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Como evitar prejuízos com processos trabalhistas

Com uma legislação ainda em evolução e muitas vezes insegura e um Judiciário que permanece protetivo, no qual é absolutamente previsível qual parte sairá vencedora de um processo trabalhista.

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Atualizado em 19 de outubro de 2021 13:19

(Imagem: Arte Migalhas)

  •     Quais são os principais motivos e como evitar;

A litigiosidade do brasileiro é algo que salta aos olhos: segundo os mais recentes dados levantados1 pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2019 com 77,1 milhões de processos em tramitação (7 milhões a mais que em 2018), aguardando alguma solução definitiva, sendo 30,2 milhões de novos processos só em 2019.

Se considerarmos que a população brasileira no ano de 2019 era de 211.800.000 habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chegamos a conclusão de que naquele ano tivemos a média de aproximadamente 0,36 processos por habitante, ou 36.402,27 processos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Seguindo na análise, o CNJ apurou que ainda que a Justiça do Trabalho é, sozinha, responsável por 5,9% do total de processos pendentes, ou seja, 4.533.771, em 2019.

Esses dados refletem mais que uma mera estatística, pois deixam evidente a cultura brasileira de apego à burocracia, carimbos e decisões judiciais, e aversão à autocomposição.

Isolando a Justiça do Trabalho, temos outros agravantes que incentivam a manutenção da litigiosidade, destacando-se ao menos três: 1) a previsibilidade das decisões; 2) o baixo custo de acesso ao judiciário e; 3) a gestão ineficaz das relações de trabalho por parte das empresas.

Segundo levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas2, analisando dados do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região3, o maior do país em número de processos, em 88,5% dos casos, os empregados têm seus pedidos contemplados, total ou parcialmente, ou seja, ou seja, ao receber a notificação inicial de um processo trabalhista, a empresa ou empresário tem, em média, apenas 11,5% de chances de sair absolutamente exitoso, sem nenhuma condenação.

A partir da análise desse dado, pode-se afirmar que, embora juridicamente insegura, a Justiça do Trabalho é absolutamente previsível quanto à parte que sairá exitosa após anos de contenda judicial: a parte autora, reclamante.

Além disso, a FGV, no mesmo relatório, apurou que em mais de 75% dos casos há pedidos de justiça gratuita realizado pelos trabalhadores, que são deferidos em mais de 99% das vezes em que foram solicitados.

Destaca-se ainda, neste ponto, que com o indiscriminado lançamento quase que diário de novos cursos superiores em Direito, formam-se milhares de novos advogados por semestre, abarrotando o mercado e reduzindo, dentre outras variáveis, o valor dos honorários cobrados pelos profissionais do direito para o patrocínio de uma causa.

Se a causa é trabalhista, a praxe, então, para a defesa dos interesses do trabalhador, é a cobrança de um percentual do êxito. Em outras palavras, se o cliente não ganha, o advogado trabalha de graça.

Isso significa dizer que o trabalhador litiga de graça, assumindo pouquíssimos riscos, inclusive na hipótese de perder todos seus pedidos.

Atrelado a esses fatores encontra-se a costumeira ineficácia da gestão das relações de trabalho por parte das empresas, seja ferindo direitos (intencionalmente ou não) ou negligenciando a importância da gestão e governança de suas relações de trabalho e emprego, o que além de reduzir drasticamente as chances de êxito em uma demanda trabalhista, incentiva a judicialização.

Para concluir que a ineficácia da gestão das relações de trabalho e emprego por parte dos empregadores é, de fato, um incentivador da litigiosidade, basta analisar os dados levantados pelo Tribunal Superior do Trabalho, o TST, em seu último Relatório Geral (2019)4, segundo o qual os assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho até o fechamento daquele relatório foram: Aviso Prévio, com 629.295 processos, multa de 40% do FGTS, com 542.771 e multa do artigo 477, da CLT, com 533.132 processos, seguidos de outros, conforme exemplificado na figura abaixo:

(Imagem: Divulgação)

No mesmo relatório, o TST identificou que os pedidos mais recorrentes em 1ª Instância (onde nascem as ações), foram os seguintes5:

 

(Imagem: Divulgação)

 

Os pedidos mais frequentes evidenciam, de fato, que algo está errado na gestão das relações trabalhistas por parte das empresas, mormente no momento da rescisão, o que justifica serem rescisórias as três principais verbas pleiteadas na Justiça do Trabalho.

