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A possibilidade da denunciação da lide de réu em face de corréu

Conforme entendimento do C. STJ é possível a denunciação da lide de réu, em face de corréu, desde que não seja apresentado fato novo que motive a produção de ou-tras provas além daquelas necessárias pela lide principal.

quarta-feira, 10 de março de 2021

Atualizado às 10:45

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A denunciação da lide é uma ferramenta processual que permite a intervenção, via de regra, de um terceiro, em determinada demanda, a fim de viabilizar, desde já, o exercício do direito regressivo, conforme previsto em determinadas situações (artigo 125 do CPC).

Conforme será demonstrado a seguir, em consonância com o julgamento proferido pelo C. STJ, nos autos no Recurso Especial 1.670.232 - SP (2017/0108717-5), e em atenção aos estudos doutrinários a respeito do tema, verifica-se que também é possível e viável o seu processamento quando requerida por réu, em face de corréu, respeitando os princípios processuais da cooperação, celeridade, efetividade, segurança jurídica, bem como da duração razoável do processo.

O caso objeto de julgamento pelo C. STJ envolve uma ação de reparação de danos cumulada com indenização e lucros cessantes, ajuizada por Cláudia Alves Marcondes, em face de M. Ângela da Silva - ME, Nilton César da Silva, Encalso Construções Ltda. e S.A. Paulista de Construções e Comércio.

A autora narra que em razão de uma manobra imprudente de Nilton César da Silva, empregado da empresa M. Ângela da Silva - ME, que prestava serviços às empresas Encalso Construções Ltda. e S.A. Paulista de Construções e Comércio, sofreu um acidente grave, que lhe causou diversas fraturas.

Diante do ocorrido, requereu indenização por danos materiais, para fins das despesas médicas; indenização por lucros cessantes, referente ao período que ficou sem trabalhar; pensão vitalícia, diante da redução da capacidade laboral; indenização por dano estético; e indenização por danos morais.

As rés Encalso Construções Ltda. e S.A. Paulista de Construções e Comércio requereram a denunciação da lide, em face da corré M. Ângela da Silva - ME, porém o pedido foi rejeitado.  

Desta decisão foi interposto agravo de instrumento, asseverando a possibilidade da denunciação da lide em face da corré (M. Ângela da Silva - ME). Entretanto, foi negado seguimento, sob a justificativa de que seria incompatível a denunciação de corréu, e que eventual ressarcimento deveria ser discutido em ação autônoma.

Interposto recurso especial, distribuído no C. STJ sob o 1.670.232 - SP, com fundamento no artigo 125, inciso II, do Código de Processo Civil, foi destacada sua viabilidade mesmo que naquele caso a parte denunciada já integrava o polo passivo do feito, sob pena de prejudicar o direito de regresso previsto no contrato.

Diante do tema em questão, inicialmente, é relevante trazer a definição de denunciação da lide, segundo Bueno (2020, n.p):

A denunciação da lide é a modalidade de intervenção de terceiros pela qual o autor e/ou o réu (denunciantes) formulam, no mesmo processo, pedido de tutela jurisdicional em face de um terceiro (denunciado), viabilizando, desde logo, o exercício de eventual direito de regresso em face dele (terceiro/denunciado) na eventualidade de virem (autor e/ou réu) a sucumbir em juízo.

A denunciação possui três características, tidas como fundamentais. Trata-se de uma forma de intervenção de terceiros que pode ser postulada tanto pelo autor quanto pelo réu, o que a diferencia do chamamento ao processo, uma vez que este só pode ser pleiteado pelo réu. Possui natureza jurídica de ação, entretanto, não há a constituição de um processo autônomo, pois a denunciação apenas amplia seu objeto, notadamente por dar origem a uma lide secundária. Por fim, registra-se que em todas as hipóteses que se admite denunciação estão vinculadas ao direito de regresso, viabilizando que o denunciante o exerça nos mesmos autos, primando pela economia processual (GONÇALVES, 2018).

