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Segurança jurídica nas relações locatícias: decisão do STF reafirma a possibilidade de penhora de bem de família pertencente ao fiador

As discussões certamente não pararão no campo doutrinário, mas com a decisão do STF, ao menos no que diz respeito à previsibilidade das decisões judiciais, a questão parece ter sido bem delineada.

terça-feira, 29 de março de 2022

Atualizado às 11:10

(Imagem: Arte Migalhas)

Na semana passada o plenário do STF, em sede de repercussão geral (tema 1127), por maioria (7X4), fixou o entendimento de que é constitucional a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação comercial. Dentre os fundamentos da decisão, destacam-se:

(i) o art. 3º, VII, da lei 8.009/901, ao prever a impossibilidade de se opor a impenhorabilidade do bem de família por obrigação decorrente de fiança em contrato de locação, não fez qualquer distinção entre locação residencial ou comercial;

(ii) o contrato de fiança caracteriza-se como expressão livre e consciente da vontade do fiador, que detém, por Lei, o direito de dispor de seu bem;

(iii) a livre iniciativa é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e não deve ser limitada pelo direito à moradia quando o próprio detentor deste direito assume obrigação com o potencial de restringi-lo.

A questão já havia sido apreciada pelo mesmo tribunal anteriormente (tema 295), oportunidade em que se analisou a recepção do art. 3º da lei 8.009/90, que versa sobre exceções à impenhorabilidade do bem de família, pela ordem constitucional, notadamente após a EC 26/2000, que elevou o direito à moradia ao status de Constitucional.

Na ocasião, entendeu-se que o artigo 3º havia sido recepcionado pelo novo mandamento Constitucional, o que deu ares de pacificação jurisprudencial para a controvérsia.

O STJ inclusive editou uma súmula, em 2015, de número 549, no mesmíssimo sentido: É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.

O TJ/SP São Paulo também sumulou o entendimento: É penhorável o único imóvel do fiador em contrato locatício, nos termos do art. 3º, VII, da lei 8.009/90, mesmo após o advento da EC 26/002.

Contudo, mais recentemente, no julgamento do RE 605.709, realizado em 12/6/18, a primeira turma do STF, por maioria, entendeu ser impenhorável o bem de família do fiador em contrato de locação comercial, o que reavivou toda a discussão acerca do tema.

Um dos principais fundamentos de quem defende essa linha é que existiria uma violação ao princípio da isonomia, uma vez que  o devedor principal, locatário inadimplente, acaba ficando em posição jurídica mais confortável do que a do fiador. Isto porque o primeiro goza da proteção da impenhorabilidade de seu bem de família, enquanto o segundo não. A esse respeito, disciplina o Professor Flavio Tartuce (2021, pág. 553):

(...) o devedor principal (locatário) não pode ter o seu bem de família penhorado, enquanto o fiador (em regra, devedor subsidiário, nos termos do art. 827 do CC) pode suportar a constrição. A lesão à isonomia e à proporcionalidade reside no fato de a fiança ser um contrato acessório, que não pode trazer mais obrigações do que o contrato principal (locação). Em reforço, há desrespeito à proteção constitucional da moradia (art. 6.º da CF/1988), uma das exteriorizações do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana.

Quando se pensa em locação de imóvel destinado para moradia a tese reafirmada pelo STF incomoda menos: não se pode prejudicar o direito à moradia do locador em detrimento do direito à moradia do fiador, que voluntariamente se obrigou a prestar essa garantia.

Agora, quando se pensa em locação de imóvel destinado para fins comerciais, a situação incomoda um pouco mais, uma vez que sob o prisma individual, no sopesamento de valores, tem-se, de um lado, o direito constitucional à moradia do fiador e, de outro, o direito de satisfação de um crédito pelo locador.

Os argumentos são contundentes para qualquer dos lados, o que nos permite afirmar   que, no campo doutrinário, as discussões permanecem com todo o vigor.

De toda forma, parece-nos que, finalmente, houve um completo esclarecimento da questão pelo poder judiciário, o que prestigia a segurança jurídica nas relações locatícias.

_________

1 Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...)

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. 

2 Súmula 8

Monise Christina Santos de Souza

Monise Christina Santos de Souza

Advogada em São Paulo. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC/SP e pós-graduanda em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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