Outros pedidos frequentes, como horas extras, por exemplo, podem decorrer da má gestão dos contratos de trabalho ou, até mesmo, de defeitos no estabelecimento, alimentação e gestão do banco de horas, enquanto pleitos de adicionais de insalubridade possivelmente pudessem ser reduzidos se houvesse, na maioria das empresas, uma gestão de Medicina e Segurança do Trabalho atenta e eficaz, com a elaboração de PPRA, PCMSO, LTCAT, fornecimento de EPIs e criação de políticas que obrigam o uso, entre outras.

Ainda que se argumente que mesmo com uma boa e eficaz gestão e governança das relações de trabalho e emprego as empresas não estarão livres de serem processadas por seus funcionários, não se pode deixar de observar que suas chances de êxito serão exponencialmente maiores, posto que certamente possuirá os documentos e provas necessárias para confirmar as alegações que fizer em juízo, reduzindo, em muito, as chances de decisões injustas.

  •     Modalidades de contratos existentes;

Parte importante da governança trabalhista está na gestão dos contratos de trabalho, o que se inicia com a adoção do contrato mais adequado para cada modalidade de trabalho.

Parece primário alertar para a necessidade de um bom contrato de trabalho, mas, acredite, não é!

Não raras as empresas que deixam a redação, revisão e adequação dos contratos de trabalho que utiliza a cargo de seu escritório de contabilidade, por exemplo, que sabidamente não tem a expertise jurídica para tanto, posto que sabidamente seu ramo de atuação e especialização é diametralmente oposto.

Menos raro ainda é encontrar empresas que adotam um contrato padrão para todas suas relações, mudando apenas as variáveis como os dados pessoais, cargo e salário.

Ora, se é no contrato que nasce a relação de trabalho, se o documento não refletir a realidade da prestação de serviços e/ou não estiver adequado à legislação, a relação de emprego que ali nascer será para sempre doente, aumentando as chances de, ao final, virar objeto de discussão judicial.

Com a globalização, as frequentes transformações no mercado e o advento cada vez mais robusto da tecnologia, novas formas de trabalho surgiram, as quais precisam ser reguladas por contratos redigidos e geridos de forma adequada.

Atenta à algumas novas formas de trabalho que, em que pese existissem há tempos ainda careciam de regulamentação legal, a lei 13.467/2017, ou Reforma Trabalhista, trouxe algumas novas modalidades de contrato de trabalho, destacando-se, entre elas, as seguintes:

  •    Teletrabalho ou trabalho remoto (homeoffice) - artigos 75-A a 75-E, da CLT: é aquele trabalho realizado fora das dependências da empresa, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que não constituam trabalho externo.

Essa modalidade é muito utilizada em empresas de TI e agências de marketing, por exemplo, carregando como benefícios, além da possível redução de custos com infraestrutura, a inexistência de horas extras.

De outro lado, carece de uma adequada política e gestão, não só dos direitos e deveres trabalhistas, posto que deve considerar questões como, por exemplo, a recentíssima lei Geral de Proteção de Dados6.

Essa modalidade contratual foi objeto de uma pesquisa realizada pela SAP Consultoria RH7 e já apontava, em 2016 (antes da Reforma Trabalhista), grande grau de satisfação para aqueles que já a utilizavam, o que se pode confirmar com os seguintes dados abaixo ilustrados:

(Imagem: Divulgação)

  •     Trabalho intermitente - artigo 452-A, da CLT: é o trabalho que, embora prestado com subordinação, pessoalidade e onerosidade (pagamento de salário), não é habitual, ou seja, não é contínuo, podendo o empregado ser convocado para trabalhar apenas em alguns períodos durante o ano, sem que o período de inatividade seja considerado como tempo a disposição do empregador (não são devidos salários, por exemplo), assim como sem a necessidade de rescindir o contrato ao final de cada período de trabalho.

No entanto, para que o contrato de trabalho intermitente seja válido, muitas regras e formalidades devem ser observadas, como, por exemplo, o prazo para pagamento das férias + 1/3, que deve ser ao final de cada período laborado, de forma proporcional, entre muitas outras.

Ainda, sobre as férias + 1/3 do trabalhador intermitente, paira grande discussão acerca da incidência ou não de INSS, o que reforça a necessidade de uma boa gestão contratual.

