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Porandubas nº 665

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Atualizado às 08:05

Abro a coluna com a verve mineira.

Mariana, Minas Gerais, já foi chamada de Roma brasileira. Terra de fé. Velhas e monumentais igrejas. Cheia de placas com nomes engraçados nas ruas:

- Cônego Amando

- Armando Pinto

- Monsenhor Amâncio Pinto

Cônego Amando era conhecido pela verve, um brincalhão. Um dia, viajando pelo interior do município, uma de suas assistentes caiu do cavalo. Rapidamente ficou em pé. Meio sem graça, perguntou:

- Cônego, o senhor viu a minha agilidade?

- Minha filha, eu até que vi. O que eu não sabia é que agilidade tinha mudado de nome.

(Zé Abelha em A Mineirice)

Panorama visto do alto

Daqui do alto, vejo quase todo o centro expandido, os bairros mais centrais: Itaim, Moema, Paraíso, Ibirapuera, Jardins, Indianópolis, Vila Mariana, prédios da av. Paulista, a Faria Lima, e lá nos fundões, Pinheiros, Morumbi e as torres da serra da Cantareira. A cidade parece quieta. Só impressão. Menos carros, menos barulho. Mas, em suas casas, as pessoas estão atônitas, medrosas, estampando um aparente conformismo que as catástrofes costumam puxar. Se as nossas vidas precisam desse recolhimento, que o acolhamos. Muitos se rebelam. A paisagem é sombria. Um ou outro urubu cruza seus voos sobre o parque do Ibirapuera. O campo do ginásio quase todo coberto com um gigantesco toldo branco, onde um hospital de campanha abriga contaminados pelo vírus. Quando, quando, quando respiraremos ares mais saudáveis?

Panorama de Laurie Garret

Laurie Garrett é uma jornalista premiada. Também conhecida como Cassandra, aquela profetisa grega que previa o futuro. Ganhou o Prêmio Pulitzer de jornalismo, tendo previsto não apenas o impacto do HIV, como também o surgimento e a propagação em todo o globo de patógenos mais contagiosos. E também previu a pandemia atual. Suas previsões:

= durará cerca de 36 meses, no melhor cenário possível.

=aparecerá em ondas.

= o sistema de transporte de massas será reavaliado.

= os homens de negócios reverão a necessidade de encontros de negócios pessoalmente.

= se depois de 11 de Setembro, não podemos entrar em um edifício sem mostrar a identidade e passar por um detector de metais, e não podemos mais entrar em um avião como sempre fizemos, tudo isso ocorrerá novamente.

= não serão detectores de metais, mas uma mudança sísmica em relação às nossas expectativas, ao que suportamos, à maneira como nos adaptamos. Talvez também no engajamento político.

= 25% de desempregados nos EUA.

= a China minimizou o que estava ocorrendo e a reação em vários países foi descuidada e lenta.

= Entre os destaques, em sentido negativo, está a aceitação inicial do presidente Donald Trump das garantias feitas pelo presidente Xi Jinping de que tudo se resolveria bem; sua escandalosa complacência, do final de janeiro até meados de março; sua defesa de tratamentos não comprovados; suas reflexões sobre curas absurdas; sua abdicação da sólida orientação federal aos Estados; e o fato de ele se furtar, mesmo neste momento, a apresentar uma ampla e detalhada estratégia para conter o coronavírus.

Bolsonaro, vai e vem

O capitão tem uma índole guerreira. Não é de paz. Não procura a paz. Talhado para guerrear nas emboscadas do disse-não-disse, onde a versão apaixonada toma o lugar dos fatos, não se preocupa com questões de imagem e não aprecia raciocinar pela via do bom senso. A troca de comandos na PF, pois, nada tem a ver com afinidades, ligações familiares, proteção em investigações. Tudo é pautado pelo maior profissionalismo. Portanto nunca existiu pressão sobre o ex-ministro Moro. Tudo é fantasia. E a fantasia ainda consegue arrebanhar um bocado de gente. P.S. Sugiro ouvir o vídeo sobre reunião ministerial, que deve ser liberado pelo ministro Celso de Mello.

A fatia de Bolsonaro

O presidente tem razoável fatia do eleitorado. Expliquemos. Sempre existiu um denso núcleo localizado à direita do arco ideológico que praticamente se manteve calada nos 13 anos em que o petismo-lulismo tomou assento na cadeira presidencial. O PT rachou o país quando usou o manto de vestal, pura, séria, ética, cheia de dignidade. Erigiu um castelo de mentiras sobre o imaginário nacional. Era exclusivista. Não aceitava qualquer um. Exibia uma aura de sagrado. Até o castelo desmoronar. A roubalheira veio à tona. Seu maior líder, Lula, caiu nas barras da Justiça. Incrível. Eles continuam acreditando que o petismo-lulismo é uma graça do céu. Bolsonaro foi eleito na onda antipetista. Encarnou o tom do novo. A direita conservadora marcou um encontro com os indignados. Essa é a fatia de Bolsonaro.

Resiliência

Os bolsonaristas são resilientes. Não temem enfrentar dissabores. Se seu comandante diz alguma bobagem, puxam um argumento para dar razão a ele. Está havendo certo refluxo, tanto que as mais recentes pesquisas mostram uma queda de 10 pontos na avaliação positiva do governo, coisa de 44% de negatividade contra 31% de avaliação positiva. Ademais, a polarização interessa a Bolsonaro, que gostaria de enfrentar novamente o PT. E para fechar a corrente de apoiadores, o governo continua com a rede de proteção social. Esses R$ 600,00, distribuídos como auxílio emergencial, caíram bem no coração das massas. No Nordeste, onde o presidente não tem boa votação, o dinheiro foi recebido com muitas loas.

