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O superpedido de impeachment em um país descontrolado

Governo Federal enfrenta possibilidade de grande pedido de impeachment diante das acusações realizadas pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) envolvendo contrato público para significativa aquisição de vacinas.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Atualizado às 17:02

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) deu recente depoimento à "CPI da covid-19" a respeito da atuação do presidente Jair Bolsonaro, após este alegadamente ter sido avisado de supostas incorreções administrativas na aquisição da vacina Covaxin do laboratório indiano Bharat Biotech, por meio da empresa intermediadora Precisa Medicamentos. O fato serviu de ignição ao chamado superpedido de impeachment que está sendo manejado por vários partidos políticos de oposição ao Governo.

Conforme relatou Luis Miranda, o presidente da República teria sido avisado por ele que seu irmão, Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, estava sendo alvo de uma pressão "atípica" para acelerar a liberação da referida vacina indiana. Com o comunicado do parlamentar, o presidente teria afirmado a ele que requisitaria a devida investigação pela Polícia Federal, embora este órgão não tenha encontrado registro algum de inquérito aberto sobre o caso.

De concreto, até o momento sabe-se que em 25 de fevereiro de 2021 o Governo Federal celebrou um contrato para a aquisição de 20 milhões de doses do imunizante Covaxin, pelo custo de 1,6 bilhões de reais. O Governo procurava ampliar seu leque de vacinas e diminuir a sujeição à vacina Coronavac, cuja introdução ao país fora articulada pelo Governador de São Paulo João Doria. Em dato momento pretérito, a Coronavc fora chamada de maneira jocosa de "CovaChina" por integrantes da ala bolsonarista.

Em entrevista concedida à imprensa na quinta-feira, dia 24 de junho, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga disse que até o momento não havia sido pago um centavo sequer pela vacina Covaxin. Um dia antes, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, afirmara que o Governo do presidente Jair Bolsonaro completava seu trigésimo mês sem corrupção e que assim continuaria.

O resumo da ópera é que para os parlamentares antagonistas de Jair Bolsonaro, com sua suposta postura o presidente teria deixado de praticar ato obrigatório às suas funções em prol de possíveis interesses ou sentimentos particulares. A equipe jurídica que estrutura o superpedido de impeachment, que deve ser oferecido à Câmara dos Deputados no dia 30 de junho, quarta-feira, acredita que a atitude de Bolsonaro, ou melhor, a falta de uma, se enquadra em um tipo penal que pode dar sustentação ao anseio de afastamento do presidente de seu cargo.

O crime de prevaricação está retratado no artigo 319 do Código Penal: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:  pena - detenção, de três meses a um ano, e multa".

Neste sentido, há aqueles que defendem que a postura de Jair Bolsonaro também configura crime de responsabilidade, o que justifica um pedido de impeachment.  Isto porque o artigo 9º da "Lei dos Crimes de Responsabilidade" (lei 1.079/1950) determina que "são crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: (...) 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição".

No Congresso Nacional, a oposição a Bolsonaro pretende aproveitar o depoimento de Luis Miranda à CPI pra enrijecer seus ataques ao Governo. O plano então é articular partidos independentes em uma aliança para paralisar votações legislativas até que o relatado por Miranda seja apurado. Isto é preocupante ao Governo porque atualmente as Casas Legislativas discutem projetos de seu interesse, como é o caso das reformas nas esferas administrativa, tributária e eleitoral. Além disso, o atual Governo tem total interesse na retomada do voto impresso já nas próximas eleições.

Eventual processo legislativo de impeachment deve ser iniciado na Câmara dos Deputados, sob a autorização de seu presidente, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL). Ao que parece, Bolsonaro também detém coalização com a maioria dos integrantes da Câmara dos Deputados. Jair Bolsonaro afirma com frequência que só deixará seu mandato sob a vontade de Deus e que conta com o apoio irrestrito de seu exército (o povo, segundo ele).

Fato é que o Brasil tem registrado cerca de duas mil mortes diárias atribuídas à covid-19, tendo já somando mais de 512 mil óbitos desde o início da pandemia. O patamar elevado parece ter nos anestesiado e começamos a encarar isto como "normal". Apenas pouco mais de 10% da população brasileira está totalmente imunizada ao novo coronavírus, se é que uma total imunização existe.

Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro segue promovendo grandes aglomerações, como fez na nova "motociata" na manhã do último sábado, dia 26 de junho, em Chapecó-SC, sem a utilização de máscara de proteção, como é de seu costume.

Seria cômico se não fosse trágico. Chapecó registra hoje 96% dos seus leitos de UTI ocupados por complicações da covid-19. A "motociata" começou por volta das nove horas da manhã e reuniu uma infinidade de apoiadores (os números reais de participantes são sempre controversos).

O Brasil está descontrolado. Há máxima histórica nos números de desemprego. Os índices socioeconômicos estão em declínio espantoso (o recorde histórico positivo da Bovespa não tem correlação imediata com bons resultados econômicos nacionais). Ostentamos recordes mundiais negativos em relação à covid-19 (o Governo alega que somos um dos campeões em número de vacinações, promovendo números absolutos de vacinados, enquanto deveria analisar números proporcionais em relação ao contingente populacional). Nossas áreas verdes encolhem geometricamente e nossa credibilidade no eixo diplomático internacional parece ter definhado.

À nossa espera, as eleições presidenciais de 2022, que certamente serão acaloradas e polarizarão ainda mais o país.

Por fim, não há como não tornar pública a alegoria criada por Thiago Casteluchi a respeito do atual momento: "o país está à deriva. O caos se instala no convés enquanto os marinheiros morrem de escorbuto e desidratação. O capitão do navio está em delírios de insolação, bebendo rum e planejando sua saga heroica pelos sete mares em busca do tesouro perdido, sentado ao lado de piratas. Para isso, ele os arma e enfraquece seus guarda-marinhas, ao passo que acusa os tenentes de liderarem um motim para lhe tomar o navio...".

Felipe Labruna

Felipe Labruna

Mestrando e graduado em Direito pela PUC-SP. Especialista em Ciência Política e em Direito Processual Civil. Pesquisador. Co-autor do livro "Faltam pais no Brasil".

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