Não cumprimento do art. 95 do CPC/15: a inevitável inanição da atividade pericial na Justiça Comum
Este trabalho apresenta uma situação real quase falimentar da atividade pericial, principalmente em ações referentes a serviços de concessionárias de abastecimento de água e de coleta de esgoto, abastecimento de gás, de energia elétrica, telefonia e provisiona, caso haja perpetuidade das condições expostas, a inanição da atividade pericial no TJ/RJ num futuro próximo.
segunda-feira, 30 de setembro de 2019
Atualizado em 7 de outubro de 2019 10:14
1 Introdução
No presente artigo pede-se o empréstimo do termo biológico de inanição que se trata de estado de uma célula ou de um organismo que carece de um elemento indispensável à sua vida. Analogamente, há anos a atividade pericial sofre da mesma enfermidade e atualmente enfrenta um agravante quanto ao não cumprimento do art. 95 do novo Código de Processo Civil (lei 13.105/15) pelas partes, prática que inclusive tem sido corroborada em algumas decisões monocráticas gerando uma instabilidade jurídica deficitária para continuidade da atuação profissional.
2 Fundamentação - o que está na lei? 2 fundamentação - o que está na lei?
Na prova pericial é indispensável a análise da realidade dos fatos. A motivação para produção deste artigo tem origem quase falimentar vivenciada durante o exercício da atividade profissional quanto a dificuldade de recebimento dos honorários periciais durante atuação como perito do juízo em processos de atuação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - TJ/RJ. Para começar, é preciso esclarecer os passos necessários até que seja possível a atuação e, por conseguinte, o recebimento dos honorários periciais:
"Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico(...)
Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo (...)
Art. 465 § 2º Ciente da nomeação, o perito apresentará em 5 (cinco) dias:
I - proposta de honorários;
II - currículo, com comprovação de especialização;
III - contatos profissionais, em especial o endereço eletrônico, para onde serão dirigidas as intimações pessoais.
Art. 465 § 3º As partes serão intimadas da proposta de honorários para, querendo, manifestar-se no prazo comum de 5 (cinco) dias, após o que o juiz arbitrará o valor, intimando-se as partes para os fins do Art. 95." (lei 13.105/15).
Apesar do trecho acima ser bem claro, não é incomum o perito receber nomeações já com a homologação dos honorários com um quantum já fixado. O caso mais emblemático é quando o valor dos honorários é o mesmo praticado há 5 anos ou mais (já se verificou fixação com congelamento de honorários por 10 anos), sem nenhuma correção monetária. Entretanto, o ponto chave deste artigo, é quando durante a homologação não se cumpre o Art. 465 §2º do CPC/15, isto é, quando as partes não são intimadas na forma do Art. 95 do novo Código de Processo Civil.
"Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes". (lei 13.105/15).
Como verificado acima, a produção de prova pericial pode ser requerida por qualquer parte: autor, réu, autor e réu, ou pelo juiz, esta última condição é chamada de perícia de ofício com base no Art. 370 do CPC/15. Após acompanhamento processual, depósito dos honorários, realização de diligência pericial, entrega do laudo pericial com resposta aos quesitos e esclarecimentos, finalmente o perito consegue fazer jus ao recebimento dos honorários periciais na forma do art. 465 § 4º do CPC/15.
3. A realidade dos fatos - O que está ocorrendo na prática?
De acordo com art. 82 do CPC/15, cabem as partes antecipar o pagamento de qualquer ato processual, salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça. Este artigo da lei é importante para que o profissional trabalhe sem o risco de não receber ou vir a receber seus honorários muitos anos após a entrega do laudo pericial ou, até mesmo, em último caso, somente conseguir receber algo após execução da parte que não antecipou o pagamento dos honorários periciais. Mesmo assim, com o passar do tempo, até mesmo a penhora prevista no Art. 523 § 3º do CPC/15 pode não se mostrar efetiva fazendo com que seja condição sine qua non para o início dos trabalhos periciais, a comprovação do depósito dos honorários periciais pelas partes. Na prática o que está ocorrendo, principalmente nas ações referentes a serviços de concessionárias de abastecimento de água e de coleta de esgoto, abastecimento de gás, de energia elétrica e telefonia, conforme classificação do IBAPE-RJ, é que em 90% dos casos, dependendo da comarca de atuação do perito, a parte autora faz jus à gratuidade de justiça nos termos do Art. 98 do CPC/15. As concessionárias de energia elétrica, tem se utilizado de uma prática procrastinatória na fase pericial cujo modus operandi pode ser enumerado da seguinte forma:
I. A concessionária não solicita de modo algum qualquer tipo de perícia;
II. Se a parte autora, sob pálio da gratuidade de justiça, não requerer prova pericial, a prova pericial acaba sendo determinada por ofício;
III. É comum prova pericial determinada por ofício nos termos do Art. 370 do CPC/15, por conta de jurisprudências que procederam com a anulação da sentença em 2ª instância por ausência / inexistência de prova pericial.
Na prática, por conseguinte, mesmo que a perícia seja determinada de ofício, a parte responsável pelo adiantamento dos honorários periciais, procrastina e protela ao máximo quanto ao cumprimento do Art. 95 até o limite possível que, em último caso, após muitas intimações, o juiz deveria decretar a perda da prova pericial. No entanto, não é incomum chegar intimações para o perito convertendo a prova pericial que deveria ser paga por uma das partes, como perícia gratuita, na forma do Art. 98 do CPC/15. Este tipo de perícia de ofício que converte em perícia gratuita não é previsto no CPC/15. Mas, infelizmente, também não é incomum o perito ser destituído do encargo por não aceitar que, mediante ausência de depósito a ser realizado nos termos do Art. 95, a perícia se torne completamente gratuita nos termos do Art. 98 do CPC/15.