Assim, conforme exposto, em consonância com o artigo 125 e seus incisos do CPC, a denunciação pode ser pleiteada tanto pelo autor, quanto pelo réu, nas seguintes hipóteses: i) ao sujeito alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que a evicção lhe resulta; ii) ao sujeito que estiver obrigado por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

No julgamento do recurso especial, o pedido de denunciação foi realizado com fundamento no artigo 125, inciso II, do CPC, dada a responsabilidade contratual entre os réus Encalso Construções Ltda., S.A. Paulista de Construções e Comércio, denunciantes, que contrataram os serviços de M. Ângela da Silva - ME, denunciada, proprietária do veículo que causou o acidente.

Registra-se que não houve dúvidas quanto a existência de previsão contratual capaz de admitir pedido regressivo pelas rés Encalso Construções e S.A. Paulista, em face da também ré M. Ângela, sendo este um ponto relevante do caso, por se enquadrar perfeitamente na hipótese legal, do artigo 125, inciso II, do CPC.

O deferimento da denunciação enseja a formação de duas lides, sendo primeira restrita a demanda principal, entre autor e réu, enquanto que a secunda, busca aferir a responsabilidade do denunciado, portanto, instaurada entre denunciante e denunciado.

Assim, a fim de não prejudicar o regular o andamento do processo principal (lide primária), antes de deferir ou indeferir a denunciação, necessário e prudente que seja analisado o objeto discutido no processo principal, aferindo se com o acolhimento da denunciação, haverá inclusão de fato ou fundamento novo, bem como se será necessária a produção de provas que inicialmente não seriam produzidas, caso não houvesse a denunciação.

A respeito deste assunto, Gonçalves (2018, p. 260):

Há a respeito do inciso II, questão bastante controvertida da possibilidade de, por meio da denunciação, serem introduzidas questões novas, que não são objeto de discussão no processo principal e que podem exigir a produção de provas que não seriam necessárias se ela não existisse.

Muito se discute nos casos em que o pedido de denunciação pode ensejar questões novas e, consequentemente, demandar a produção de outras provas, atravancando o deslinde da demanda principal. A respeito disso, a jurisprudência do C. STJ se alinha no sentido de que o pedido de denunciação não pode gerar prejuízo à parte da lide tida como primária, ou seja, aquela que não faz parte da relação denunciante e denunciado (REsp 701.868/PR, 4ª Turma - Ministro Relator Raul Araújo, j. 11/2/2014).

Neste sentido, para fins de deferimento da denunciação da lide é preciso que estejam presentes os requisitos exigidos pelo artigo 125, inciso I ou II do CPC, e que não haja fundamento novo que motive dilação probatória além daquela que seria realizada em razão da discussão travada na lide principal.

No caso em concreto, dada a relação contratual reconhecida pelas partes, diante do contrato de prestação de serviços, não há o que se falar em fundamente novo capaz de ensejar maior dilação probatória, pois para aferir o direito regressivo das rés, basta simples análise das cláusulas contratuais.

Aliás, na fundamentação do C. STJ foi destacado que restou reconhecida a existência do vínculo contratual entre as partes, situação esta que afasta por completo, a possibilidade de obstar o pedido de denunciação, sob alegação de existir fato novo que exija maior dilação probatória.

A denunciação à lide, nada mais é que a possibilidade de mover demanda regressiva, nos próprios autos do feito principal, sem necessidade de ajuizar nova ação. Por isso, caracteriza-se como uma demanda incidente, regressiva, eventual e antecipada (DIDIER, 2015).

A respeito do caráter regressivo da denunciação, Didier Jr. (2015, p. 493), explica:

Denunciar a lide é trazer esse alguém para o processo, por força de garantia prestada, ou em razão de direito regressivo existente em face dessa pessoa; aproveita-se o denunciante do mesmo processo para exercer a ação de garantia ou a ação de regresso em face do denunciado; visa, pois, a dois objetivos: vincular o terceiro ao quanto decidido na causa e a condenação do denunciado à indenização. 

