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Limiar das atividades de taxistas e uberistas reacende discussão sobre a mobilidade urbana

Embora taxistas e uberistas prestem um serviço semelhante, como jurista é preciso ater aos ditames legais e observar que se tratam de naturezas jurídicas distintas e que, no fim das contas, o principal interessado com a existência de mais opções de mobilidade é o cidadão.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Atualizado às 09:10

A criação de um abaixo-assinado, circulando nas redes sociais e imprensa, pelo aplicativo Uber retomou a polêmica em Aracaju/SE. Desde 13 de dezembro de 2016, a ferramenta chegou a capital sergipana e despertou o debate sobre mobilidade urbana, sobretudo diante da lei municipal 4.738/15 que proíbe o transporte de pessoas mediante uso de aplicativos. A Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT), com base no Art. 3º da referida lei, começou a fiscalizar e multar supostos motoristas do Uber aplicando multa de R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais), apreensão dos veículos e outras sanções.

Curioso é: como são feitas essas fiscalizações? Como há a prova de que o motorista é realmente vinculado a um aplicativo?

Atendo-se a estes pontos, despertam vários questionamentos. Não são poucos os relatos em redes sociais - e, portanto, carecendo de uma fonte fidedigna - de motoristas sendo acusados de serem uberistas em frente a pontos de grande circulação, como aeroportos e rodoviárias - gerando bastante constrangimento e ameaças àqueles que efetivamente não são. Da mesma forma, chamadas feitas pelo aplicativo e, quando o motorista vai ao ponto acordado, é surpreendido com o aparato fiscalizatório como numa "tocaia".

O limiar entre as atividades de transporte privado de pessoas, partilhado entre os taxistas e os uberistas, despertou uma discussão na sociedade sobre a legalidade ou ilegalidade do aplicativo e seu serviço prestado. Em termos práticos e gerais, ambos atingem um mesmo mercado, porém as naturezas jurídicas destas atividades são diferentes. Enquanto serviço prestado pelo Uber e outros aplicativos se configuram como transporte de passageiros individual privado, os taxistas prestam o chamado transporte de passageiros individual público, nos termos da lei Federal de mobilidade urbana (12.587/12).

O Art. 4º da referida legislação traz eu seu bojo a descrição de cada atividade e no seu inciso VIII "transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas". Porém, no Art. 3º, classifica as modalidades de transporte urbano e, no inciso III, há duas naturezas desse serviço: a pública e a privada. Ou seja, embora taxistas e uberistas desempenhem atividades semelhantes, de transporte público individual, os táxis são públicos (autorizações públicas) e os uberistas são privados (empresas particulares).

"Certo Doutor, mas na prática eles não prestam o mesmo serviço? E não há uma Lei Municipal proibindo?"

Embora eles prestem um serviço semelhante, pela própria lei Federal de mobilidade urbana, o fundamento dos diversos meios de transporte urbanos é possibilitar um maior leque ao cidadão que ele, efetivamente, consiga exercer seu direito constitucional de ir e vir. Em outro ponto, embora exista a lei municipal 4.738/15 que proíbe o transporte de pessoas por motoristas particulares através de aplicativos, o próprio autor da lei municipal, o vereador Vinicius Porto, já deu sinais que pretende rediscutir o assunto. Por quê? Porque existe, acima de tudo, o interesse público.

Os cidadãos devem ter o direito de escolha, assim como os trabalhadores o de livre ofício e livre iniciativa (estes, direitos constitucionais expressos). A lei municipal, inclusive, vai de encontro a lei Federal 12.587/12 que regulamenta a questão e, portanto, ofende a hierarquia das normas. Isso quer dizer que não é o município (nenhum deles), os responsáveis por legislar sobre essa matéria, mas a União, por força do Art. 22, incisos IX e XI, da CF.

Existem, hoje, dois processos tramitando na 18ª Vara Cível de Aracaju movidos pela SMTT contra aplicativos de transporte particular de pessoas, nº 201611801109 contra o T81 e o processo de nº 201611801493 contra o Uber. Ambos com base na lei municipal 4.738/15. Entretanto, o que vemos em termos de decisões pelo país a fora fortalecem a tese de: (1) Não é competência dos municípios legislar sobre a matéria; (2) Proibir ou restringir a atuação de tais aplicativos ofendem princípios constitucionais, como a livre iniciativa, livre ofício e o próprio direito de ir e vir do cidadão; (3) As leis municipais já criadas regulamentando o tema são inconstitucionais.

"Nesse caso, os táxis saem perdendo, porque o Uber não paga impostos!"

Outro argumento recorrente, é que os motoristas do Uber não pagam taxas e por isso têm vantagens. Mas a balança tende a equilibrar quando se fala em vantagens: taxistas têm isenção de IPI na compra dos carros, e em boa parte dos estados também têm isenção de ICMS e IPVA. Além disso, como os taxistas não emitem recibos para todas as viagens, a declaração de imposto de renda (IRPF) pode ser baseada em uma renda menor que a real. Bem como a existência do pagamento mínimo (bandeira) que todos taxistas devem seguir.

Da mesma forma, o Uber se submete a lógica de mercado (ou livre iniciativa empresarial) e há de concorrer com outros aplicativos semelhantes e seus "motoristas parceiros" - e aqui destaca-se uma nebulosidade na relação de trabalho - podem ser assediados para os concorrentes, bem como a políticas de preços menores, inviabilizando o negócio.

A tentativa do Uber de fazer o abaixo assinado é propor uma lei de iniciativa popular para regulamentar o serviço. Lei que passará pelo Congresso Nacional, respeitando a competência privativa da União. Com este movimento, os responsáveis pelo aplicativo buscam colocar um fim nesta celeuma. Contudo, enquanto o trâmite legislativo é demorado, as transformações sociais são dinâmicas.

Impedir o avanço tecnológico é privar o destinatário final, o cidadão, obter para si serviços de melhor qualidade e preço. Embora, na prática, taxistas e uberistas prestem um serviço semelhante, como jurista é preciso ater aos ditames legais e observar que se tratam de naturezas jurídicas distintas e que, no fim das contas, o principal interessado com a existência de mais opções de mobilidade é o cidadão.

Em verdade, houve neste movimento uma saída da "zona de conforto" com a chegada dos aplicativos. Nunca existiu táxis e licenças suficientes para a demanda dos grandes centros, e as reclamações com relação ao preço e a qualidade do serviço em si, pôs em cheque uma reserva de mercado antes comodamente ocupada. E, muitas vezes, esses choques de realidade são fundamentais para mudanças na sociedade. Afinal, é para frente que se anda.

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*Thiago Noronha Vieira é advogado associado no escritório Magno Brasil Advogados. Membro da Escola Superior de Advocacia (ESA/SE).

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