Os patronos da parte beneficiária da gratuidade de justiça, percebendo que os processos que necessitam de depósito de honorários não andam, por ficarem presos no art. 95 do CPC/15, é o caso de inanição na fase de prova pericial, acabam inevitavelmente requerendo perícia já na petição inicial, principalmente em ações referentes a serviços de concessionárias de abastecimento de energia elétrica.
4. Um incentivo perverso - A atividade deficitária quando todas as perícias são gratuitas
De acordo com a situação vivenciada em item anterior, se antes para cada três nomeações, uma se tratava de perícia paga e duas eram perícias gratuitas. Atualmente, para concessionárias de energia, dependendo da comarca, o perito chega a realizar 10 perícias gratuitas, nos termos do Art. 98, para realizar apenas uma perícia paga, mesmo que haja depósito apenas de 50% dos honorários na forma do Art. 95 do CPC/15. Os peritos se viram num problema real de fluxo de caixa que pode chegar à fase falimentar de abandono da atividade. Economicamente a fase falimentar do perito judicial é explicada da seguinte forma:
I. A depender da comarca, com mais de 90% de todas as perícias se transformando em perícia gratuita, nos termos do Art. 98 do CPC/15, o perito precisa arcar com recursos financeiros próprios para o acompanhamento processual, gastos com escritório, realização de diligência pericial, análise e processamento de dados, feitura do laudo pericial, esclarecimentos, resposta à quesitação suplementar, caso exista, bem como o recolhimento de taxas que sejam inerentes à atividade profissional. Sem falar com os custos adicionais quando a diligência pericial se dá em área de risco tais como alguns gastos que ajudam na segurança do profissional e com seguradora de maneira geral (seguro de equipamentos utilizados na atividade, seguro veicular e até seguro de vida).
II. O modus operandi das concessionárias explicado em item anterior de forçar a parte beneficiária da gratuidade de justiça a requerer prova pericial para garantir a celeridade processual, acompanhado do consequente aumento no número de perícias gratuitas, faz com o que o estado do Rio de Janeiro tenha que subsidiar quase em sua totalidade as perícias de Engenharia no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - TJ/RJ.
III. Esse tipo subsídio representa um ralo de dinheiro público e se mostra ineficaz para conseguir pagar todas as perícias gratuitas realizadas no estado do Rio de Janeiro atualmente. A consequência imediata é que há perícias concluídas com entrega de laudo pericial, da qual o perito chega a demorar mais de 6 meses para receber a ajuda de custo prevista no caso de perícia gratuita nos termos do Art. 98 do CPC/15. Situação que penaliza o perito para fins de fluxo de caixa e para fins de previsão de recebimento capaz de garantir a manutenção da atividade pericial ao longo do tempo.
IV. Para penalizar ainda mais o profissional, o depósito de honorários previsto no Art. 95, principalmente em caso de perícia por ofício, não estão sendo cumpridos nos prazos devidos. Havendo concretização da perda da prova, não há previsão em lei de penhora, o perito é penalizado por trabalhar nas perícias gratuitas e não ser recompensado com nenhuma perícia paga capaz de garantir a manutenção da atividade no curto prazo, de modo a melhorar o fôlego de custos mais imediatos.
V. Como último ponto impactante, se verifica que entre 2015 a 2018 o IPCA teve variação de +22,92%, o IGP-M de 25,28%, o combustível teve variação de +44,49%, o salário mínimo profissional (caso da engenharia) de +26,64%, a energia elétrica de +31% e o UFIR-RJ de +26,11%, em contrapartida, a ajuda de custo prevista para o profissional não acompanhou qualquer correção e permanece congelada desde o ano de 2015 no estado do Rio de Janeiro.
5. Conclusão
Por todo exposto, caso não haja alterações e melhorias, principalmente quanto ao cumprimento do Art. 95 do CPC/15, quanto ao depósito dos honorários periciais e previsão de reajuste da ajuda de custo com base no UFIR-RJ, há aprevisão de um futuro sombrio falimentar para atividade pericial no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - TJ/RJ. Os profissionais que insistirem na atividade sob tais condições, caminham para exercer inevitavelmente atividade sob deficit, ou seja, usarão recursos próprios para poder concluir o encargo ao qual foram nomeados e no final da demanda constatarão, através de simples conferência contábil, que pagaram para poder trabalhar, algo que fere minimamente o bom senso da definição de trabalho. A história econômica evidencia que toda tentativa de congelamento de preços e muito abaixo do preço de equilíbrio de mercado, remete a condições de escassez plena. A tentativa de forçar o preço para muito abaixo de um valor de equilíbrio, resultará na redução da qualidade de um bem ou serviço e, em última caso, sua extinção (condição de escassez plena), caso o valor recebido não seja capaz de cobrir os custos inerentes à atividade. A aplicação deste princípio econômico, não é relativa somente ao perito, mas qualquer espécie de profissional ou empresa que estará fadada a falência no médio e longo prazo, caso não haja remuneração adequada de bens e serviços. Pede-se a atenção cuidadosa dos nobres julgadores, desembargadores e do TJ/RJ para a categoria que está sendo pressionada há anos, mas que, no entanto, jamais deixa de cumprir ao encargo em auxílio ao juízo para o adequado deslinde da controvérsia.
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BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015. Disponível em clique aqui. Acesso em: 21/3/15.
Pereira, L. O que é IPCA?. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 25/9/19.
SECRETARIA DE ESTADO DE FAZENDA DO RIO DE JANEIRO - VALOR DA UFIR-RJ. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 25/9/19.
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*Wendel da Rocha é perito judicial em engenharia elétrica e engenharia de segurança do trabalho com atuação no com atuação no TJ/RJ desde 2015.