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Um problema social chamado Fake News: das redes sociais à invasão terrorista ao Congresso

O vácuo legislativo de uns é a oportunidade de outros: como as redes sociais contribuem para a organização de movimentos antidemocráticos e terroristas no Brasil.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Atualizado às 17:49

Não é de hoje que as redes sociais contribuem para a organização de movimentos de cunho político ao redor do mundo. O que começou com a Primavera Árabe para destituir governos autoritários na região do Oriente Médio, repercutiu no Brasil de 2013 e anos seguintes, nos Estados Unidos de Donald Trump e na Inglaterra do Brexit, em 2016. Já está muito claro que as redes sociais são hoje o meio mais utilizado (se não o único, na maioria dos casos) para a organização dessas manifestações. O Facebook, o WhatsApp e o Telegram na verdade são, atualmente, os maiores catalisadores de movimentos tanto democráticos quanto antidemocráticos, como o que foi visto ontem em Brasília. Mas, se sabemos como e onde acontecem essas mobilizações, por que ainda é tão difícil conter o avanço de ideias extremistas e violentas vindas de grupos radicais e antidemocráticos no Brasil e no mundo?

Começa pelo problema central das redes sociais nesse novo cenário, onde quando se trata de saber a natureza desses movimentos os quais estão sendo organizados de forma inteiramente online demonstra-se uma imensa dificuldade de monitoramento na contramão de uma imensa facilidade de organização desses pensamentos comuns e aglutinação de pessoas com afinidade. As redes sociais, principalmente no Brasil, carecem de uma unidade de pensamento e modus operandi quando o assunto é conter o avanço de pensamentos antidemocráticos e radicalistas, pois não existe um trabalho ativo, e nem mesmo interesse dessas empresas em contê-los. Dessa forma, a punição para essas organizações que se formam de modo a atentar contra o Estado Democrático é dificultada. Isso é uma falha tanto do Estado, o qual tarda em punir, por não saber como lidar, quanto dos próprios moderadores dessas mídias sociais em que terroristas se organizam, que seriam as principais responsáveis por conter o avanço dessas ideias desde o princípio.

Há também uma ausência de legislação específica sobre como deve se dar esse monitoramento e moderação de conteúdo, a qual fosse efetivamente aplicada e de fato valesse para todas as redes sociais, em conjunto, dentro do território brasileiro. Essa ausência, além de não ajudar a coibir esse pensamento, também serve como uma forma de possibilitar o encontro daqueles que pensam de maneira a atentar contra a democracia e a liberdade, em suas inúmeras formas de manifestação, aumentando a quantidade de usuários e consequentemente pessoas reais, em sociedade, que se sentem livres para exibir seus vieses por vezes fascistas e/ou preconceituosos, mostrando empiricamente que existe uma conexão inegável entre o que se expressa online e o que sai dessa esfera e atinge a realidade fática.

Um bom exemplo disso é o problema social enfrentado pelo Brasil desde as eleições de 2018: as fake news. Não há, até o momento, uma forma de punir a desinformação na mesma medida e eficiência com a qual ela se alastra. A medida punitiva a ser tomada e a velocidade de propagação do problema são inversamente proporcionais, quando estamos averiguando a questão, a desinformação já fez seu papel de implantar a semente da dúvida ou do ódio, ou ambos, na mente de quem tem acesso à estas. Na era da informação, nunca foi tão fácil estar desinformado, e isso também se dá ao fato de termos, até pouco tempo atrás, poucas discussões no país em torno da importância desse assunto, que já demonstrava existir em meio à sociedade brasileira desde as eleições de 2014.

As notícias falsas, então, pouco combatidas e discutidas naquele cenário, logo passaram a ser um dos pilares principais das campanhas da extrema-direita brasileira quatro anos depois. E, apesar de estarem presentes em ambos os lados, o uso massivo de fake news foi majoritariamente financiado por capital privado durante a campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro, caso que ficou comprovado através de documentos que explicitam que seus apoiadores teriam comprado uma série de pacotes para disparo de mensagens em massa para redes como Telegram e WhatsApp, que continham uma série de absurdos, incluindo a famosa "mamadeira" que criou a ideia da "ideologia de gênero" que, bem ou mal, jamais foi esquecida pelo povo brasileiro - e se tornou uma das principais pautas de sua campanha.

