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Primeiras impressões sobre os crimes em licitações e contratos administrativos

Inegavelmente as novas disposições penais em matéria de licitações e contratos administrativos trouxeram possibilidades de maior rigor estatal, tanto na fase de investigação e acusação, quanto na fase de execução penal.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Atualizado às 10:46

(Imagem: Divulgação)

1 - Breve análise do ambiente das licitações no Brasil

O ambiente das licitações no Brasil é composto por diversos fatores e peculiaridades que despertam atenção de muitos segmentos de nossa sociedade. Por óbvio, a preocupação primeira do legislador ao criar as regras para licitações públicas é, como sabido de todos, dispor de institutos constitucionais e legais para que os entes públicos, Administração direta e indireta,  contratem os produtos e serviços a partir das propostas mais vantajosas ao interesse coletivo. Todavia, como referido, o ambiente das licitações envolve também os interesses de particulares que se dispõem a fornecer serviços e produtos ao setor público, o que demanda destes fornecedores, planejamento para a boa prestação do serviço ou produto.

Ademais destes interessados diretos no ambiente das licitações, existem ainda os interessados indiretos no regular processo de licitação pública, ou seja, os usuários destinatários finais dos produtos e serviços públicos, os cidadãos.

O processo de licitação pública é o instrumento jurídico estabelecido para a regular disposição de recursos públicos com o fim de satisfazer interesses da coletividade por meio da competição e escolha das propostas mais vantajosas. Os interesses coletivos são diversos, como por exemplo, a necessidade de suprimento da estrutura pública, a educação, a saúde, a segurança pública, etc.

Sabe-se que o ambiente das licitações envolve grandes quantias de recursos públicos e que na verdade é ramo de negócios para muitas empresas fornecedoras de produtos e serviços para a coletividade. Estima-se que os valores dispostos em licitações estejam entre 30% a 40% da receita dos entes federativos. A título de exemplo, o município de Porto Alegre o qual tem a projeção de orçamento para o ano de 2021 em 8,6 bilhões de reais, deve dispor em pagamentos nos contratos firmados a partir das licitações a importância aproximada de 2,5 bilhões de reais no ano de 2021. Inegavelmente as licitações e contratos administrativos firmados envolvem grandes quantias de recursos públicos e necessitam da máxima atenção do legislador no que refere a criação de mecanismos para evitar a malversação dos procedimentos licitatórios.

Bem delineados os motivos que atribuem elevado grau de importância para a lisura e regular tramitação dos processos licitatórios, exatamente porque envolvem a satisfação de interesses vitais à coletividade, tanto materiais (serviços e produtos públicos), quanto formais (princípios constitucionais), ademais de envolver elevados valores em dinheiro público, passaremos a analisar doravante aquelas situações gravíssimas que maculam os objetivos das licitações públicas, e que, a partir de condutas criminosas de servidores públicos e particulares, desviam a finalidade dos processos licitatórios em benefício alheios aos do interesse da coletividade.

2 - Os crimes em licitações e contratos administrativos

 A recente lei Federal 14.133/2021, conhecida como a nova lei de Licitações, incluiu no Código Penal brasileiro o Capítulo II-B ("Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos"), contendo 11 (onze) tipos penais dispostos a partir do art. 337-E até o art. 337-O. Anteriormente, os crimes licitatórios eram previstos na lei 8.666/93, disposições que foram revogadas expressamente com a publicação da nova lei de Licitações.

A nova legislação trouxe apenas uma nova capitulação penal, estando prevista no art. 337-O do Código Penal, (Omissão grave de dado ou de informação por projetista), sendo os demais tipos penais os mesmos previstos na legislação anterior, entretanto com modificações substanciais, como aumento das penas em abstrato e mudança do regime de detenção para reclusão, o que trará certamente muitas conseqüências práticas.

Na lei anterior, todos os crimes tinham o regime de pena de detenção, sendo que a partir da nova lei de Licitações apenas dois delitos mantiveram o regime de detenção, os demais foram modificados e prescrevem agora o regime de reclusão. Essa alteração se mostra muito importante do ponto de vista prático, vez que sendo agora o regime de reclusão, abre-se a permissão, a depender do caso, da decretação da prisão preventiva. Outra conseqüência importante neste ponto é o fato de que os crimes com regime de pena de reclusão permitem o uso das disposições da lei de Interceptação Telefônica (lei 9.296/96), influenciando muito na fase investigativa. Anteriormente, o uso deste meio de investigação e produção de prova era de difícil utilização pelo motivo de os crimes serem estabelecidos com o regime de detenção.

 Na maioria dos delitos de licitações, além da modificação do regime de pena, ocorreu aumento das penas em abstrato. Os exemplos mais marcantes são os atuais artigos 337 - F (frustrar ou fraudar o caráter competitivo do processo licitatório) e 337 - E (Contratação direta ilegal), ambos do Código Penal, disposições anteriormente previstas nos artigos 89 e 90 da lei 8.666/93). Estes delitos são os de maior processamento nos tribunais, sendo que na lei anterior, ambos tinham penas estabelecidas de 02 a 04 anos de detenção, mas agora passam a ter penas de 04 a 08 anos de reclusão.  Essa alteração inviabiliza, por exemplo, o uso do ANPP (Acordo de não persecução penal), instituto novo previsto na lei 13.964/19 (Pacote Anticrime), diminuindo assim as chances de acordos em crimes licitatórios, sendo possível ainda a utilização do instituto da colaboração premiada, a depender do caso.

No mesmo sentido, o aumento das penas em abstrato dos crimes licitatórios diminui as chances de ocorrerem prescrições.

3 - Conclusão

Inegavelmente as novas disposições penais em matéria de licitações e contratos administrativos trouxeram possibilidades de maior rigor estatal, tanto na fase de investigação e acusação, quanto na fase de execução penal.

É verdade que existiam enormes críticas em relação às brandas punições previstas para os crimes dessa natureza, o que verdadeiramente, comparadas com outros tipos penais, evidenciavam desproporcionalidade entre a elevada importância dos bens jurídicos protegidos pelos crimes em licitações e contratos e suas penas, que ao fim, não puniam seus responsáveis na medida da gravidade dos crimes cometidos. É evidente objetivo do legislador em reprimir mais fortemente os responsáveis por crimes licitatórios.

A nosso juízo, essas medidas mais gravosas aos investigados e acusados atendem a uma demanda popular de maior rigor estatal em crimes que envolvem a administração pública. Entretanto, apesar de sabermos da necessidade do direito penal, pois não temos alternativa, pensamos que o combate mais eficiente aos delitos licitatórios passa por um conjunto de mecanismos de prevenção, a exemplo dos institutos de integridade, tanto nos órgãos da administração pública, quanto nas empresas privadas.  

Luiz Fernando Rodrigues

Luiz Fernando Rodrigues

Advogado criminalista

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