Neste diapasão, voltando os olhos ao caso em análise, por inexistir fato e/ou fundamento novo que demandasse a produção de provas distintas das quais já seriam produzidas pela lide primária, e diante do pleno direito consubstanciado pela possibilidade das rés Encalso Construções Ltda. e S.A. Paulista de Construções e Comércio, moverem pedido regressivo, o pedido de denunciação formulado deveria ter sido deferido de pronto, porém não foi o que aconteceu, situação que ensejou a interposição de recurso especial.

Em que pese não haver óbice, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo asseverou em sua fundamentação que não havia interesse recursal, visto que a denunciada (M. Ângela da Silva - ME), já constava no polo passivo, o que obstaria qualquer medida de intervenção de terceiros e, portanto, seria incompatível sua inclusão como terceira responsável por prejuízos decorrentes de sucumbência das rés, consignando, por fim, que eventual ressarcimento de danos deveria ser discutido em ação própria.

Ainda, de forma equivocada, o Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou também que a ampliação objetiva da demanda, por força da denunciação, deve ser mínima, e que não seria razoável exigir a apreciação do pedido regressivo, por ensejar postergação do feito principal.

Não obstante, a negativa da denunciação da lide pelo Tribunal de São Paulo foi inadequada, pois pretendeu introduzir a ideia de que seria necessário a produção de outras provas, que retardariam o andamento do processo principal. Todavia, no caso em concreto, não havia necessidade de dilação probatória, em atenção à expressa previsão contratual.

A propósito, quanto ao fato da parte denunciada já estar no polo passivo da demanda principal, nada prejudica a procedência do pedido da denunciação, desde que, preenchidos os requisitos do artigo 125 do CPC, respeitado o fato de que com o deferimento, não seja prejudicado e/ou retardado o andamento da lide principal, a ponto de gerar prejuízos ao autor da demanda.

Assim, como muito bem fundamentado pelo C. STJ, não existem obstáculos capazes de impedir o deferimento da denunciação da lide formulado pelas rés (recorrentes), em face da corré (recorrida) na demanda primária, justamente por ser incontroverso que existe previsão no contrato de prestação de serviços.

Tida por incontroversa a relação contratual com previsão de direito regressivo, para fins da viabilidade do pedido de denunciação, também é preciso se atentar que no caso em concreto, em consonância com o entendimento do C. STJ, não houve apresentação de fato novo e, consequentemente, não necessita de produção de outras provas para comprovar o direito de regresso, além das provas que já constam nos autos.

Importante observar também que as disposições da legislação processual civil que tratam da denunciação, não proíbem a hipótese que ensejou a interposição do recurso especial, ou seja, não há óbice para que uma parte ré peça a denunciação da lide, em face de outra que também ocupe o polo passivo da demanda.

Inclusive, Bueno (2020, n.p), com muita propriedade reconhece tal possibilidade:

Ainda no que diz respeito à denunciação da lide por iniciativa do réu, nada há de novo no Código de Processo Civil que afaste o entendimento de que a denunciação pode ser requerida ainda que o réu argua, em preliminar, sua ilegitimidade passiva. Trata-se, também aqui, de decorrência natural do princípio da concentração da defesa. Inexiste, outrossim, qualquer óbice para que um réu denuncie a lide em relação a outro réu, para que possa exercer, desde logo, eventual direito de regresso em face dele no mesmo processo em que demandados pelo autor comum, razão de ser do instituto.

Como bem observado pelo estudioso Cássio Scarpinella, é plenamente possível o réu requerer a denunciação à lide em face de corréu, até porque com tal pleito, estará exercitando, no mesmo processo, o direito de regresso que possui, evitando assim o ajuizamento de nova demanda.