Ontem, dia 8 de janeiro de 2022, todos esses problemas que citei e que fazem parte do cenário político-social brasileiro há anos culminaram na invasão ao Congresso Nacional e nos atos terroristas que foram presenciados em Brasília. Terroristas, apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro, se organizaram em carreatas que foram em comboio para a capital do país e fizeram acampamentos em frente ao Quartel General, tudo organizado por meio de grupos em Facebook, WhatsApp e Telegram. As mesmas redes que já faziam parte do dia a dia político do ex-presidente onde este explicitava seus pensamentos antidemocráticos contra o Supremo Tribunal Federal e questionava a segurança das urnas eletrônicas para milhões de seguidores.

Basta ter acesso a uma parte das conversas que aconteceram nesses grupos para saber que a intenção de estar em Brasília e invadir a Praça dos Três Poderes era clara: contestar o resultado democrático das eleições e reivindicar intervenção militar. O meio para isso foi instaurar terror e instabilidade através do uso da violência e da depredação do patrimônio público. Tudo isso está documentado, em grupos espalhados pelas redes sociais, com identificação pessoal e possibilidade de rastreamento de IP. Mas o movimento não foi contido, nem por parte do Estado, através de um monitoramento plenamente possível de ser realizado, nem por parte de uma moderação de conteúdo dessas redes, que deram carta branca para a organização desses grupos e seus ideais antidemocráticos durante meses.

O que iniciou com a desinformação em baixa escala, hoje se transformou em um problema social em progressão geométrica, que permitiu que um candidato com claras (e documentadas) intenções de manipular a opinião pública contra a oposição, e de implantar um pensamento antidemocrático, violento e militarista, vencesse as eleições, perdesse democraticamente quatro anos depois e, inconformado, impusesse em um povo historicamente pacifista e marcado pelos horrores da ditadura a ideia de que uma intervenção militar seria algo benéfico para o país. É preciso, assim, acordar para o fato de que o Brasil não pode mais ignorar o que está acontecendo nas redes sociais e o que se propaga online.

Estamos em um momento extremamente crítico da nossa história, onde há uma clara e sufocante ameaça ao Estado Democrático de Direito. Quando se discute, no novo governo, a necessidade de uma legislação para regular a mídia, especificamente as redes sociais, não há o que se falar sobre ameaça direta à liberdade de expressão. É necessário, claro, observar os limites da intervenção estatal no assunto, mas não interessa a ninguém a tentativa de impedir esse tipo de regramento.

Não há liberdade, nenhuma que seja, se não estivermos inseridos em uma democracia plena, e não há democracia plena caso haja ameaça constante à esta. Não é difícil de entender. Tivemos as sedes de todos os três poderes completamente devastadas, incluindo o sumiço simbólico da Constituição Federal que fazia parte da sede do Supremo. A organização desses movimentos deve ser, sempre que possível, dificultada ou impedida, pois o surgimento de ideais que pretendem deteriorar o governo do povo, que preza pelo desejo da maioria, é muito perigoso. E a conta para nós, enquanto cidadãos, há de ser muito mais alta do que a que vai ficar para o Palácio da Alvorada.

Maria Fabiana Lima

Maria Fabiana Lima

Advogada formada pela Universidade Estadual do Maranhão e pesquiso sobre Fake News, Direito Eleitoral e Direito Constitucional desde 2021. Fiz meu Trabalho de Conclusão de Curso na área, cujo tema foi: "Fake News e Pós-Verdade: a possibilidade do uso da internet enquanto ferramenta democrática". Hoje, atuo como advogada parceira do escritório Capovilla & Froz Advocacia que tem como foco o Direito Digital e todas as suas interseções e também sou Crítica de Cinema.

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