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O Judiciário Brasileiro é caro?

O salário do juiz brasileiro, ao contrário do que se afirma, está na média de outros países, sendo que aqui se produz muito mais e há uma demanda por jurisdição infinitamente maior que em outros países, acarretando uma estrutura mais complexa.

sábado, 12 de setembro de 2020

Atualizado às 12:09

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Nos últimos dias, o Poder Judiciário voltou às manchetes da imprensa sob a acusação de que os seus gastos aumentaram de forma expressiva, nos últimos cinco anos, e também porque os juízes receberiam salários elevados em início de carreira, comparativamente a outros servidores e mesmo em relação a trabalhadores da iniciativa privada.

Inquestionavelmente, além de constituir-se como um Poder da República, o Judiciário é também um serviço público, de modo que não pode se eximir do debate proposto, relacionado ao seu custo, por respeito à sociedade que, por meio do pagamento de tributos, o mantém. Todavia, a simplificação desta análise e a omissão de diversos elementos que devem ser trazidos para esta reflexão causam perplexidade e impedem que a população faça uma avaliação mais adequada a respeito da destinação dos recursos públicos ao Poder Judiciário.

A comparação do gasto do PIB do Brasil com o Poder Judiciário em relação a outros países não leva em consideração uma variável fundamental, que é a de que, em nosso país, se atribui à Justiça a função exclusiva de resolução de litígios, inexistindo meios alternativos que sejam capazes de compor, de forma eficiente, os conflitos sociais. Além disso, assinala-se à Justiça Brasileira uma série de funções atípicas, que não encontram equivalência em nenhum país do mundo.

No Brasil, o Poder Judiciário não apenas é a última trincheira da cidadania, mas, também, a primeira e, normalmente, a única. Significa dizer que todos os conflitos travados entre os cidadãos e demais atores sociais, como empresas e o poder público, são resolvidos, exclusivamente, pelos juízes e tribunais brasileiros. Das questões mais simples às mais sofisticadas, da mais insuspeita à mais inusitada, todas as controvérsia passam pelo crivo do Poder Judiciário.

A Constituição Brasileira, para o bem e para o mal, permite a judicialização de praticamente todos os conflitos sociais em nosso país, inclusive aquelas prestações devidas pelo poder público, que podem ser exigidas via Judiciário, como saúde e educação, ao passo que, em alguns países, esses serviços sequer são previstos como direitos fundamentais com lastro constitucional.

Causa estranheza, em alguns países, a constatação de que aqui uma execução fiscal - isto é, a busca da Fazenda Pública pelo seu crédito - deve passar pela análise de um juiz; ou que uma simples notificação de despejo também seja matéria judicial; ou, pior ainda, que qualquer que seja a reclamação de um consumidor, o mesmo tem direito que a mesma seja processada em alguma Vara, sem que este sequer busque a resolução do problema por meio de outro canal administrativo.

Além disso, o Brasil fez a opção de que a esmagadora maioria das ações judiciais seja processada sem o pagamento de custas, em razão da concessão da assistência judiciária gratuita, ou pela utilização dos Juizados Especiais ou, ainda, pela previsão de que determinados procedimentos sejam isentos de taxas, independentemente de quem os maneja. Essa circunstância, aliada a um sistema processual e recursal ainda confusos, em que os precedentes judiciais não obtiveram o necessário prestígio, certamente estimulam a explosão da litigiosidade em nosso país.

Mais ainda, a concessão indiscriminada da Justiça Gratuita faz com que o Poder Judiciário assuma uma série de despesas, como, por exemplo, a realização de perícias, que poderiam ser custeadas por pessoas que, efetivamente, têm condições de pagar. Esse estímulo à litigância também incentiva as partes em um processo judicial a não realizarem acordo, porquanto não há o que perder e porque a estratégia mais racional será sempre o prosseguimento da ação até sentença final. Isto não é pouco. Nos Estados Unidos, por exemplo, 95% das ações judiciais - cíveis e criminais - são resolvidas por um acordo já no início do processo. No Brasil, esse índice não chega a 20% na Justiça Comum de primeiro grau. Um processo Judicial que enfrenta todas as fases previstas em Lei e ainda enfrenta recursos consome uma série de gastos.

O que dizer das funções atípicas que os juízes brasileiros assumem no Brasil, como a inspeção em presídios ou fiscalização de serviços cartorários? Além dessa multiplicidade de atribuições trazer uma carga de trabalho descomunal ao magistrado, exige-se do mesmo um conhecimento enciclopédico que não guarda equivalência com magistrados das mais consolidadas democracias ocidentais.