Pendenga com Moro I

A pendenga com Sergio Moro poderá ampliar as sequelas na imagem de Bolsonaro além das já abertas pelo episódio de saída do ex-juiz. O procurador-Geral da República, Aras, tende a arrefecer o caso. Os generais que o cercam, em seus depoimentos, fazem sua defesa ao não terem visto sinais de pressão sobre a PF. Mas o vídeo da reunião ministerial que Moro sugeriu como prova de que o presidente queria trocar a direção da PF é comprometedor, Moro, por sua vez, tentou não se complicar em seu depoimento, negando "crime" por parte do presidente no caso de troca de comandos. Imaginou que a narrativa que lhe interessa será produzida naturalmente pela mídia, tendo à frente a TV Globo.

Pendenga II

E o STF, mesmo dando guarida às investigações, tende a dar tempo ao tempo. Celso de Mello, que se aposenta em novembro próximo, tem interesse em deixar um lastro forte em sua despedida. A palavra do ministro da Educação, numa reunião no Palácio do Planalto, pedindo prisão para muita gente, a começar pelos ministros da suprema Corte, deve influir nas decisões do ministro Celso. A pororoca pode aumentar.

Golpe?

O presidente precisa evitar esse discurso de golpe. É pura bobagem denunciar que Rodrigo Maia, João Doria e Wilson Witzel querem dar um golpe para tirá-lo da presidência. Algo impensável e impraticável. Não há a mínima condição para que essa ideia prospere. Seria péssimo para o país. Se Bolsonaro quer antecipar a campanha, que busque nova modelagem de slogans, expressões e fraseado. O presidente descobriu que não governa sem a esfera política. Mas deve ter cuidado para não ressuscitar perfis da velhíssima política.

O Congresso

Os congressistas, por sua vez, tomam consciência das novas prioridades do país: falta de estrutura nos estabelecimentos hospitalares, economia aos trambolhos, queda do PIB em mais de 5%, desemprego crescente, municípios e Estados quebrados, infraestrutura carecendo de investimentos, políticos recriminados, Executivo sem rumos, improvisação por todos os lados. O que fazer? Rodrigo Maia, muito atuante, aponta: a reforma tributária está madura. Que se comece por ela. O problema é saber até onde Paulo Guedes fará concessões.

E o Teich, hein?

O ministro da Saúde, Nelson Teich, médico afamado, a cada dia, mostra-se mais atoleimado. Olha para o abstrato. E confessa que está confuso. Não tinha tomado conhecimento da decisão de Bolsonaro de incluir academias de ginástica e salões de beleza na categoria de atividades essenciais. O ministro mais parece peixe fora do aquário.

A filhocracia

Altas patentes do Exército dizem com muito jeito: os filhos do presidente estão causando grandes estragos ao seu governo. A frase vai sem aspas, mas é uma tradução até leve do que se capta de fontes credenciadas.

O farol de Huck

Luciano Huck, eventual candidato à presidência da República, está com farol baixo. Um midiático inteligente, que até surpreende com ótimas entrevistas junto a pensadores, mas não conhece a realidade brasileira. Cadê o Paulo Hartung? Amigo, leve seu amigo, apaziguada a pandemia, para uma volta pelo país. Você, sim, seria um bom candidato.

Nomes

Helder Barbalho, o governador, faz um grande trabalho para amenizar os efeitos da pandemia no Pará. Arthur Virgílio, o prefeito, se esforça para enfrentar o caos que a pandemia produz em Manaus. Bruno Covas, o prefeito, apesar das boas intenções, parece sem rumos para diminuir os efeitos da tragédia em São Paulo, capital. João Doria desenvolve uma ação abrangente e forte. E, com o prestígio que tem, consegue recursos. O problema: seu discurso é sempre interpretado como voltado para a política, mais exatamente 2022. ACM Neto, prefeito, bem avaliado em Salvador. Grupos empresariais: grandes doações e ações. Destaco o Grupo Itaú: 1 bilhão de reais. Todos merecem parabéns.

Adeus, amigo João Claudino

Deu-nos adeus um dos maiores empreendedores brasileiros: João Claudino. Construiu um império. Muitos empreendimentos. Nasceu em minha querida serra de Luís Gomes, na tromba do elefante como é designado o extremo oeste do RN. Fronteira com Paraíba e Ceará. Seu pai, Joca, era amigo meu, Gaudêncio, que o recebeu vindo da Paraíba. Joca fez um pequeno negócio em Luís Gomes, onde João nasceu, mas decidiu voltar à PB. Foi para Cajazeiras e começou um empreendimento que viria a se tornar um dos maiores, se não o maior, da região norte: os Armazéns Paraíba. O maior ICMS do Norte. Sede principal em Teresina, Piauí. Fábricas em muitos setores. Um homem de visão social. A Fundação que criou e tem seu trabalho na região é um fenômeno de grandeza. Uma orquestra sinfônica com adolescentes é convidada para se apresentar nos principais palcos do mundo. E João, empreendedor e mecenas, nos deixou há duas semanas. Merece figurar no altar mais alto de minha admiração.