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O investidor-anjo na LC 155/16

Segundo a lei em questão o investidor anjo, pessoa física ou jurídica, não será de qualquer forma considerado sócio da empresa e nem terá direito de gerir ou de votar na administração.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Atualizado em 10 de janeiro de 2017 12:19

  • Introdução:

A figura do Investidor-anjo, muito conhecida no mundo das start-ups, agora encontra-se regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque foi sancionada pelo presidente Michel Temer, no dia 27 de outubro de 2016, a LC 155/16 que trata em seus artigos 61-A, 61-B, 61-C e 61-D da definição, da extensão e dos limites de atuação de um Investidor-anjo quando aporta capital em uma empresa.

Com isso, não é mais necessário equiparar tal indivíduo a um sócio administrador da empresa, por exemplo, nem o responsabilizar nos casos de desconsideração da personalidade jurídica da mesma. A lei 155/16 traz, dessa forma, uma maior segurança jurídica a esse meio das start ups, tão conhecido pela fraca regulação estatal. Além disso, ao tratar da matéria o Brasil se alinha com o que ocorre em outros países, diminuindo o gap entre o progressivo avanço das estruturas sociais e o conservadorismo do Direito, mantenedor do status quo.

Todavia, mesmo com a maior parte dos investidores e empreendedores elogiando a nova lei ela não é imune a críticas. Em verdade, apesar de vários avanços, tal diploma parece limitar a autonomia das partes quando da celebração do famigerado "Contrato de Participação", determinando, por exemplo, o tempo máximo de duração do contrato. Faz-se necessário, diante do exposto, estudar a figura do Investidor-anjo bem como os impactos dessa nova legislação para as relações empresariais.

  • Conceito:

Um estudo sistemático da nova lei 155/16 com ênfase no papel do Investidor-anjo deve, necessariamente, buscar entender conceitualmente a sua atuação. Arnaldo de Lima Borges Neto assim caracteriza essa figura:

Para que as start ups possam se desenvolver, e dado o investimento mínimo realizado pelos empreendedores - por carência de recursos financeiros próprios -, é comum que recorram aos denominados Investidores-anjos. Assim, Investidores-anjos são, resumidamente, pessoas físicas ou jurídicas dispostas a investir em determinado negócio embrionário, com grande potencial de crescimento, retorno financeiro e desenvolvimento, ou no ciclo inicial das atividades, geralmente chamadas de startups, mediante a realização de aporte financeiro na empresa em troca de, por exemplo, participação futura nos rendimentos ou parcela do capital social da empresa.

Por investirem em empreendimentos de alto potencial de retorno é evidente que há um grande risco atrelado a essa atividade. Por isso, geralmente esse tipo de empreendedor financeiro está interessado em um retorno em curto ou médio período de tempo, auferindo grande lucros e retirando seu capital antes que a empresa se estabilize ou entre em declínio.

Além disso, por entenderem do negócio, acabam servindo como grandes conselheiros para a firma que recebe o aporte. Muitas vezes os Investidores-anjo investem em ramos de mercado em que já possuem certa experiência, o que faz com que ele tenha a capacidade de guiar esse novo entrante ao caminho da ascensão. Não apenas isso, além de agregar conhecimento do mercado e credibilidade, o Investidor-anjo traz ao negócio uma grande rede de relacionamentos, abrindo um grande leque de oportunidades.

O termo "Investidor-anjo" surgiu ainda na década de 20, em relação a espetáculos teatrais. Era ele quem arcava com os riscos inerentes às produções das peças tendo, como contrapartida, grande participação no montante total do arrecada na bilheteria. Décadas depois, esse aportador de recursos protagonizou um importante papel no desenvolvimento das empresas do Vale do Silício, como a Apple e, posteriormente, o Google e o Facebook, tornando-se indispensável para o crescimento exponencial das start-ups.

Paulatinamente esses investidores começaram a se aglomerar e se organizar em grupos de investimento. Em nosso país ainda há uma pequena quantidade de fundos dessa natureza, porém alguns como o Gávea Angels, o Jacard Investimentos e o Bossanova Angels são exemplos de vanguarda nesse mercado. A tendência, contudo, é que esse número aumente, haja vista a nova lei que regulamenta a atividade, atraindo novos investimentos e encorpando aqueles já existentes.