Em outros países, parte desse custo que, no Brasil, é atribuído ao Judiciário, acaba também diluído em serviços públicos variados que, juntamente, com os judiciais, acabam repartindo tais atribuições, especialmente naqueles casos em que não se vislumbra reserva de jurisdição ou quando, pela natureza do conflito, a Administração Pública tem condições de solucionar o caso.

Assim, uma unidade judicial no Brasil, para dar conta de tantas atribuições, necessita de um corpo de servidores públicos em número expressivo, sob pena de colapsar o sistema, o que traz realmente um gasto elevado que acaba sendo atribuído unicamente ao Judiciário. Nesse contexto, o custo do Poder Judiciário é, realmente, elevado, mas o que efetivamente mais pesa na conta é exatamente essa estrutura gigantesca criada para dar vazão a todos os conflitos sociais.

O debate é importante, mas precisa ser honesto. Não adianta simplesmente dizer que o gasto do Poder Judiciário aumentou nos últimos anos, sem levar em conta todos estes fatores ou ignorando o fato de que o Brasil é o país com maior número de faculdades de Direito no mundo e contava, em 1995, com apenas 235 cursos de Direito, tendo esse número alcançado a marca de 1.502 cursos já em 2018, o que representa um aumento vertiginoso de 539%.

O salário do juiz brasileiro, ao contrário do que se afirma, está na média de outros países, sendo que aqui se produz muito mais e há uma demanda por jurisdição infinitamente maior que em outros países, acarretando uma estrutura mais complexa.

Aliás, em muitos casos, os juízes brasileiros recebem subsídios inferiores ao de membros do Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública, que merecem todo o respeito e valorização, mas que não acumulam o mesmo número de funções de um Juiz. Além disso, a carreira de Magistrado é, indiscutivelmente, a que mais possui vedações para o exercício de outras atividades, salvo o exercício do magistério, de modo que a fonte primordial do seu sustento é o seu subsídio mensal.

O próprio Presidente do STF, Dias Toffoli, reconheceu, em diversos momentos, que o Judiciário brasileiro é um dos mais produtivos do mundo, tanto na atuação de sua Corte máxima, quanto em relação ao trabalho dos magistrados de primeiro grau que atuam nos rincões mais afastados do país.

Somos recordistas em número de processos em tramitação, alcançando atualmente a cifra de quase 80 milhões de feitos em andamento. Em 2016, cada magistrado brasileiro julgou, em média, cerca de 1.757 processos, o que significa 5,8 processos por dia. Em igual período, juízes italianos prolataram, em média, mil sentenças por ano, os espanhóis, 700, e os portugueses, 400.

Em 2018, a produtividade do juiz brasileiro acarretou, pela primeira vez em 15 anos, a redução do estoque de processos, após os magistrados alcançarem a impressionante marca de quase oito processos julgados por dia. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte Americana recebeu, em 2013, 8 mil processos e julgou cerca de 80, sendo que lá o procedimento conhecido por writ of certiorari permite que sejam escolhidos os processos que serão apreciados por seus Justices. Na Inglaterra, julga-se menos de 100 processos por ano. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, na mesma época, recebeu 44 mil novos processos e julgou 85 mil processos, ou seja: mil vezes mais.

Se o intuito é falar do gasto do Poder Judiciário no Brasil em comparação a outros países, é preciso, antes de fazer uma análise reducionista e simplificada, analisar a realidade da cada lugar. O gasto do Brasil com o Poder Judiciário é diretamente proporcional à alta demanda que sua população tem por Jurisdição, quer seja pela omissão do Estado em prover direitos básicos da população, quer seja pela criação de uma cultura que não se preocupou em criar meios alternativos de solução de litígios que não passem, necessariamente, pelos juízes e tribunais.

E nessa senda, cada país tem a demanda que sua realidade exige. Tomemos como exemplo o gasto de determinados países com forças armadas. O Brasil gasta cerca de 1,3% do PIB com militarismo, ao passo que os Estados Unidos gastam 3,3%, a Russia 5,3% e a Arábia Saudita inacreditáveis 10% do seu produto interno correspondem a gastos militares

De fato, o debate relacionado ao custo do Poder Judiciário deve avançar, mas deve ser feito de forma esclarecida, com todas as informações disponíveis relacionadas ao trabalho da Magistratura e suas peculiaridades, objetivando a sua redução e o alívio ao contribuinte, mas sem perder de vista a necessidade de contarmos com um Poder Judiciário capaz de dar vazão a todas as demandas sociais existentes e de contribuir com a consolidação da democracia brasileira.

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*Holídice Cantanhede Barros é 2º vice-presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão - AMMA  e juiz auxiliar de Entrância Final.

 

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