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Meio de campo

Textos sobre Direito Esportivo e mercado.

Rodrigo R. Monteiro de Castro
Olhar para o que fazem outros países, especialmente aqueles que apresentam avanços em seus sistemas jurídicos, é sempre recomendável. O que não significa que se deva importá-los. Ou, se forem importados, que não se deva, antes, proceder às devidas adaptações. No âmbito do Direito Societário vemos, nos últimos 20 anos, a insistente prática de internalização de técnicas de governança que fazem sentido em seus países de origem, mas não necessariamente por aqui. E o motivo é fenomenológico. Sim, adotam-se soluções idênticas para fenômenos diferentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, a doutrina da governação pretende proteger o investidor dos administradores; enquanto, no Brasil, a tensão se coloca sobretudo na relação sócio controlador e demais sócios. Daí o fracasso de modelos toscamente copiados e introduzidos em certas companhias brasileiras. A mesma lógica se aplica em relação às soluções legislativas para imposição de técnicas de governo do futebol. A realidade brasileira é única, e seu modelo, portanto, também deverá reconhecer esta característica. Confirma essa proposição a limitada lista de times que, nos principais campeonatos mundiais, disputaram - e continuam a disputar - os respectivos títulos nacionais. Veja-se, inicialmente, o caso de Portugal. Desde 1995, apenas dois times - Benfica e Porto - competem pela hegemonia futebolística, havendo um terceiro - o Sporting - que se intromete, de tempos em tempos, nesse duopólio1: A situação no outro país ibérico - este, aliás, verdadeiro protagonista do futebol contemporâneo - não é muito diferente. Repetindo a estrutura lusitana, o campeonato espanhol também é dominado por dois times - Barcelona e Real Madrid -, e conta com um penetra reincidente - o Atlético de Madrid - que, a exemplo do Sporting, estraga, eventualmente, a festa2: O futebol alemão apresenta os mesmos traços dos anteriores. Apesar de alguns times terem conquistado o campeonato nacional ao longo das últimas duas décadas, apenas dois times - Bayern e Borussia Dortmund - efetivamente rivalizam pela liderança3: No país da origem do futebol, também três times se projetam - Manchester United, Chelsea e Arsenal -, surgindo, recentemente, um quarto - Manchester City4: Por fim, a França. Neste país, uma situação atípica: vários times sem tradição em copas europeias revezando-se em primeiro, com o surgimento, em dois intervalos, de supercampeões: o Lyon e o Paris Saint-Germain5: Apresentados esses dados a respeito de cinco importantes campeonatos europeus, resta, então, a seguinte pergunta: em que o campeonato brasileiro difere deles? A tabela plotada abaixo responde: no mesmo período, 10 times sagraram-se campeões6. E o que é ainda mais estimulante: várias potências regionais e nacionais, como Internacional, Atlético Mineiro e Palmeiras não fazem parte da lista. E, não menos relevante: outros times, com importantes torcidas regionais, como Bahia (3,4 milhões de torcedores), Vitória (2,6 milhões), Sport (2,4 milhões), Santa Cruz (2 milhões) e Ceará (1,6 milhões)7, além de não aparecerem na mesma lista de campeões, apresentam, se bem estruturados e administrados, potencial para nela figurarem. O Brasil é, seguramente, o único país que se caracteriza pela existência de quase duas dezenas de potências nacionais. E um número ainda maior de potências regionais. Daí seu incomparável potencial econômico no plano futebolístico. Esses motivos justificam um modelo legislativo único, próprio e arquitetado para resgatar e desenvolver o futebol no Brasil, em seus mais relevantes aspectos culturais e econômicos. Um modelo que olhe, compreenda e se aproveite, naquilo que for realmente fundamental, dos sistemas comparados, mas que não feche os olhos para a sua realidade. E para suas necessidades, sociais e econômicas. Daí, inclusive, nossa proposta de criação da Sociedade Anônima do Futebol, já apontada nesta Coluna e que será, em breve, apresentada em seus detalhes. __________ 1 Futebol português. 2 Futebol espanhol. 3 Futebol alemão. 4 Futebol inglês. 5 Futebol francês. 6 Futebol brasileiro. 7 ESPN.
