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A imprescindibilidade da atenção aos gestores e aos servidores da rede pública de saúde para a melhoria do SUS

Mecanismos de melhoria do sistema público de saúde que envolvam gestores e servidores públicos da área são essenciais para o aumento da qualidade dos serviços prestados à população a curto prazo e também imprescindíveis devido ao subfinanciamento do sistema, uma vez que caracterizam soluções de baixo custo.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Atualizado em 2 de agosto de 2019 14:04

Ao englobar as ideias de universalidade e integralidade, o Sistema Único de Saúde se mostrou como uma política pública inovadora e até mesmo ousada. Contudo, a rede pública de saúde ainda enfrenta muitas críticas da população, que em boa parte enxerga o SUS com maus olhos.

A insatisfação dos brasileiros com a saúde no Brasil, pública e também privada, ainda é bastante expressiva. De acordo com dados obtidos em pesquisa divulgada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2018, 89% da população classifica a área como péssima, ruim ou regular. Boa parte disso advém da experiência daqueles que dependem exclusivamente do SUS para ter acesso a alguns serviços de saúde. 24% dos entrevistados acredita que o longo tempo de espera para ter sua demanda atendida pela rede pública de saúde é um dos principais fatores para a insatisfação, enquanto 15% relaciona a má avaliação do sistema à falta de recursos financeiros, 10% à falta de médicos, 10% à dificuldade no agendamento de consultas, cirurgias ou outros procedimentos e 12% à má gestão administrativa.1

Contudo, "um estudo do Datafolha feito a pedido do CFM revela que apesar de ter uma avaliação negativa pela maioria dos entrevistados, o SUS é visto como uma política que deve ser mantida e aperfeiçoada. Ou seja, o brasileiro reconhece sua importância e, se lhe dá nota ruim, não significa que o rejeite".2  

Para 53% dos entrevistados, há necessidade de fortalecer o financiamento do SUS, reconhecendo a insuficiência de recursos capazes de ofertar um bom atendimento a todos. A população também demonstrou ter consciência de que para que o dinheiro renda, é necessário que ele seja gerido adequadamente, na medida em que na opinião de 83% dos entrevistados as verbas destinadas ao SUS não são bem administradas. Essa percepção de incompetência administrativa é fruto das situações vividas cotidianamente nas unidades de saúde.3

Assim, a população brasileira reconhece o subfinanciamento na área da saúde e a falta de gestão adequada do sistema como problemas a serem solucionados para que o Sistema Único de Saúde melhore. A percepção popular está em conformidade com o entendimento da ONU, segundo o qual, dentre os desafios do SUS, encontram-se a necessidade de que o aporte de recursos seja equacionado e a de melhoria na capacidade gestacional do sistema.4 

Quanto ao subfinanciamento, reconhece-se que ele é uma das causas que mais impactam o funcionamento adequado dos serviços de saúde. Já na década passada tal fator era posto como um dos grandes problemas na tutela do direito à saúde.  Antônio Carlos Figueiredo Nardi, então presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais da Saúde, durante a realização da Audiência Pública 4, ocorrida em 2009, expôs que, naquela época,

O quantitativo de recursos gastos com saúde no Brasil, somando-se o público e o privado não atingem 8% do nosso PIB, enquanto a média dos países que têm sistemas universais de saúde gasta mais de 10% do seu PIB, e os EUA, 15%. Se tomarmos o gasto per capita com saúde, público e privado, o Brasil gasta cerca de U$ 700 per capita, enquanto os EUA gastam U$7.500 per capita, e outros países desenvolvidos entre 3 e U$5 mil per capita.5

Infelizmente, as perspectivas em relação ao financiamento do Sistema Único de Saúde não são melhores atualmente. A Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016,6 instituiu o Novo Regime Fiscal, estabelecendo o congelamento de gastos públicos por 20 anos, sem a possibilidade de modificações significativas na destinação de recursos públicos, afetando, inclusive, a saúde. A EC 95/16 limita o cálculo das despesas primárias da União à correção da inflação do ano anterior, desconsiderando "o crescimento populacional, a incorporação de tecnologias na qualidade dos serviços, o aumento do número de idosos e o subfinanciamento que se arrasta nos últimos 30 anos".7

Diante desse cenário, é imprescindível pensar em soluções de baixo custo e que tenham o potencial de melhorar a prestação dos serviços de saúde no Brasil a curto prazo. Neste ponto, destacam-se as melhorias na gestão do sistema, bem como a humanização da assistência, que engloba a atenção aos profissionais da área.

