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Da não incidência do IPVA sobre aeronaves e embarcações

O entendimento do STF acerca da não incidência do IPVA sobre aeronaves e embarcações é um reflexo da necessidade de reforma tributária nos dias atuais.

terça-feira, 13 de julho de 2021

Atualizado às 13:50

(Imagem: Divulgação)

Não é de hoje que há uma grande discussão no cenário jurídico sobre a não incidência do IPVA sobre as aeronaves e embarcações com fulcro no entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  

Se discute muito se a nossa legislação seria justa a ponto de prever a hipótese de incidência do IPVA para veículos automotores (carros, motos) e de não haver a previsão legal para o pagamento do mesmo imposto para as aeronaves e embarcações.

Afinal, qual a base para tal entendimento?

Tudo começa pelo julgado do STF em sede de Recurso Extraordinário (RE 379.572) que entendeu ser inconstitucional a lei estadual do Rio de Janeiro 948/85 e o artigo 1º, parágrafo único do Decreto 9146/86 que previam a incidência do IPVA nesses casos.

Para o Supremo, as aeronaves e as embarcações não se enquadram no conceito de veículos automotores disposto no art. 155, inc. III da Constituição Federal. A explicação para isso, se dá com o fundamento levantado pelo ex- ministro do STF Joaquim Barbosa, por entender que a expressão "veículos automotores" não seria o suficiente para abranger "veículos aquáticos".

Certamente, isso gera discussões em dois sentidos: um positivo e um negativo. Explico.  

Pelo lado positivo, vemos que há um princípio no Direito Tributário chamado princípio da legalidade cujo objetivo é trazer segurança jurídica nas relações tributárias, dispondo que em determinadas hipóteses é imprescindível a previsão em lei (ex.: criação do tributo).

Ora, no exemplo acima mencionado, o tributo só pode ser criado mediante lei ordinária ou lei complementar visando coibir o abuso na cobrança realizada pelo Estado em desfavor do contribuinte.

Com isso, a criação do tributo só pode acontecer mediante previsão expressa na lei, não podendo, por exemplo, ser usada a analogia como meio para a sua criação.

A atividade estatal relacionada a cobrança das receitas públicas (ou derivadas) encontra-se limitada pelo viés da legalidade, onde a lei deve prever expressamente a possibilidade da cobrança desse tributo.

Pode-se dizer, portanto, que o STF teria utilizado essa máxima como argumento principal para fundamentar o seu entendimento acerca do assunto, visando a segurança jurídica nas relações tributárias.

No entanto, é importante atentarmos agora para o lado negativo.

A priori, temos que nos atentar para os seguintes fatos: os veículos terrestres são regulados pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) - Lei nº 9.503/97, onde traz o conceito de veículo automotor no seu anexo I, in verbis:

"Veículo Automotor - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico)". (BRASIL, 1997).

Outrossim, o conceito de aeronave está estampado no art. 106 do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) - Lei 7.565/86 que traz a seguinte definição:

"Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas". (BRASIL, 1986).

No tocante ao conceito de embarcação, está elencado no art. 11, parágrafo único e suas alíneas, do Tribunal Marítimo (Lei 2.180/54):

"Considera-se embarcação mercante tôda construção utilizada como meio de transporte por água, e destinada à indústria da navegação, quaisquer que sejam as suas características e lugar de tráfego. Parágrafo único. Ficam-lhe equiparados: a) os artefatos flutuantes de habitual locomoção em seu emprego; b) as embarcações utilizadas na praticagem, no transporte não remunerado e nas atividades religiosas, cientificas, beneficentes, recreativas e desportivas; c) as empregadas no serviço público, exceto as da Marinha de Guerra; d) as da Marinha de Guerra, quando utilizadas total ou parcialmente no transporte remunerado de passageiros ou cargas; e) as aeronaves durante a flutuação ou em vôo, desde que colidam ou atentem de qualquer maneira contra embarcações mercantes." (BRASIL,1954)

De tal modo, percebe-se que o conceito de cada veículo de transporte está previsto em dispositivos legais totalmente diversos, restando provado que "veículo automotor" se refere apenas aos veículos terrestres.