No mesmo sentido, conforme destacado na própria fundamentação do acórdão prolatado pelo C. STJ, no caso em concreto, colaciona-se o quanto exposto por Theodoro Júnior (2018, n.p):

São legitimados passivos, para o incidente, o alienante a título oneroso e o responsável pela indenização regressiva (art. 125, I e II). A circunstância de ser o responsável pela garantia litisconsorte da ação principal não dispensa nem impede a denunciação da lide. É que o objetivo da intervenção, na espécie, é deduzir uma nova ação em juízo, sem a qual a sentença solucionará a lide primitiva, mas não poderá condenar o garante regressivo naquilo que diz respeito à sua responsabilidade perante o beneficiário da mesma garantia. Há portanto, legítimo interesse na propositura da denunciação da lide, mesmo quando o terceiro (litisdenunciado) já figure, a outro título, na relação processual originária. (g/n).

Assim, atento à previsão legal, aos estudos doutrinários, bem como em consonância com o entendimento jurisprudencial, correto o posicionamento do C. o STJ, no caso em análise, dando provimento ao recurso especial, para deferir a denunciação da lide de ré, em face de corré.

Ademais, vale registrar que em que pese ser mantido o direito regressivo no caso de indeferimento desta pretensão, foi constatado no caso objeto de estudo que o denunciante comprovou, suficientemente, por documentação que já constava nos autos, a previsão contratual do direito de regresso em face da empresa que prestava serviços (denunciada), além de que, a denunciação não acresceu à lide principal nenhum fato e/ou fundamento novo, que lhe ensejasse produção de provas diversas daquelas para apurar a responsabilidade na lide principal, não havendo, portanto, a possibilidade de retardar e/ou prejudicar a demanda primária, pelo trâmite da denunciação à lide.

Ainda, levando em conta o direito de regresso garantido pelas empresas denunciantes (recorrentes) e as disposições previstas no artigo 125 do CPC, evidente que o acolhimento da denunciação neste caso, está em total consonância com os princípios processuais da cooperação, celeridade, efetividade processual e da duração razoável do processo, motivo pelo qual apropriado o conhecimento e provimento do recurso especial pelo C. STJ.

Por fim, fato é que, situações como esta devem ser analisadas caso a caso, e neste em específico, inexiste prejuízo ao sujeito ativo da demanda, por se tratar de mera previsão contratual, que não apresenta fundamentos novos e dispensa a produção de outras provas. E mais, considerando que a denunciada já está no polo passivo, alguns atos processuais podem, inclusive, ser otimizados, desde que não haja prejuízo ao contraditório, situação esta que não seria possível se fosse a denunciação de um terceiro estranho ao processo.

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BUENO, Cassio Scarpinella, Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 1: teoria geral do direito processual civil: parte geral do código de processo civil, 10 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. E-book (não paginado).

DIDIER JR., Fredie, Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios, Direito Processual civil esquematizado. 9 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil. 59 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. E-book. (não paginado).

BRASIL. Lei nº 13.105 de 16 março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso especial 1.670.232/SP. Recurso especial. Processual civil. Ação de reparação de danos. Acidente de trânsito. Denunciação da lide. Litisconsórcio passivo já integrante da relação processual. Possibilidade. Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 16 de outubro de 2018. Disponível em: clique aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso especial 701.868/PR. Recurso especial. Processual civil. Denunciação da lide (CPC, Art. 70, III) à sociedade de advogados que patrocinou anterior execução entre as partes. Ação de reparação por danos morais. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Alegação de descumprimento de cláusula de contrato de serviços de advocacia. Descabimento. Fundamento novo estranho à lide principal. Recurso desprovido. Relator: Ministro Raul Araújo, 11 de fevereiro de 2014. Disponível em: clique aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2021.

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Douglas Henrique Costa

Douglas Henrique Costa

Advogado atuante na área de contencioso cível, pela sociedade Pereira Advogados. Formado no Uniseb - Coc Ribeirão Preto. Pós-graduando em Direito Processual Civil na Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto.

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