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A função do administrador judicial e do comitê de credores no instituto de recuperação judcial: análise normativa e doutrinária

A importância de discutir os contextos pelos quais foram produzidos o direito das sociedades e da recuperação judicial, visto que a própria contemporaneidade é consequência inarredável das forças históricas formadoras da sociedade.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Atualizado às 08:15

INTRODUÇÃO

Inicialmente, com o fim de buscar um melhor entendimento acerca da Função do Administrador Judicial e do Comitê de Credores junto ao instituto da recuperação judicial, imprescindível é trazer ao debate uma breve retrospectiva histórica da evolução do direito societário, enquanto instituto de desenvolvimento econômico e promovedor de relações jurídicas dos mais variados campos do direito. De fato, é inegável a importância de discutir os contextos pelos quais foram produzidos o direito das sociedades e da recuperação judicial, visto que a própria contemporaneidade é consequência inarredável das forças históricas formadoras da sociedade.

Dito isto, inserem-se nessas considerações as teorias contratualistas e institucionalistas dos direitos das sociedades, tendo estas e aqueles exercidos papéis memoráveis para a formulação de um instituto que vise a manutenção da sociedade como agente integrador e promovedor de desenvolvimento social.

Após a retrospectiva da evolução do instituto da recuperação de empresas, descrever-se-á, aqui, os princípios norteadores atuais da legislação brasileira, entendido aqueles segundo a ótica Robert Alexy, que assim propugna:

Los principios son mandatos de optimización que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades jurídicas y reales existentes. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos.1

Decerto, princípios tais como o da preservação da atividade empresarial, da proteção ao trabalhador e da função social da empresa são elementos normativos integrativos e norteadores da atividade judicante, pois são considerados para uma análise responsável do conjunto legal.

Por outro lado, a compreensão do instituto da recuperação judicial não pode e não deve se exaurir na simples análise dos institutos legais. De fato, elementos internos ou externos à empresa são essenciais para a definição do processo de recuperação, visto estarem intimamente ligados ao próprio pedido de recuperação formulado pela sociedade empresarial, sendo assim, se faz a atuação do Administrador Judicial e do Comitê de Credores que juntos devem assumir a responsabilidade que lhe são dadas para agir de forma proativa, objetivando atender da melhor forma o que determina a legislação da lei de Recuperação Judicial.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA: TEORIA CONTRATUALISTA E INSTITUCIONALISTA.

Teoria Contratualista

A primeira teoria a se preocupar com os fundamentos do direito societário e servir como fonte inicial das primeiras codificações pós-revolução industrial é a teoria contratualista. Nascida em um período no qual se fazia essencial a limitação do poder soberano, concentrada individualmente em torno de monarcas absolutistas, a teoria contratualista visava, como força primeira, depurar qualquer ingerência externa à vontade dos sócios formadores da sociedade. De viés primordialmente liberal, havia a repulsa de qualquer tentativa de regulamentação pelo poder estatal, seja pela via administrativa ou pela via judicial.

Destaque-se, que o interesse da sociedade resumia-se unicamente aos interesses dos atuais sócios da sociedade, na versão clássica, introduzida por Jaeger por meio do célebre a L'interesse sociale.

Posteriormente, apenas a maximização dos lucros era o objetivo societário, o "shareholder value", de modo que qualquer outro elemento finalístico era repudiado.

Interligando a teoria contratualista com o processo judicial de recuperação empresarial, pode-se dizer que a tomada de decisões pelo órgão julgador em muito ficaria prejudicada, haja vistas as limitações impostas pelos sócios-credores. Ademais, qualquer tentativa de adentrar ao mérito das decisões tomadas pela Assembleia Geral feriria frontalmente a própria ideologia liberal da teoria em questão, razão pela qual não se pode afirmar a existência de dispositivos voltados para a recuperação empresarial.

Na verdade, não se tinha, à época, preocupação com o processo recuperacional das empresas. Não havia institutos voltados para a recuperação judicial, haja vista a incompatibilidade ontológica entre a recuperação e a teoria contratualista.

Em face destas limitações impostas pela teoria liberal, Déborah Kirschbaum assim pronuncia:

A teoria contratualista liberal justifica a necessidade de um regime jurídico aplicável à insolvência empresarial como instrumento que deva ter por função lidar com o que identifica como um problema de ação coletiva entre os credores. Este problema surge na medida em que o esforço individual de credores para alcançar a satisfação de seus créditos é visto como um fator de desagregação do valor da empresa devedora. De fato, concorrência entre credores para satisfação de seus créditos é um fator de desagregação potencial do valor da empresa, algo que deve ser contido pelo direito.2

Ainda, trazendo a discussão para o campo material e a aspectos procedimentais encontrados na essência da teoria contratualista, note-se importantes incongruências, capazes de obstar o sucesso do futuro societário. Sob a forma material, a teoria contratualista defende como objetivo a maximização dos lucros ou o aumento do valor das ações da companhia. Como efeito, há enormes riscos de realização de práticas deletérias para a própria sociedade, como a omissão de passivos, inflação artificial de ações, dentre outras malversações.

Do ponto de vista procedimental, tais impropriedades são, em regra, realizadas ao arrepio de grupos minoritários, haja vista o monopólio de poder por acionistas majoritários, detentores de maior quota parte do capital social da empresa.

Não obstante haver a defesa de mecanismos liberais, pelos quais o interesse dos sócios confunde-se com o interesse social da empresa, não há a plenitude de participação de todo o grupo societário, tendo em vista o apego à igualdade formal de todos os sócios. Destarte, como efeito, ocorre a concentração do poder pelos grupos detentores de maior capital social da empresa, o que inibe qualquer tentativa de conciliar os interesses contrapostos.

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1 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 86

2 KIRSCHBAUM, Deborah. A recuperação judicial no Brasil: governança, financiamento extraconcursal e votação do plano. 2009. Tese (Doutorado em Direito Comercial) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. doi:10.11606/T.2.2009.tde-03062011-104905. Acesso em: 2016-09-02.
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*Thiago Santos de Araújo é advogado, sócio coordenador da escritório de advocacia Hirtacides Advogados.


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