Apesar disso, talvez essa não fosse a intenção do legislador ao redigir a norma legal, pois o seu ensejo fosse abranger todos os veículos que trafegam nas vias terrestres, aéreas e aquáticas.

Entretanto, por força do princípio da legalidade, o Estado só pode cobrar do contribuinte aquilo que está previamente e expressamente previsto na lei, sob pena da sua cobrança ser indevida.

Nesse interim, diz o eminente tributarista Cláudio Carneiro:

"A Administração Tributária, a pretexto de fiscalizar, arrecadar (obtenção de receita pública) e punir os infratores, não pode eximir-se de observar o princípio da legalidade. Significa dizer que a conduta dos fiscais pauta-se pela vinculação à lei, como ocorre no lançamento tributário." (CARNEIRO, Cláudio. p. 819, 2020)

Ora, o lançamento tributário, ato de constituição do tributo, só pode acontecer se houver a hipótese de incidência na lei, prevendo aquela conduta como fato gerador da obrigação de pagar tributo. Se a lei não prevê a incidência de recolher o IPVA sobre os veículos aéreos e aquáticos, o fisco não poderá lançar e cobrar o respectivo imposto.

Desse modo, quando a lei estabeleceu no seu dispositivo constitucional a incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), acabou restringindo a hipótese de incidência somente para os veículos terrestres.

Além da questão supramencionada, há no Direito Tributário o princípio da capacidade contributiva que dispõe que o contribuinte deverá recolher o tributo na medida da sua capacidade econômica, a exemplo do Imposto de Renda (IR), onde o contribuinte recolhe o imposto a medida da sua renda.

Como se sabe, a maioria dos carros e motos são demasiadamente mais baratos do que as embarcações e aeronaves. Os proprietários de tais veículos terrestres, mesmo que populares ou de classe alta, são obrigados a recolher a tributação incidente sobre a propriedade do seu bem.

Afinal de contas, utilizando a máxima desse princípio, se o particular é obrigado a recolher o imposto incidente sobre um carro popular de valor econômico acessível, quem dirá o indivíduo quem é proprietário de uma embarcação ou aeronave de grande valia?

Esse assunto é pauta de grande reflexão, pois em casos como esse a justiça fiscal estaria totalmente mitigada, vez que as relações jurídicas no âmbito tributário não estariam se pautando de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.

Ademais, outro ponto importante acerca do tema, como ficariam os pequenos barcos de pescas que servem como instrumento para o trabalho de pessoas extremamente humildes? Nesse caso, a não incidência do IPVA para essas pequenas embarcações acaba sendo benéfico.

A necessidade de uma reforma tributária justa e democrática é um dos principais motivos para regularização de determinadas distorções que encontramos no atual sistema tributário nacional. (confira julgado do STF em sede de RE 379.572).

Em síntese, observa-se, portanto, que de fato a norma constitucional não prevê a incidência do IPVA para os veículos aquáticos ou aéreos, mas tão somente para os veículos terrestres.

Caberia, dessa forma, que esse tópico fosse pauta da reforma tributária para retificar essa lacuna existente no nosso ordenamento jurídico, como é o caso das propostas de ambas as PECs que tramitam no Congresso Nacional - PEC 110 e PEC 45, observando sempre a capacidade contributiva do particular de modo que o recolhimento do tributo não onere demasiadamente o contribuinte, principalmente aqueles da classe baixa.

João Victor Oliveira Cavalcanti

João Victor Oliveira Cavalcanti

Pós graduando em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola Nacional Superior de Advocacia - ESA. Advogado membro do Partners of America - EUA. Membro da Comissão de Direito Digital, LGPD e Compliance da Subseção da OAB Paulista/PE. Membro da Comissão Jurídica do Observatório Popular de Olinda - OPO. Vice Presidente da Comissão de Teses e Assuntos Tributários da OAB Paulista/PE.

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