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Precisamos falar de Planejamento Sucessório

Livia Kachvartanian Salaro

A maioria dos planejamentos sucessórios são estruturados através da doação dos bens aos herdeiros, estabelecendo a reserva de usufruto vitalícia de tais ativos em favor do proprietário original.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Atualizado às 07:43

O que antes era uma preocupação exclusiva das grandes heranças, que buscavam uma forma mais organizada e eficiente para administrar seus bens, agora está atraindo também famílias da classe média.

O principal motivo para isto é o aumento da eficiência nas cobranças tributárias e do iminente risco de aumento dos impostos.

Mesmo não possuindo tantos ativos, hoje as famílias mais antenadas, têm enxergado no planejamento sucessório uma alternativa inteligente para se proteger contra as incertezas do futuro. Sejam elas de natureza fiscal, política, ou de gestão familiar de negócios.

Os motivos

A grande razão desta mudança de tendência é o advento de métodos mais modernos de fiscalização pela Receita Federal.

O implemento do programa Malha Fina, por exemplo, possibilitou o cruzamento de informações das declarações de imposto de renda e as efetivas movimentações bancárias dos contribuintes.

Esta sofisticação do Fisco causou mudanças significativas no comportamento de todos os brasileiros, inclusive da classe média, que passaram a preocupar-se com situações antes corriqueiras de sonegação fiscal.

Além disso, a atual crise política no país contribuiu para que os brasileiros começassem a entender melhor o funcionamento da nossa intrincada máquina pública.

Como consequência natural deste processo, as pessoas estão buscando formas de aproveitar este conhecimento para melhorar a sua vida privada. Além de ser um marco importante, esta conscientização influencia questões familiares, dentre elas aquelas relacionadas à sucessão.

Outro fator relevante diz respeito às novas leis de incentivo à repatriação de recursos no Brasil. A partir da declaração de seus ativos situados no exterior na Receita Federal, estes contribuintes vêm buscando outras alternativas para alocá-los, neste novo cenário. Além claro, da necessidade de compreender o impacto da repatriação para os fins sucessórios, de acordo com a legislação brasileira.

As vantagens

A vantagem mais clássica do planejamento sucessório é a organização patrimonial e divisão de bens entre os herdeiros de forma a evitar complicações e desentendimentos entre eles no futuro.
Nos casos de empresa familiar, geralmente a intenção dos fundadores é estabelecer previamente como fica a gestão da empresa após a sucessão.

Isto é possível por meio do estabelecimento de certos requisitos essenciais para que os herdeiros possam assumir determinado cargo na empresa. Entre as exigências mais comuns, destacam-se a necessidade de ter cursado uma pós-graduação no exterior e experiência profissional na área.

Também é comum definir as formas de saída (venda da participação societária) dos herdeiros da empresa, seja para estimular ou desestimular que isto ocorra. Ou, ainda, para evitar que um herdeiro possa prejudicar os demais, neste caso.

Além, naturalmente, da obrigatoriedade da adoção do regime da separação total de bens no caso de casamento dos herdeiros.

Mas a vantagem mais atraente é a economia fiscal do planejamento sucessório.

As vantagens econômicas

A maioria dos planejamentos sucessórios são estruturados através da doação dos bens aos herdeiros, estabelecendo a reserva de usufruto vitalícia de tais ativos em favor do proprietário original.

De forma que apesar de ter havido a transferência do patrimônio através da doação, na prática, nada mudará para o doador ou para os donatários enquanto o primeiro viver. O doador permanecerá na posse dos ativos, podendo usá-los e receber os seus frutos (lucros) enquanto viver. E os donatários somente terão acesso pleno à estes bens, após o falecimento do doador. Basicamente como ocorreria no processo regular de sucessão.

A diferença é que ao planejar previamente a sucessão, através da doação organizada do patrimônio, a divisão dos bens entre os herdeiros já terá sido definida, evitando possíveis conflitos entre eles durante o processo de inventário.

Como não poderia ser diferente, o imposto incidente tanto na doação, como na sucessão, é o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação). Um tributo devido ao governo do estado em que os bens estão localizados, cabendo a ele definir a alíquota que será aplicada. Em São Paulo, por exemplo, a alíquota é de 4%, seguindo a média dos demais estados brasileiros.

Contudo, diante da explícita instabilidade dos cofres públicos, o aumento deste imposto à curto prazo é quase certo, inclusive já existem projetos de lei neste sentido sendo discutidos.

Em vista de tal cenário, o planejamento sucessório tem sido considerado uma espécie de seguro contra um eventual aumento do ITCMD (hedge, na linguagem do mercado financeiro).

Isto porque, ao realizar a doação dos bens agora (mesmo com reserva de usufruto), a alíquota do ITCMD aplicável será fixada em 4% (se os bens estiverem em São Paulo). Possíveis aumentos futuros do imposto não afetarão essa transmissão de bens.

Aliás, ao efetuar a doação com reserva de usufruto, além de fixar-se a alíquota atual do ITCMD para o cálculo do imposto devido, o seu pagamento será diferido no tempo. 2/3 do total do imposto será devido no ato da doação, e os outros 1/3 somente no momento da consolidação da propriedade nas pessoas dos donatários (quando do falecimento do doador).

Outro ponto a destacar é a possibilidade de organizar o patrimônio familiar de forma a buscar maior eficiência administrativa e economia fiscal nas atividades comerciais desempenhadas pela família.

O planejamento sucessório pode (e deve) ser realizado em conjunto com um planejamento tributário e societário, de forma a organizar o patrimônio familiar antes de efetuar qualquer transferência.

A reorganização patrimonial é realizada através da constituição de holdings de administração de bens próprios, empresas imobiliárias (que podem trazer ainda mais vantagens econômicas para os sócios), regularização dos documentos destes bens, etc.

Depois de tantos benefícios abordados aqui, ingênuo seria acreditar que o planejamento sucessório é uma exceção ao ditado popular de que "não existe almoço grátis" (a solução de todos os problemas, sem que haja desvantagens).

"Não existe almoço grátis"

Para ser aconselhável, o planejamento sucessório depende do mapeamento e mitigação de eventuais contingências tributárias, de qualquer natureza. Afinal, a movimentação de patrimônio é uma das principais iscas para atrair a fiscalização da Receita Federal e, consequentemente, a sua autuação.

Outra questão a ser ponderada é a disponibilidade financeira imediata da família para arcar com as despesas administrativas e os impostos incidentes nessas transações. Sem o pagamento de tais custas, não é possível concluir as etapas essenciais do planejamento sucessório.

Por fim, é preciso considerar também o fator emocional dos envolvidos. Por tratar-se de um tema delicado, que envolve a família diretamente, este processo não pode ser conduzido como uma operação estritamente comercial. E deve ser abordado pelo advogado que conduzirá o processo com todo cuidado que o tema merece.

Uma vez superados estes pontos, então sim: o almoço sairá de graça.

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*Livia Kachvartanian Salaro é sócia do MKS Law - Medjahdi Martins, Kachvartanian Salaro Advogados.

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