteudos.xpi.com.br/fundos-imobiliarios/relatorios/fiagro-fgaa11/#

8 https://nagro.com.br/blog/conheca-os-7-titulos-de-credito-do-agronegocio-e-para-que-servem/

9 https://agrotools.com.br/blog/credito-rural/fiagro/

Manoel Martins Parreira

Manoel Martins Parreira

Advogado graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP), sócio no Furtuoso Advogados Associados.

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