quarta-feira, 13 de abril de 2016

Governo e (des)governo no futebol

O vexaminoso resultado da partida entre Brasil e Alemanha, na Copa do Mundo de 2014, provavelmente jamais voltará a se repetir. E em favor de qualquer uma das seleções. Não pelo distanciamento organizacional e estrutural, mas pela raridade de resultados elásticos entre times tradicionais, sobretudo em ambientes competitivos. Indica, por outro lado, que, enquanto a Alemanha soube aproveitar uma grande crise, simbolizada no fracasso de 2000 - ano em que foi desclassificada na primeira fase da Eurocopa -, para criar um novo ambiente para o cultivo do futebol; para o Brasil, até agora, a catástrofe nada lhe ensinou, e sua crise - persistente - não o direciona a um caminho de luzes. O ponto de partida para reversão desse crítico estado de coisas é o fortalecimento dos clubes, por meio, como apresentado, ainda de modo preliminar no texto inaugural desta coluna, de uma regulação que estruture o mercado da bola e da institucionalização da sociedade anônima futebolística. Clubes fracos, sem ambiente para captação de recursos, incapazes de formar novos e muitos talentos, de explorar comercialmente suas marcas, inclusive para exportação, implicam fraqueza do esporte nacional. Daí extrair-se a máxima de que uma seleção será forte se a base que a alimenta for igualmente robusta. Sem times robustos, a poesia do futebol brasileiro, cantada e decantada por Pier Paolo Pasolini, passará ao plano da ficção. Teorias e modelos de governança ajudam a explicar o fenômeno. E demonstrar que os 7x1, conquanto excepcionais no plano prático ou estatístico, não ocorreram por acaso. Faz-se, então, uma comparação entre os modelos de governação do Bayern de Munique e do São Paulo Futebol Clube. Este ainda se rege pelo modelo secular da associação sem fins lucrativos. Seus administradores são amadores por definição, pois proibidos de receber remuneração. Assumem o encargo por paixão ou oportunidade. Não podem, como regra, dar-se ao luxo de abandonar suas profissões ou transferir suas empresas a sucessores. Dividem-se, portanto, entre o emprego ou trabalho diário e os temas do clube do coração. Essa discrição combina, sem dúvida, com a atuação em clubes puramente associativos, que não operam empresas econômicas de vulto, envolvidas em relações empresariais e negociais complexas, inclusive internacionais. Também chama atenção sua estrutura orgânica. A assembleia é, em qualquer associação ou sociedade, o órgão máximo. No São Paulo, não tem esse tratamento. Ela se reúne apenas a cada período de seis anos, para eleger e dar posse a um terço dos seus membros. O Poder soberano, pelo estatuto, é conferido ao Conselho Deliberativo. Este órgão tem a incumbência de representação dos associados. É composto de 240 membros, sendo 2/3 vitalícios. Estes 2/3 são eleitos e empossados pelo próprio Conselho. O outro terço, como visto acima, é renovado em períodos de seis anos pela assembleia. Dentre as atribuições do Conselho destacam-se a eleição e a posse do presidente da Diretoria. Também integram a estrutura orgânica: o Conselho Consultivo, responsável pela manutenção das tradições éticas, filosóficas e históricas; e o Conselho Fiscal, composto por cinco membros, dentre os membros do Conselho Deliberativo. A Diretoria do clube é composta de presidente, seis vice-presidentes e 18 diretores. Presidente e vices devem ser membros do Conselho Deliberativo. É dentro e por essa complexa estrutura que se opera o futebol profissional. E sujeito a esses órgãos que o presidente, mais qualificado que seja, atua. E deve, além das sofisticadas relações que se operam no plano futebolístico, ocupar-se com a piscina, as quadras de tênis, o squash, o salão de snooker, o tênis de mesa, pistas de bocha, os bares e restaurantes, salão de festas e festas temáticas, a sauna, o salão e mesas de carteado... O Bayern não abandonou sua natureza associativa. Mas