  • Regulamentação Legal:

É importante destacar, antes de se analisar o novo diploma legal com o enfoque aqui realizado, que a LC 155/16 não trata exclusivamente do regramento legal da atuação do Investidor-anjo. Na verdade, a lei traz, majoritariamente, inovações acerca da adesão de empresas ao regime do Simples Nacional. Destaca-se entre elas o aumento do limite para uma microempresa estar apta a fazer parte do Simples, devendo ter receita bruta anual de até 900 mil reais de reais. Além disso, aumentou-se também o limite para que empresas de pequeno porte permaneçam nesse regime tributário, passando para 4,8 milhões a receita bruta anual. Por último, destaca-se a ampliação do prazo para o adimplemento de dívidas tributárias de 60 para até 120 prestações.

Feitas as devidas considerações, passemos à análise dos artigos referentes à atuação do Investidor-anjo.

De acordo com o §4, art. 61-A da lei em questão o Investidor-anjo, pessoa física ou jurídica, não será de qualquer forma considerado sócio da empresa e nem terá direito de gerir ou de votar na administração mesma (Art. 61-A, §4, I, da LCP 155/16). Essa previsão define o nicho de atuação desse investidor, devendo ser tratado como alguém "de fora" das decisões empresariais.

Tal medida garante uma maior segurança jurídica para os investidores, pois, não constituindo formalmente como sócios, não terão seus patrimônios afetados em caso de desconsideração da personalidade jurídica, recuperação judicial ou falência (Art. 61-A, §4, II, da LCP 155/16). Em suma, o anjo não assume as responsabilidades nem arca com as consequências que um sócio tem dentro da empresa. Acontece que atualmente muitos magistrados, sobretudo trabalhistas, tem o costume de incidir no patrimônio do Investidor-anjo para garantir alguma remuneração ao trabalhador. Essa legislação, contudo, coíbe tal prática, o que incentiva mais o mercado de investimentos, por conta da evidente diminuição de riscos.

Contudo, apesar de estimular o mercado e trazer segurança jurídica para os anjos, há quem discorde dessa previsão argumentando que isso deveria ser negociado no "Contrato de Participação" celebrado entre o investidor e os sócios da empresa. Interpretam nessa toada Luciano Velasque Rocha e Ricardo Ryohey L. Watanabe, que argumentam tendo como base o modelo norte americano:

"Ao afastar do Investidor-anjo a possibilidade de se vincular à empresa como sócio ou de ter voto na administração da startup, o legislador se afastou do modelo norte-americano, no qual a perspectiva de participação societária é um grande atrativo desse modelo de negócios - basta lembrar que o controvertido investidor norte-americano Peter Thiel investiu US$ 500 mil no Facebook poucos meses após a incorporação da companhia em troca de 10,2% de participação, hoje centenas de vezes mais valiosa que o investimento inicial."

Ademais, a lei ainda destaca certos aspectos do "Contrato de Participação". Esse acordo de vontades poderá ter vigência máxima de até 7 anos, devendo nele constar as finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos (Art. 61-A, §1 da LCP 155/16). Outra observação é que o período mínimo para o investidor exercer seu direito de resgate do aporte é de 2 anos, sendo vedado esse valor ultrapassar o anteriormente investigo corrigido monetariamente (Art. 61-A, §7 da LCP 155/2016). Além disso, o anjo poderá ser remunerado por um prazo máximo de 5 anos, devendo a sua remuneração, em cada período, ser menor do que 50% dos lucros auferidos pela empresa (Art. 61-A, §4, III e §6 da LCP 155/16).

Os períodos de tempo supracitados devem ser suficientes para a maioria dos Investidores-anjo, tendo em vista que, por conta dos riscos do negócio, eles costumam tirar seus aportes com pouco tempo para garantir a maior margem de lucro. Todavia, é questionável essa arbitrária escolha de números, pois pode ser que em algum caso excepcional seja interessante, por exemplo, o Contrato viger por mais do que 7 anos. Contudo, apesar de tolher levemente a autonomia contratual das partes e engessar o sistema de investimentos, tal regramento protege a start-up de um eventual abuso por parte do investidor.

