Contribuição do empregado não é sinônimo de trabalho nem de coparticipação para a LPS
Será necessário o STJ firmar posicionamentos através de Recursos Repetitivos para nortear o cumprimento das suas decisões pelos Tribunais Estaduais?
segunda-feira, 30 de julho de 2018
Atualizado em 25 de setembro de 2019 17:35
A discussão da vez no segmento da saúde suplementar decorre da resolução normativa 433, de 27 de junho de 20181, editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que buscou regular os mecanismos financeiros do setor, especificamente a franquia e coparticipação.
Sem adentrar na discussão da legalidade ou não daquele ato, cujo tema será tratado pelo STF nos autos da ADPF 532 - aliás, tenho críticas respeitosas à minha Ordem dos Advogados do Brasil e ao Excelso Pretório em razão dos entendimentos lançados naquela ação e na decisão liminar -, quero aproveitar o texto da norma para fazer a digressão - que a meu sentir é muito clara - entre os conceitos de contribuição e coparticipação nos contratos de planos de saúde, especificamente nos planos coletivos empresariais.
Há diversos julgados em todos os Tribunais de Justiça do país sobre o tema, cujas interpretações são as mais variadas possíveis sobre os artigos 30 e 31, da lei Federal 9.656/98. Algumas decisões chagam ao ápice de definir o próprio trabalho do empregado como uma contribuição para o plano de saúde2. Outras, confundem contribuição com coparticipação3, e daí por diante.
Respeitando posições contrárias, o fato de o empregado trabalhar para o seu empregador, e este, de forma gratuita para aquele, disponibiliza um plano de saúde para garantir conforto, segurança e rapidez em eventual necessidade de atendimento médico, não pode ser considerado como contribuição no conceito dado pelas leis dos Planos de Saúde (LPS).
Aliás, essa hipótese não pode nem ser considerada como salário indireto, pois a Consolidação das leis do trabalho (CLT) é taxativa nesse sentido com a redação do artigo 458, § 2º, IV, senão vejamos:
Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento como bebidas alcóolicas ou drogas nocivas.
(...)
§2º - Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:
(...)
IV - assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde.
O texto da LPS não sugere esforço hermenêutico para evidenciar que a palavra contribuição, dita nos referidos artigos, decorre de pagamentos de valores mensais, certos e ininterruptos ao longo do contrato de trabalho por parte do trabalhador, mesmo ele (ou seus eventuais dependentes) não usufrua dos serviços de assistência médica do plano de saúde.
Nada obstante ao conceito de contribuição tratado nos parágrafos anteriores, o Legislador foi muito claro ao escrever o § 6º do artigo 30, da lei Federal 9.656/98, afirmando que "não é considerada contribuição a coparticipação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica e hospitalar". Entendimento esse que se estendeu ao aposentado, tratado no artigo 31.
Mesmo diante da fácil interpretação do dispositivo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), visando regular e evidenciar a intenção do Legislador, adotou entendimento vinculativo através da súmula normativa 8, de 27 de junho de 2005, nos casos de contribuição fixa e mensal realizada pelo consumidor empregado em razão de up grade do plano disponibilizado pelo seu empregador.
Resolveu a Agência que, caso o empregado opte por ter acesso a rede assistencial diferenciada (maior do que aquela disponibilizada pelo contrato), atendimento hospitalar em acomodação diferente (individual, por exemplo) ou livre escolha dos prestadores, esse pagamento é considerado contribuição, e não fator de moderação, passível, pois, de aplicação dos direitos advindos com os artigos 30 e 31 da LPS.
Ainda com o objetivo de regular os dispositivos e os seus conceitos, a ANS editou a resolução normativa (RN) 279/114, revogando as resoluções CONSU 20 e 21, ratificando que contribuição é qualquer valor pago pelo empregado para custear parte ou a integralidade do seu plano de saúde firmado pelo empregador, excetuando-se os valores pagos em razão da inclusão de dependentes ou agregados, bem como a coparticipação ou franquia exclusivamente decorrentes de procedimentos.
Mesmo diante de tantos "esclarecimentos", diversas foram as decisões em sentido contrário durante muitos anos por parte do Judiciário. Algo que, ao meu sentir, deve ser sanado em definitivo - embora o STJ já tenha firmado entendimento há algum tempo nos moldes do texto da lei, que comungo nesse artigo - com o julgamento do tema 989 pelo rito dos Recursos Repetitivos.
Foram afetados em 27 de fevereiro de 2018, pela Segunda Seção, os REsp. 1.680.318/SP e REsp. 1.708.104/SP, ambos de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, cuja questão a ser submetida a julgamento é "definir se o ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa faz jus à manutenção do plano de saúde coletivo empresarial, quando, na atividade, a contribuição foi suportada apenas pela empresa empregadora".
Em razão de decisões anteriores por parte do Tribunal da Cidadania5, tudo indica que não teremos um direcionamento diferente da opinião exposta nesse artigo, balizando e trazendo a necessária segurança jurídica para o tema.
A reflexão final que provoco é: será necessário o STJ firmar posicionamentos através de Recursos Repetitivos para nortear o cumprimento das suas decisões pelos Tribunais Estaduais? Sobre o tema aqui tratado, a sua jurisprudência já sedimento entendimento: contribuição do empregado não é sinônimo de trabalho nem de coparticipação.
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1 Dispõe sobre os Mecanismos Financeiros de Regulação, como fatores moderadores de utilização dos serviços de assistência médica, hospitalar ou odontológica no setor de saúde suplementar; altera a RN 389, de 26 de novembro de 2015, que dispõe sobre a transparência das informações no âmbito da saúde suplementar, estabelece a obrigatoriedade da disponibilização do conteúdo mínimo obrigatório de informações referentes aos planos privados de saúde no Brasil e dá outras providências; revoga o § 2º do art. 1º, os incisos VII e VIII do art. 2º, o art. 3º, a alínea "a" do inciso I e os incisos VI e VII do art. 4º, todos da Resolução do Conselho de saúde Suplementar - CONSU nº 8, de 3 de novembro de 1998, que dispõe sobre mecanismos de regulação nos Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde; e revoga o inciso II e respectivas alíneas do art. 22, da RN 428, de 7 de novembro de 2017, que atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, fixa as diretrizes de atenção à saúde e dá outras providências.
2 AC nº 1003347-70.2015.8.26.0625 - Des. Rel. Paulo Alcides - 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP - DJ 17/07/2018;
3 AC n° 1137381-68.2016.8.26.0100 - Des. Rel. Luiz Mario Galbetti - 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP - DJ 04/07/2018;
AC nº 0031849-93.2015.8.07.0001 - Des. Rel. Fernando Habibe - 4ª Turma Cível do TJDFT - DJ 18/05/2018;
AC nº 0500191-62.2017.8.05.0103 - Des. Rel. Emílio Salomão Pinto Resedá - 4ª Câmara Cível do TJBA - DJ 22/02/18.
4 Dispõe sobre a regulamentação dos artigos 30 e 31 da lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e revoga as Resoluções do CONSU nºs 20 e 21, de 7 de abril de 1999.
5 REsp. 1.558.456/SP - Min. Marco Buzzi;
REsp. 1.594.346/SP - Min. Ricardo Villas Bôas Cueva;
REsp. 1.615.760/SP - Min. Nancy Andrighi
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*Alexandre Boccaletti Fernandes é advogado e consultor, pós-graduado em Gestão de Negócios, pós-graduado em Direito Civil e Constitucional e especializado em Direito Médico e da Saúde.