operou uma separação do plano social da empresa econômica. De modo que suas atividades profissionais do futebol são operadas por uma sociedade empresária cujo capital é distribuído entre o clube Bayern (75%) e três transnacionais: Adidas, Allianz e Audi (cada uma detentora de 8,33%). No plano orgânico, adota uma estrutura dualistas, composta de Diretoria (executive board) e um Conselho (supervisory board). A Diretoria é formada por um presidente, um vice e três diretores. O Conselho é integrado por nove membros, sendo um presidente (Chairman), quatro vices e cinco sem designação especial. O presidente do Conselho é indicado pelo Bayern eV (isto é, pelo clube Bayern, e é, também, o presidente do clube); os vices são nomeados pelos outros acionistas, sendo que um é presidente da Adidas (CEO), outro presidente do Conselho da Audi (Chairman) e o último conselheiro da Allianz. Os demais membros do Conselho ocupam, em suas atividades profissionais, as funções de: Chairman da Telekom AG, Vice-Presidente Senior do Bayern Ev (novamente, do clube); 1o Ministro da Bavária; membro do conselho do Unicredit Bank; e Chairman da Volkswagen. Compete ao Conselho definir a orientação geral dos negócios. A Diretoria tem poderes de execução e representação. E deve, esta, empregar todos os seus esforços para atingir os objetivos do Bayern. E apenas isso. Ser diversionismo. Em troca de devida remuneração. Esse modelo não criou fissuras entre time e torcedores; também, aparentemente, não foi interpretado como ato de traição, rompimento com a história, tradições ou algo semelhante. Essa proposição se comprova pelo ranking mundial dos programas de sócio torcedor, liderado justamente pelo Bayern, com 258.000 participantes, o maior dentre todos os times do planeta. Apresentadas essas realidades, torna-se mais fácil compreender o resultado da Copa do Mundo de 2014. Isto porque o hiato não se restringe aos modelos adotados como referência, estendendo-se a todos os planos em que se envolve o futebol: começando pelo Estatal, que não provê, no Brasil, um ambiente para formação de um mercado e atração de recursos; passando pela CBF, que não tem interesse em fortalecer e luta pela fraqueza dos clubes; e dos próprios clubes, vítimas e responsáveis pelo atual estado de coisas.
A ideologia impede o desenvolvimento do futebol no Brasil. Os puristas ainda clamam pelo retorno de um jogo que ficou em suas memórias - ou nas velhas transmissões desbotadas, com jogadores vestindo mantos sem qualquer indicação empresarial. Por outro lado, reforçam-se os gritos de abertura do esporte para investimentos, como forma de resgate do tempo perdido. Para se chegar ao melhor modelo para o futebol brasileiro - que se fixará com uma regulação estatal visando à criação de um mercado próprio -, e o encontro de um ponto de equilíbrio, conforme as tradições e as necessidades locais, deve-se, antes, compreender a nova ordem. O modelo associativo, sem fins lucrativos, gerido por pessoas qualificadas em suas áreas de atuação, mas amadoras no segmento futebolístico - e, por isso, impedidas de receber qualquer remuneração - foi superado, com raras exceções, nos atuais centros mais desenvolvidos, por modelos que contemplam alguma forma de relação com o mercado. Vejam-se algumas variações. A estrutura do Bayern de Munique indica a separação do clube amador da atividade econômica do futebol, com a criação de uma sociedade empresária (empresa) e a atração de investidores. A composição acionária desta sociedade é a seguinte: FC Bayern Munchen eV 75% Adidas 8,33% Audi Ag 8,33% Allianz Se - 8,33% 8,33% - 100% O principal time francês da atualidade, o Paris St. Germain (PSG), segue um modelo mais agudo: inexiste relação ou participação de alguma associação ou mesmo de alguma pessoa, física ou jurídica, francesa. Trata-se de uma empresa, cujo capital foi integralmente adquirido, em 2012, pelo Qatar Sports Investments, operado pelo