As quotas preferenciais na sociedade limitada como ferramenta de planejamento sucessório empresarial
Apesar de existir essa nova possiblidade no campo do planejamento sucessório familiar, sempre recomendamos uma consulta com um especialista em planejamento patrimonial, para informar sobre os impactos societários, fiscais e sucessórios também existentes nessas operações.
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:14
Não é novidade, em matéria direito societário, que o Departamento do Registro Empresarial e Integração - DREI alterou o entendimento sobre uma discussão antiga, que trata sobre a possibilidade da criação de quotas preferenciais nas sociedades limitadas. Por meio da Instrução Normativa 38/17 do DREI, tornou-se possível estabelecer a previsão de quotas preferenciais no contrato social das limitadas. As quotas preferenciais são aquelas que conferem aos seus titulares vantagens patrimoniais ou benefícios especiais não atribuídos às demais quotas, acompanhadas, na maioria das vezes, com a contrapartida de não conceder direito de voto ou restringir o seu exercício em determinados casos.
Ainda, é possível destacar que o DREI foi além, permitindo que a presunção da lei 6.404/76 como diploma de regência supletiva quando o contrato social das limitadas for silente sobre as disposições gerais. Anteriormente, o Código Civil também previa essa possibilidade, mas desde que tivesse disposição expressa no texto do contrato social, sob pena de ser adotado a regência das sociedades simples como diploma supletivo.
Essa alteração na IN 38/17 também ampliou o escopo de novas possibilidades também no campo do planejamento patrimonial empresarial, mesmo que ainda de forma indireta. "Planejar a sucessão significa organizar o processo de transição do patrimônio levando em conta aspectos como (i) ajuste de interesses entre os herdeiros na administração dos bens, principalmente quando compõem capital social de empresa, aproveitando-se da presença do fundador com agente catalisador de expectativas conflitantes, (ii) organização do patrimônio, de modo a facilitar a sua administração, demarcando com clareza o ativo familiar do empresarial (...) "1Portanto, essa alteração, referendando situação análoga ao que acontece nas Sociedades por Ações (a partir da emissão de ações preferenciais e já utilizada em diversos planejamentos sucessórios), permitiu que novos arranjos societários pudessem ser elaborados como mais uma solução jurídica.
Geralmente, o fundador (aqui iremos chamá-lo de sucedido) deseja perpetuar a família na direção dos negócios, como forma de oxigenar a atividade com novas ideias e mudanças que acompanham o crescimento do sucessor. Não é raro que nessas situações, o sucedido seja a primeira geração de negócios da família e, a partir do trabalho duro desenvolvido ao longo dos anos, construiu o negócio em si e o patrimônio familiar consequentemente.
Apesar dessa vontade por parte do sucedido, é consabido que a ausência de uma mentoria e de uma minuciosa escolha do sucessor do negócio dentro da família, pode acabar por gerar conflitos dentro da própria empresa. Aqui deixamos a nota de que é
fundamental realizar a segregação dos interesses corporativos e familiares, para evitar que o confrontamento acabe por paralisar o negócio. Casos como do grupo Matarazzo e da Cachaçaria 51 tornaram-se dois exemplos famosos, onde o conflito entre os sucessores acabou por neutralizar e desmantelar a atividade negocial completamente, levando à falência (no caso Matarazzo) ou a perda de competitividade da marca no mercado (Cachaçaria 51).
Como aparelho de planejamento, sempre se falou na constituição de uma S/A, em razão da facilidade de criação de regras relativas à espécie de ações (ordinárias e preferenciais). Contudo, vemos que isso se opera com facilidade em empresas que já detém capital considerável e que possuem um patamar de sofisticação gerencial e patrimonial, também diferenciados, já que as S/As possuem um custo elevado de manutenção, em razão das formalidades necessárias, se comparado com as limitadas.
De resto, a sociedade limitada é o tipo societário empresarial mais utilizado no Brasil, a julgar pela facilidade de sua constituição, relativa flexibilidade de regras do contrato social, e ainda, a existência do caráter pessoal e fiduciário (o chamado intuito personae) existente entre seus sócios. Certo é, que várias empresas familiares existentes no Brasil ainda decidem por utilizar esse tipo societário, onde figuram no quadro de sócios, pai e filho, dando início ao treinamento das habilidades de direção do sucessor, sob a tutela do sucedido.
Apesar dessa relação familiar já existente dentro da empresa, não é raro acontecer que o sucedido, para não prestigiar um filho um detrimento de outro, acaba por ofertar quotas ao filho que não possui qualquer relação com o negócio, e exerce atividade distinta daquela do negócio familiar, para que este desenvolva uma possível pretensão de fazer parte do negócio. Ou ainda, realiza esse movimento como uma forma de antecipação da herança.
De certo é que, em razão dos vínculos familiares existentes, situações de conflito que acabam por acontecer, podem estagnar e impedir a continuidade saudável do negócio. Associado a isso, os quóruns de deliberações previstos no rol das limitadas é bastante elevado, se comparado com das S/A, o que faz com que as relações necessitem estarem apontadas para o mesmo objetivo. Caso contrário, essa disputa poderá inviabilizar, por exemplo, a aprovação de qualquer deliberação financeira que a sociedade esteja necessitando.
Com a alteração de entendimento do DREI, torna-se possível a criação da figura das quotas preferenciais na limitada, tornando-a um instrumento de controle e recurso de planejamento sucessório empresarial, já que o sucedido poderá exercer sua vontade como bem entender, na parcela em que pode dispor disso. Demais disso, as quotas preferencias permitem que o sucedido não deixe nenhum filho desamparado, ou ainda permita que o sucessor tenha acesso aos proventos do negócio durante seu treinamento e sua legitimação como sucessor do negócio perante a família e os colaboradores. Como contrapartida, terá alguns direitos restringidos dentro da sociedade.
Obviamente, todas essas considerações deverão ser objeto de um exaustivo estudo da realidade empresarial e familiar de cada empresa. Outrossim, esse mecanismo deverá vir acompanhado de outros, como o acordo de cotistas, podendo prever com regras claras de governança familiar e/ou corporativa.
Portanto, apesar de existir essa nova possiblidade no campo do planejamento sucessório familiar, sempre recomendamos uma consulta com um especialista em planejamento patrimonial, para informar sobre os impactos societários, fiscais e sucessórios também existentes nessas operações.
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1 PRADO, Roberta Nioac et al. (Org.). Estratégias Societárias, Planejamento Tributário e Sucessório. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 53 p.
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*Saulo Castro é advogado, sócio da área societária do Valença & Associados.