Recuperações judiciais e o país do desentendimento
O Brasil já coleciona recordes de desemprego, endividamento e inadimplência, em redução de consumo e recolhimento de tributos.
sexta-feira, 11 de agosto de 2017
Atualizado às 13:08
No mês de julho acompanhamos o sexto pedido de recuperação judicial de empresa (UTC) envolvida na Operação Lava Jato. Com o acontecimento, a atenção voltou novamente para a lei 11.101 de fevereiro de 2005, que trata de falências, recuperações extrajudiciais e judiciais, com críticas ao seu conteúdo.
Dirigir empresas no Brasil está virando uma arte cada vez mais complexa. E, ao longo dos últimos anos e das operações da Polícia Federal e Ministério Público, culpar o sistema, a crise, e as leis tem sido a única tábua de salvação encontrada por aqueles que não dominaram essa arte e cresceram fazendo o jogo político da corrupção.
Buscar desculpas para justificar é fácil; difícil é lidar com a tamanha diversidade de problemas do dia a dia e gerenciar todo esse cenário para uma saída saudável.
Hoje estamos nos deparando com muitas empresas que somente foram viáveis no mundo da corrupção buscando recuperação judicial, pois sua estrutura não é adequada a um mundo competitivo. Isso inclusive após provocarem acordos de leniência com mais de 20 anos de vigência mesmo sabendo que não conseguiriam pagá-los - e agora recorrem às recuperações judiciais, dizendo-se vítimas de uma retração econômica.
Mas, a crítica de quem assiste esse movimento dizendo que a lei está ultrapassada e não atende as necessidades do país e mercado, não é procedente. E ainda que esteja passando por um processo de modernização e debates no Ministério da Fazenda, sua configuração atual tem ampla abrangência e utilidade ao País.
Todo tipo de planejamento pode ser submetido através de um Plano de Recuperação, que, ressalte-se, necessita de aprovação judicial. Sob a ótica do credor, seja ele trabalhista, fornecedor, banco ou investidor, é possível aprovar esse plano permitindo uma nova e inovadora estrutura de negócios que recupere realmente a empresa. Sob a visão do país, quem sabe se veja renascer uma empresa genuinamente ética.
Do lado de quem anda dentro da linha, se as equipes financeiras têm sofrido demasiadamente ao tentar manter as coisas em funcionamento enquanto esperam um cenário melhor, novos investidores, alta nas vendas, condições favoráveis para quitar impostos e questões trabalhistas e redução dos custos e das taxas de juros, dentre tantas outras variáveis desejadas, a lei 11.101 existe e deve ser encarada como caminho a ser seguido.
Sejam precursores ou vítimas dessa crise, todo tipo de negócio tem sucumbido, trilhando caminho para um dia a recorrer ao auxílio, vejam só, da lei 11.101, de fevereiro de 2005, buscando proteção ou para se recuperar ou para ganhar tempo e conseguir organizar sua falência.
Ela cria boas alternativas para atenuação dos efeitos dos passivos sobre as empresas, o suficiente para que cada uma consiga se ajustar, se reprogramar, criar produtos melhores e mais rentáveis, adequar sua estrutura organizacional e de capitais, seus passivos e até seus ativos.
Não há dúvida de que a maior parte das empresas brasileiras estará sujeita a recuperação judicial em breve, porque liquidez e demanda permanecerão reduzidas (o Brasil não se recupera totalmente antes de 2022), enquanto aumentam as reclamatórias trabalhistas e execuções fiscais, desembocando em custos maiores e margens menores.
Até mesmo as instituições financeiras estão acordando para essa situação e entendendo que o risco de capital das companhias chegará a elas, mas ainda seguem sem entender como e quando tratar esse assunto nem a correta dosagem de apoio ou aderência.
Agora, o que é sucesso numa recuperação judicial? Recuperar a empresa? Preservar empregos? Criar um novo conceito de gestão ética e eficaz? Possivelmente seja a soma disso, pois o Brasil já coleciona recordes de desemprego, endividamento e inadimplência, em redução de consumo e recolhimento de tributos.
É uma das portas possíveis para o país do desentendimento, que busca a sobrevida a qualquer preço, em qualquer área e segmento, enquanto luta contra ausência de modelos de gestão criativa, eficiente, eficaz e, em vários casos, ética.
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*Luis Alberto de Paiva é economista e especialista em reestruturação empresarial, é Presidente da Corporate Consulting.