Para que o Estado atinja maior eficiência em sua atividade, José Osório do Nascimento Neto afirma ser possível implementar novas técnicas de gestão, dentre as quais estão: a) a adoção de gestão estratégica de projetos, a qual possui ligação com a discricionariedade, na medida em que traz a ideia de escolha sobre quais interesses públicos atender e de quais são as prioridades e os meios de execução; b) a explicitação de pressupostos a fim de que a avaliação dos riscos envolvidos no projeto seja viabilizada.8

Outro ponto que deve ser pensado, pois impacta na gestão e, consequentemente, no desempenho do sistema de saúde, é a descontinuidade administrativa, pela qual a mudança de governo ou a mudança de dirigentes pode interromper ou obstaculizar a continuidade da implementação de programas e projetos que já estavam em andamento.9 Esse é um problema com presença marcante no Brasil, o que pode ser constatado rapidamente e de maneira simplória pelo fato de que o nosso país contou com a atuação de 07 ministros da saúde nos últimos 10 anos.10

No que tange à humanização da assistência, oportuno ressaltar que há muitos anos já se identifica a importância de um bom relacionamento entre profissionais e usuários para que o sistema de saúde seja eficaz e para que o atendimento seja de qualidade. Dede o lançamento do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar pelo Ministério da Saúde (PNHAH) no ano de 2000, se reconhece que a valorização do fator humano está diretamente ligada a melhores resultados e que, para que ocorra a humanização do serviço prestado o usuário do sistema, deve-se voltar a atenção à saúde dos profissionais da área.11

Em 2003, o Ministério da Saúde transformou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar na Política Nacional de Humanização (PNH), que deve estar presente em todas as políticas e programas do Sistema Único de Saúde. Ela propõe mudanças na forma de gestão e cuidado, estimulando a comunicação entre os gestores, os trabalhadores e os usuários e valorizando participação destes, a fim de melhorar o serviço prestado.

De acordo com o Ministério da Saúde, "incluir os trabalhadores na gestão é fundamental para que eles, no dia a dia, reinventem seus processos de trabalho e sejam agentes ativos das mudanças no serviço de saúde".12

O trabalhador da área de saúde é visto como parte das causas dos problemas do setor sanitário, por ter uma formação biológica e positivista, sem considerar todos os aspectos do ser humano e sem preparo para lidar com as dimensões subjetivas e sociais dos usuários da rede pública de saúde, além de, por vezes, firmar relações de classe com os usuários do SUS, o que é prejudicial ao atendimento.13

Também não se ignora a imagem do servidor da área da saúde como prejudicado pelo sistema em razão dos baixos salários, dos esquemas exaustivos de trabalho e do desgaste físico e emocional, relacionado
à falta de suporta para lidar com a dor, morte e miséria na qual vive parte da população.

Assim, importante reconhecer a existência de sofrimento dos servidores da área de saúde pública na execução de suas atividades profissionais, o que merece atenção. Tal situação, aliada a outros diversos fatores, como as relações de hierarquia, os objetivos e metas fixadas e a forma e condições em que as tarefas são desempenhadas, contribuem para a redução da produtividade e da qualidade do trabalho.

