Pés no caminho dos negócios sustentáveis
As empresas estão por toda parte dizendo que têm qualidade, são sustentáveis e tudo mais. Onde está o problema, então? O que revelam a experiência cotidiana e, de modo muito contundente, as tragédias?
terça-feira, 19 de fevereiro de 2019
Atualizado em 18 de fevereiro de 2019 11:37
A comoção que tomou conta do Brasil em virtude da tragédia social e ambiental, que ceifou vidas humanas num piscar de olhos, e que domina as atenções e preocupações de inúmeras pessoas, pede uma reflexão honesta sobre o que de fato significa dizer que um negócio é sustentável, bem como sobre o papel das lideranças nele.
Não se trata de discutir o caso dessa ou daquela empresa, dessa ou daquela pessoa. Trata-se de superar a compreensão rasa do termo, que corre o risco de ser visto como modismo ou clichê, bem como de refletir, filosoficamente, sobre as responsabilidades de quem necessariamente as tem, por sua função e papel nos negócios.
Para jogar alguma luz sobre o assunto em poucas palavras: no jargão empresarial se diz que um negócio sustentável leva em conta três dimensões ou realidades, que compõem o tripé da sustentabilidade. A expressão é clara: são três fundamentos, três pés sobre os quais o negócio deve se sustentar. Quem já se sentou num banquinho de três pés sabe o que acontece se um ou mais deles não estiver bem...
O primeiro "pé" dos negócios, até na perspectiva histórica (virtualmente a única preocupação até recentemente), é o econômico. Significa que o negócio tem que ser viável, lucrativo e gerar resultados financeiros positivos, sem os quais os agentes econômicos não vão se interessar em investir nele seu tempo, talento e recursos. Quem investiria numa empresa sem perspectivas de gerar dividendos (empresário, acionista) ou de crescimento na carreira (empregados em geral, médios e altos executivos)? Sem rodeios: ninguém.
Outro "pé" do negócio sustentável é o social, que diz respeito a cuidados que vão desde a valorização efetiva das pessoas que compõem o capital humano da organização (capacitação, liderança de qualidade, perspectivas de progresso, participação em resultados financeiros etc), acesso e acolhimento de segmentos específicos da população (reserva de vagas para jovens, mulheres, pessoas com limitações etc) até o engajamento de comunidades e atores sociais relevantes para o negócio.
Finalmente, o "pé" ambiental envolve ações preventivas, mitigadoras e de reparação de efeitos externos do empreendimento sobre o meio ambiente, termo que, bem entendido, abrange o ambiente natural, o ambiente criado pelo homem e o conjunto de teias de relação entre eles, chegando aos efeitos de elementos poluentes sobre o bem-estar e a saúde humana.
As empresas estão por toda parte dizendo que têm qualidade, são sustentáveis e tudo mais. Onde está o problema, então? O que revelam a experiência cotidiana e, de modo muito contundente, as tragédias?
O tripé da sustentabilidade é um banquinho manco. Numa outra imagem: o pé econômico é imenso (um pé tamanho 46), mas os pés social e ambiental são pezinhos de bebê. Visualizou a cena, caro leitor? Quando sobrevém uma dificuldade, uma crise; na hora de uma decisão de negócio, de estabelecer uma medida de prevenção contra acidentes; de proteger pessoas e a vida em geral, o pezão econômico pisa nos outros dois pezinhos.
A experiência mostra isso. Assuntos da maior relevância - a gestão de temas dentro da área ambiental, de saúde e de segurança do trabalho, bem como de responsabilidade social das empresas - chega a ser delegada, na prática, até mesmo a estagiários. Essas áreas não são realmente vistas como relevantes ou centrais para o negócio. Essa é a triste verdade.
Mas por que, então, o pezão empurra, afasta, chuta para escanteio os pezinhos? Na hora de decidir entre dois ou mais meios de controle de riscos a pessoas, comunidades, ao meio ambiente e à sociedade, por que o pezão chega e comanda as ações? Quem manda nos pés? Ou os pés são partes autônomas do corpo?
Naturalmente, não é o pé quem toma a decisão. Ele a executa. A ideia vem de outro lugar. Na imensa maioria das pessoas (sim, não só dos empresários) se esconde a crença de que a vida vale pelo dinheiro e pelo que ele permite. Corolário dessa visão, acredita-se que os negócios existem essencialmente para gerar dinheiro. Dito de outra forma: o propósito de um negócio é a geração de lucros. Então, na hora H, será a maximização do dinheiro - não o respeito pela vida humana ou pelo meio ambiente - a régua e o compasso das decisões.
Mas essa reflexão não pode ser honesta se não disser quem são os maiores responsáveis pelas decisões. Os líderes máximos das organizações são os verdadeiros tomadores de decisões de negócios. Líderes decidem - olho no resultado financeiro - se o equipamento tal, se a estrutura de contenção qual, se esse ou aquele método de controle, se tal ou qual processo vai ser utilizado e não outro. Não é honesto procurar responsáveis solitários nos escalões inferiores.
É preciso humanizar a conversa sobre negócio sob uma ótica de responsabilidade e honestidade. Negócios não são coisas dirigidas e executadas por coisas, feitas para coisas, que podem vir a gerar prejuízos para coisas.
E então, infelizmente, quando sobrevêm os acidentes, as tragédias, começa o falatório sobre se a multa será de tantos milhões ou bilhões. Se irá bloquear essa ou aquela quantia. Se a empresa vai pagar ou não. Observando bem, a conversa vai se distanciando de sua dimensão humana, do fato de que é da vida em diferentes formas que se trata.
Para que as decisões fossem mais responsáveis e tivessem em conta o que mais importa, talvez fosse mais produtivo atribuir a cada vida humana, a todas elas - a do empresário, do alto executivo, do gerente, do encarregado, do operário e da faxineira - o mesmo valor, um valor imensurável, um valor superior a qualquer cifra imaginável para o PIB global, por exemplo.
Porque somente então os pezinhos de bebê poderiam ganhar estatura de pés de infante, de adolescente, de jovem e, por fim, de pés de adulto e caminhar lado a lado com o pezão - agora apenas pé também. Então, e apenas então, teríamos um banquinho seguro sobre o qual sentar e conversar sobre a beleza e os desafios da vida e dos negócios.
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*Marcelo Eduardo de Souza é advogado, engenheiro florestal, MSc. integral master coach, sócio fundador e diretor da Âmbito Negócios Sustentáveis Ltda.