  •     Trabalho autônomo exclusivo - artigo 442-B, da CLT: em que pese sua adoção ainda carregue relevante insegurança jurídica, essa modalidade de trabalho prevê a contratação de um trabalhador autônomo, com exclusividade, de forma contínua, sem a necessidade de anotação da CTPS.
  •     Trabalho em jornada 12x36 - artigo 59-A, da CLT: antes autorizada somente quando prevista em lei, acordo ou convenção coletiva, passou a ser autorizada para qualquer categoria de trabalhador (não só os da saúde e segurança privada), podendo, atualmente, ser negociada por acordo individual escrito entre empregado e empregador.

Como não poderia deixar de ser, essa modalidade de contratação carece, igualmente, de uma gestão atenta e eficaz do contrato de trabalho e da prestação de serviços, posto que traz consigo peculiaridades como a inexistência de direito do empregado em receber em dobro pelas horas trabalhadas em domingos e feriados e a inclusão, posto que já se consideram incluídos na remuneração.

As modalidades acima narradas são apenas uma amostra das formas de contratação disponíveis na CLT, mas não as únicas.

De outro lado, atualmente já se verifica no mercado de trabalho a aplicação de contratos importados do direito internacional, como, por exemplo, o Vesting Agreement, que, em resumo, regula a prestação de serviços, sem vínculo de emprego, porém com implicações societárias, posto que prevê uma opção de aquisição de participação societária pelo prestador, caso alcance alguns objetivos previamente fixados, sendo amplamente utilizado como uma forma de retenção de talentos e promoção de incentivos em empresas nascentes - as famosas Startups.

Analisando todos esses fatos, é impossível concluir diferente: a empresa e o empresário devem adequar seus contratos de trabalho à realidade de seus funcionários e prestadores, formalizando relações e mitigando riscos.

  • Quando a terceirização é uma boa opção;

Ato contínuo, não há como falar sobre evitar prejuízos com processos trabalhistas, sem analisar o fenômeno da terceirização que, se bem empregada, pode ser uma importante ferramenta para o incremento da produtividade, aliada a uma gestão simplificada de setores estratégicos das empresas.

De início, é importante destacar que a terceirização, até o advento da lei 13.429/2017 não possuía nenhum tratamento legal, posto que o único dispositivo que a regulava era a Súmula 331, do TST (isso mesmo, até 2017 somente o poder Judiciário havia legislado [??] sobre o tema), que considerava VÁLIDA somente a terceirização de serviços que atingissem as ATIVIDADES-MEIO da empresa tomadora de serviços, reputando-se ILÍCITOS os processos de terceirização que envolvessem a ATIVIDADE-FIM da empresa, ou seja, a sua principal atividade econômica.

Após, no mesmo ano de 2017, a Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017) alterou a lei 6.019/1974 e trouxe novos e mais definidos contornos ao fenômeno da terceirização no país, passando a admitir que as empresas terceirizem também suas atividades principais8, bem como que os trabalhadores terceirizados não possuem direito à isonomia salarial9 com os empregados contratados diretamente pela tomadora de serviço, facultando tal isonomia à deliberação contratual entre as empresas prestadora e tomadora de serviços.

É importante consignar ainda que mesmo após o advento da Reforma Trabalhista, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar procedente, em 30/08/2018, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, entendeu que "é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, revelando-se inconstitucionais os incisos I, III, IV e VI da Súmula 331 do TST".

Trocando em miúdos, atualmente, terceirizar atividades é medida juridicamente segura, desde que haja uma boa gestão do contrato de terceirização e do trabalho dos terceirizados, viabilizando vantagens importantes para a empresa que lança mão de forma consciente dessa modalidade contratual, destacando-se, dentre elas, as seguintes: i) redução de despesas e racionalização de atividades e processos; ii) otimização da produção, qualidade, eficiência e produtividade pela alocação de trabalhadores especializados em setores estratégicos; iii) aumento do foco empresarial em seu core business, eliminando custos e esforços com atividades colaterais como gestão de empregados, tratamento de folha de pagamento, seleção, treinamento, desenvolvimento e acompanhamento de profissionais, entre outros.

No entanto, a referida lei manteve, ainda, a responsabilização subsidiária da empresa tomadora de serviços, pelos direitos trabalhistas devidos ao empregado que a ela prestou serviços na condição de terceirizado, no período em que referida prestação ocorreu10, o que significa dizer que o trabalhador terceirizado, ao mover uma reclamação trabalhista contra seu empregador, pode envolver a empresa para a qual prestou serviços, a qual, se sobrevier alguma condenação, deverá pagar o empregado caso a empresa prestadora não o faça.