Ainda com relação ao "Contrato de Participação" a lei prevê certas situações que possibilitam uma maior liberdade de atuação do investidor, minimizando seus riscos e maximizando suas opções de reverter seus investimentos em lucro ou em novos empreendimentos. É possível, por exemplo que se convencione com relação à transferência de titularidade do aporte a terceiro alheio à sociedade (Art. 61-A, §8 e §9 da LCP 155/16). Além disso, caso os sócios optem por vender a firma, o Investidor-anjo terá direito de preferência em sua aquisição, bem como direito a alienar a titularidade do seu aporte de capital, desde que em igualdade de condições com os que foram ofertados aos sócios do empreendimento (Art. 61-C da LCP 155/16).

Em seguida, é importante destacar que a "lei do Investimento-anjo" deixa claro que o capital investido nesse regime não contabilizará como receita para fins de enquadramento da sociedade como microempresa ou empresa de pequeno porte (Art. 61-A, §5 da LCP 155/16) nem integrará o seu capital social (Art. 61-A, caput, da LCP 155/16). Em decorrência disso, as empresas não serão desenquadradas do SIMPLES por causa do aporte de capitais provenientes do Investidor-anjo (Art. 61-B da LCP 155/16).

Dessa forma, há um grande estímulo ao empreendedorismo e a esse tipo de investimento, haja vista que existe um incentivo para aderir a um sistema "mais leve" de tributação além de alguns outros tributos serem calculados com base no capital social da empresa. Todavia, no caso em que seja necessário a empresa contratar determinados serviços financeiros, pode haver alguma dificuldade já que certas prestadoras exigem um valor mínimo de Capital Social como requisito do contrato. Com isso, pode-se ter uma falsa percepção da realidade já que o Capital Social é mantido em um valor baixo por não estar contido nele o valor do aporte do Investidor-anjo.

Ainda nos restam duas importantes observações acerca da nova lei. Uma delas, cujo teor também beneficia o aumento desse tipo de investimento, é que o Ministério da Fazendo pode criar incentivos fiscais para essa atividade, diminuindo a quantidade de tributo recolhido quando da retirada do aporte (Art. 61-A, §10 da LCP 155/16). A outra, todavia, é que, como se nota pela explicação de outros incisos, o Investimento-anjo só poderá ser feito em microempresas e empresas de pequeno porte (Art 61-D da LCP 155/16). Tal artigo cerceia demais a atuação do investidor anjo já que, tal como supracitado, o limite de faturamento anual para uma firma ser considerada de pequeno porte é de no máximo 4,8 milhões. Esse cerceamento pode acabar por tornar a nova legislação um tanto quanto inócua, pois os investidores, ao se verem "presos" a esse faturamento máximo, podem optar por novas formas de aplicação de recursos que não o Investimento-anjo.

  • Conclusão:

Em uma era do capitalismo cada vez mais voltado para a tecnologia e start-ups é imprescindível que existam instrumentos jurídicos que facilitem o fluxo de bens e riquezas. A nova legislação, brevemente analisada acima, traz evidentes avanços na segurança jurídica dos chamados Investidores-anjos. Agora há, de fato, o reconhecimento jurídico dessas figuras e a importante definição de seu papel dentro de uma empresa. Como afirmou Cassio Spina, fundador e presidente da Anjos do Brasil: "Esta lei resolve um dos principais entraves para o crescimento do Investimento-anjo em startups, provendo segurança jurídica para investidores e consequentemente possibilitando o aumento do volume de capital disponível para as startups".

Apesar da LC 155/16 alinhar o Brasil com as tendências mundiais de regulamentação é importante destacar que nossos dispositivos legais podem ter cerceado demais as dinâmicas de mercado. É, com isso, necessário se diferenciar os incisos proveitosos, que geram estabilidade e segurança ao negócio, dos incisos arbitrários e duvidosos, os quais não parecem constar para ajudar as partes, mas sim para cercear suas atuações enquanto indivíduos envolvidos no meio econômico.

Em verdade, os efeitos dessa lei ainda são muito incertos, apenas o tempo dirá se houve uma acertada intervenção legislativa na atividade econômica ou se ocorreu um grande desestímulo ao Investimento-anjo. Por experiências passadas, contudo, sabe-se que quando o legislador interfere no cenário econômico para modificá-lo assim o faz bem menos eficientemente do que indivíduos descentralizados guiados pela oferta e demanda.
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*Gabriel Lima Lins é acadêmico de Direito da UFPE e Diretor de Projetos do Bevilaqua - Escritório Modelo Empresarial.

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