Fundo Soberano do Qatar. Um terceiro modelo, que se espalha nos principais centros de prática do esporte, inclusive na América Latina, expõe a decisão de abertura efetiva ao mercado, oferecendo-se ações à negociação em bolsa de valores. Nestes casos, geralmente, o clube constitui uma sociedade empresária com ativos do futebol e, na sequência, delibera a abertura do seu capital. Arsenal, Borussia Dortmund, AS Roma, Juventus, Sporting e Porto seguiram este caminho. Na América Latina, listam-se Colo-Colo, Universidad Católica e Universidad de Chile. A participação que o clube detém da companhia aberta, com ações negociadas em bolsa, depende do interesse, das necessidades e da estrutura de governação pretendidos pelo próprio clube, no ato de abertura. O modelo é estabelecido, portanto, de modo casuístico. Veja-se, a propósito, a estrutura acionária do Borussia Dortmund, em 30 de junho de 20151: Evonik Industries AG 14,78% Bernd Geske 8,8% Ballspielverein Borussia 09 e.V. Dortmund 5,53% SIGNAL IDUNA 5,43% PUMA SE 5% Free float2 60,46% - 100% Na contramão desses modelos, citam-se os casos de Barcelona e Real Madrid, fieis às suas históricas naturezas associativas clubísticas. De todo modo, qualquer seja a forma jurídica adotada, o país, e a tradição da prática do jogo, um elemento comum se destaca em todos os exemplos mencionados: a capacidade de atração de recursos e de geração de receitas, por meio de modernos e sofisticados sistemas de governação. Conforme números de 2014, o Real Madrid faturou 549,3 milhões de euros e o Barcelona 484,6 milhões de euros. Na Alemanha, Bayern faturou 528,7 milhões de euros e Borussia Dortmund 261,5 milhões de euros. O PSG arrecadou 474,2 milhões de euros no mesmo período3. Enquanto isso, no Brasil, terra do futebol, o Estado ainda não foi capaz de prover uma via de direito que incentive a passagem do modelo amadorista para o de mercado. E que estimule a implantação de uma governança compassada com os tempos modernos. O resultado dessa política (ou ausência dela) é revelador: em 2014, o maior clube brasileiro em receitas, o Flamengo, ocupava a 40ª posição no cenário mundial, com 101,4 milhões de euros, seguido por Corinthians, na 47ª, com 67,3 milhões de euros, e pelo São Paulo, na 49ª, com 65,8 milhões de euros. As três potências nacionais foram superadas por times sem expressão ou provenientes de países menos tradicionais como: Cardiff City, Hull City, Fenerbach, Sunderland, Olympique de Marselha, Copenhagen e Napoli4. Aliás, note-se que o faturamento agregado dos três os colocaria numa decepcionante 12ª posição mundial, atrás, os 3 juntos, de Borussia, Juventus, Liverpool, Arsenal, Chelsea, Manchester City, PSG, Barcelona, Bayern, Manchester United e Real Madrid. Alguns motivos justificam essa situação. Do ponto de vista regulatório, todas as tentativas, desde a Lei Zico, passando pela Lei Pelé e chegando ao recente Profut, naufragaram pela aridez material. E vaticinam, desafortunadamente, a carência de uma moldura regulatória indutora da formação de um pujante mercado do futebol, arquitetado para atrair recursos para emprego nesta atividade esportiva que é, sim, a preferência nacional. Emerge aí, portanto, o caminho para solução do problema: a criação de um mercado, com regulação própria, que preserve o jogo de bola como bem cultural e patrimônio do brasileiro, mas que o estimule e o reconheça como fenomenal bem econômico. E, também, a instituição da sociedade anônima futebolística, instrumento essencial para atuação nesse mercado. __________ 1 Cf.www.equitystory.com/.../borussia/.../BVBGB2015_ENG_net_RZs.pdf; acesso em 15/3/2016. 2 Conceito de free float: "todas as ações emitidas pela companhia, excetuadas as ações detidas pelo acionista controlador, por pessoas a ele vinculadas, por administradores da companhia, e aquelas em tesouraria". 3 Cf. Capelo, Rodrigo. Receitas do Futebol. Como 150 Clubes Arrecadam Dinheiro. 4 Idem.