Ainda que o tema mereça um artigo exclusivo, dada sua importância e complexidade, o que será feito nas próximas oportunidades, pode-se extrair que as novidades legislativas que regulam a terceirização atualmente não é a grande vilã desenhada por aqueles que a condenam, sob o argumento de serem paladinos em defesa dos direitos dos trabalhadores, desferindo uma série de críticas ao processo da terceirização.

Da mesma forma que não representa salvo-conduto para qualquer tipo de terceirização, tampouco para que empresários terceirizem com o objetivo único de reduzir custos, uma vez que, verificando-se fraudes contratuais praticadas com o único intuito de gerar economias ao empregador às expensas da precarização de direitos dos trabalhadores e, nas situações onde se identifique a existência dos elementos de uma relação de emprego entre o prestador dos serviços e a empresa tomadora (habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação), reputar-se-ão ilícitas as terceirizações, sendo aplicáveis os mesmos riscos atualmente existentes, com a formação direta do vínculo empregatício e, consequentemente, responsabilização solidária da empresa tomadora.

Em suma, para que a terceirização seja, de fato, uma ferramenta importante para o desenvolvimento empresarial, é preciso que se atente à boa gestão dos contratos, sendo imprescindível que se diligencie com extrema cautela e atenção desde a busca da empresa prestadora de serviços, passando pela correta redação do contrato e gerenciamento deste, com o estabelecimento de travas de segurança caso a prestadora não apresente certidões de quitação de direitos trabalhistas, fundiários e previdenciários, por exemplo, assim como criando um fundo de reserva a ser liquidado somente após o encerramento da prestação de serviços, tudo para evitar que a empresa tomadora, mesmo realizando todos os pagamentos à prestadora, ainda seja condenada a pagar ao trabalhador direitos que não recebeu enquanto prestou seus serviços.

  •      A importância do planejamento trabalhista;

Em poucas linhas, como as contidas neste artigo, já é possível entender que o planejamento trabalhista não é uma despesa, tampouco uma contingência, mas um importante ativo de mercado.

Mais do que trabalhar para reduzir passivos decorrentes da má gestão das relações de trabalho, um bom planejamento trabalhista visa gerar ativos às organizações, seja, por exemplo, com a melhora do clima organizacional, gerando um aumento do grau de satisfação dos funcionários e aumento da produtividade, ou com a definição de estratégias de contratação, estabelecimento de políticas financeiras de contingenciamento de despesas processuais por meio da análise econômica do direito, aperfeiçoamento das negociações coletivas, entre muitos outros, permitindo a economia real de valores que podem ser reinvestidos em outros setores da empresa.

O crescimento saudável de uma empresa não pode estar fundamentado na redução de custos por meio da ofensa a direitos trabalhistas, principalmente por ser absolutamente possível obter os mesmos resultados com um planejamento adequado, que não deixará a empresa exposta a imensos e imensuráveis passivos fáceis de se realizarem.

  •      Conclusão;

Com uma legislação ainda em evolução e muitas vezes insegura e um Judiciário que permanece protetivo, no qual é absolutamente previsível qual parte sairá vencedora de um processo trabalhista, o prejuízo com um processo trabalhista começa a se realizar no momento em que se recebe a notificação inicial para responder ao processo.

A partir daí a corrida é contra o relógio.

Por isso, sai na frente aquele que se planeja em busca de reduzir o impacto negativo dessas variáveis, utilizando-se, ainda, do melhor direito que a lei lhe confere, para obter vantagens realmente competitivas.

Assim, concluo respondendo ao questionamento inicial deste artigo da seguinte forma: para evitar prejuízos com processos trabalhistas, é preciso evitar processos trabalhistas!

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1 Justiça em Números 2019 (pág. 93) - Disponível aqui.

2 O Judiciário Destrinchado pelo "Big Data" - Relatórios 1 e 2 - Disponível aqui.

3 Abrange a Grande São Paulo e a Baixada Santista;

4 Figura 3.35 - O Ranking dos 20 Assuntos mais Recorrentes na Justiça do Trabalho. 2018. - Disponível aqui.

5 Figura 3.38 - Os 5 Assuntos mais Recorrentes na 1ª Instância. 2019 - Disponível aqui.

6 Disponível aqui.

7 Pesquisa Home Office Brasil 2016 - Disponível aqui.

8 Artigo 4º-A, da lei 6.019/1974;

9 Artigo 4º-C, da lei 6.019/1974.

10 Artigo 5º-A, da lei 6.019/1974;

Gabriel Paes de Almeida Haddad

Gabriel Paes de Almeida Haddad

Sócio do Santana Haddad Advogados.

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