Sobre ser ou não ser tupiniquim
Em momento de segundo turno das eleições presidenciais, passamos por um momento especial de escolha do nosso próprio futuro, por mais que de forma representativa. Temos nas mãos o oráculo da verdade, que pode sim representar uma grande mudança se feita com sabedoria e elevação de espírito.
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Atualizado às 17:13
Sobre ser ou não ser tupiniquim
Filipe Küster de Lara*
Em momento de segundo turno das eleições presidenciais, passamos por um momento especial de escolha do nosso próprio futuro, por mais que de forma representativa. Temos nas mãos o oráculo da verdade, que pode sim representar uma grande mudança se feita com sabedoria e elevação de espírito.
Diante das propostas dos candidatos, chegamos à conclusão unânime de que de fato política se discute. Mas isso realmente não importa neste momento.
Vemos um Brasil pulsante, com discussões calorosas em todas as esquinas. Blogs, sites, jornais e revistas; todos inspiram à discussão da democracia, dos anjos e demônios políticos, das promessas sem cabimento e das urgências que tanto gritamos.
Se fosse possível deixar de lado por alguns instantes o partidarismo ou as preferências ideológicas, sem dúvida teríamos uma realidade virtual melhor.
Não é suficiente gritar: para mudar, você que é eleitor, precisa saber qual é a mudança que você quer para este país. Não adianta esbravejar, se você mesmo não sabe a qual direção está seguindo.
Se você quer apenas contrariar ou ser da oposição por isto representar uma ideologia da sua classe, o faça com dignidade, mas saiba do alto preço que isto custará ao seu país.
O voto de cada cidadão deve seguir o sentimento mais íntimo que o faz ser humano: o livre-arbítrio e a liberdade. E voto que quer mudança, não inspira apenas discursos inflamados de qual seja a sua tendência política. O voto que almeja a reinvenção, assume sua responsabilidade fora das urnas e tenta promover uma mudança da realidade, qual seja a sua, mais harmônica e justa.
Temos inúmeros técnicos políticos que sabem se definir como direitistas ou esquerdistas, mas a grande maioria deles sequer sabe o pragmatismo carregado do que dizem. Repetem ideologias, que como a própria etimologia denuncia, que de bom de nada há. Porém fala-se e discute-se em querer um país melhor, independente deste discurso. Que esqueçamos então os partidos por um momento e as preferências políticas, e desmistifiquemos por alguns instantes o conceito de política.
Primeiramente: votos partidário-ideológicos destroem essa lógica democrática, e comprometem todo o processo de mudança.
Em segundo: vende-se uma ideia política como um produto na vitrine, promessa inócua de que o candidato que será eleito resolverá todos os problemas da sua realidade.
Por fim: no momento do voto, pense o que você realmente quer para este país.
Se este é realmente o único momento em que você reflete sobre o futuro e sobre as ações dos outros.
Afinal, quais são as razões para você querer mudar alguma coisa, além do fato de simplesmente querer mudar.
Insegurança? Fome? Pobreza? Corrupção?
Por que levamos tão a sério o ano de eleições e todos os outros de forma tão despreocupada?
A despeito de ser um momento bonito da democracia, a pergunta que deveria ficar na consciência de cada um é: não endeusamos demais os nossos governantes por acreditar que um bom governo resolverá todos os nossos problemas?
E passemos a enxergar o que nos faz verdadeiramente cidadãos: que apesar de todas as críticas, o jeito brasileiro de resolver os conflitos ainda é inerente da nossa característica cultural, e é isso que nos faz brasileiros e nos enche de orgulho mundo afora.
Queremos mudança, mas não somos a própria mudança que queremos.
O empresário que chega no saguão do aeroporto e se depara com uma fila enorme, burla-a e tenta de qualquer maneira se antecipar; o impaciente no supermercado fura a fila esbravejando motivos que justifiquem a sua pressa; o jovem que passou da velocidade permitida suborna a autoridade para se livrar da pesada multa.
Poderia citar Voltaire, que disse: "se você quer mudar o mundo, comece por você mesmo e depois ao próximo que senta ao lado de ti".
Poderia Gandhi me responder, quando falou "seja você a mudança que quer ser no mundo".
Poderia falar da teoria da Estabilidade e da Mudança, da regra humana egóitica-social ou da inatividade moral.
Mas prefiro ainda dizer, que essas, são situações prosaicas que ocorrem diante dos nossos olhos diariamente - e pior, são tão insignificantes quanto à própria trivialidade em que ocorrem.
Pois bem, vive-se em um lugar onde espantosamente pratica-se o errado julgando-se o certo e, critica-se o certo alegando ser errado.
Esse comportamento, diagnosticado como uma doença social, é na verdade motivo de identidade entre nós, chamados compatriotas; nos gabamos da maneira leve e despreocupada de viver, sem achar que reside aí, a nossa grande falha como civilização.
Encontramos um respaldo em nós mesmos, pois afinal, somos um povo que sofre, mas que nunca desiste. Nos intitulamos de algo que não merecemos, e não é preciso ser especialista em história do Brasil para entender que a lógica vem da repressão e dos abismos que estamos acostumados a conviver.
Portanto, não adianta dizer que a corrupção tão combatida vem de pessoas à parte da nossa realidade.
Aqueles que censuramos, não nasceram em um lugar diferente do nosso, não conviveram com pessoas diversas de nós, não foram governadas por governos diversos dos nossos, o que significa dizer que em regra, um pouco do que a nossa ética se queixa, é aquilo que nós representamos na vida real, sem perceber que somos parte desta realidade que ajudamos a criar diariamente e, inconscientemente sem saber que "eles" na verdade, somos nós.
Queremos a mudança a todo custo e não dimensionamos a responsabilidade individual que ela acarretará. Basta dizer que a eleição nos dá apenas um aperitivo de até onde cada brasileiro quer ir com ela.
Você quer mudança? Então mude.
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* Integrante da banca Küster Machado - Advogados Associados
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