Para minimizar a influência destes pontos no desenvolvimento das atividades dos servidores da área de saúde, existem medidas relativamente simples e que não demandam recursos financeiros, como é o caso da estratégia chamada por Inaiá Monteiro Mello de "espaço das palavras", por meio da qual o servidor é conduzido a perceber a importância do papel que desempenha e a valorizá-lo. Através disso, o trabalhador, sentindo prazer na realização da atividade laboral, entregará um serviço mais qualificado e, consequentemente, o usuário do Sistema Único de Saúde ficará mais satisfeito com a atenção recebida.14

A qualidade de vida no trabalho, compreendida como "o conjunto de ações de uma organização que envolve a implantação de melhorias e inovações gerenciais e tecnológicas no ambiente de trabalho", em que "o trabalhador é percebido dentro do enfoque biopsicossocial e a organização realiza diagnósticos, campanhas, criação de serviços e projetos para a preservação e desenvolvimento de sua força de trabalho",15 é algo que há tempos tem sido promovida no setor privado, porém, no setor público, deixa a desejar em certos aspectos de determinadas áreas.

Não obstante o Ministério da Saúde já ter reconhecido a importância da humanização na área da saúde nos anos 2000, conforme exposto anteriormente, a realidade é que, na prática, ela ainda deve ser trabalhada de maneira mais ampla e efetiva para que se atinjam os resultados desejados.

A necessidade de voltar a atenção aos servidores públicos da área da saúde é evidente, na medida em que os serviços prestados por eles refletem diretamente na experiência que os usuários têm no SUS e, por conseguinte, na imagem da rede pública de saúde.

Feitas essas considerações, conclui-se que, diante da realidade brasileira atual, mecanismos de melhoria do sistema público de saúde que envolvam gestores e servidores públicos da área são essenciais para o aumento da qualidade dos serviços prestados à população a curto prazo e também imprescindíveis devido ao subfinanciamento do sistema, uma vez que caracterizam soluções de baixo custo.

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1 BRANDÃO, Jecé Freitas. Pensando no futuro da saúde. Disponível aqui. Acesso em 07 mar. 2019.

2 BRANDÃO, Jecé Freitas. Pensando no futuro da saúde. Disponível aqui. Acesso em 07 mar. 2019.

3 BRANDÃO, Jecé Freitas. Pensando no futuro da saúde. Disponível aquiAcesso em 07 mar. 2019.

4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Sistema de saúde público brasileiro é referência internacional, diz banco mundial. Disponível aqui. Acesso em: 01 mar. 2019.

5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Audiência Pública n. 04. Antônio Carlos Figueiredo Nardi (Presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde). Disponível aqui. Acesso em: 11 mar. 2019.

6 BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Disponível aqui. Acesso em: 01 mar. 2019.

7 SANTOS, Nelson Rodrigues dos. SUS 30 anos: o início, a caminhada e o rumo. Disponível aqui. Acesso em: 11 mar. 2019.

8 NASCIMENTO NETO, José Osório do. Políticas públicas e regulação socioambiental: governança, estratégias e escolhas públicas: energia e desenvolvimento em pauta. Curitiba: Íthala, 2017. p. 314-315.

9 NASCIMENTO NETO, José Osório do. Políticas públicas e regulação socioambiental: governança, estratégias e escolhas públicas: energia e desenvolvimento em pauta. Curitiba: Íthala, 2017. p. 313-314.

10 BRASIL. Ministério da Saúde. Galeria de Ministros. Disponível aqui. Acesso em: 13 mar. 2019.

11 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Disponível aqui.

12 BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização - HumanizaSUS. Disponível aqui.

13 MELLO, Inaiá Monteiro. Humanização da assistência hospitalar no Brasil: conhecimentos básicos para estudantes e profissionais. 2008.

14 MELLO, Inaiá Monteiro. Humanização da assistência hospitalar no Brasil: conhecimentos básicos para estudantes e profissionais. 2008.

15 MELLO, Inaiá Monteiro. Humanização da assistência hospitalar no Brasil: conhecimentos básicos para estudantes e profissionais. 2008. p. 55.

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*Marina Delattre Rissio é pós-graduada em Direito Público; pós-graduanda em Direito Administrativo; oficial de Gabinete de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

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