Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur
O Profut1 - Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro -, instituído pela lei 13.155, de 4 de agosto de 2015, foi uma iniciativa que surgiu com o propósito de solver contingências que decorriam - e que decorrem -, especialmente, do modelo amadorístico dos clubes de futebol.
Essa situação se potencializa pela inexistência de um ambiente sustentável, provido de instrumentos dirigidos ao desenvolvimento do esporte. Sobretudo de técnicas de captação e financiamento da atividade econômica futebolística.
Daí se projetar no Profut mais uma forma de salvamento emergencial dos clubes, consertando-lhes o passado de inadimplemento fiscal em troca de modificações, pontuais, em suas organizações internas2.
O sistema funciona, em breves linhas, da seguinte forma: os clubes podiam3 optar pelo parcelamento de débitos na Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e no Banco Central do Brasil, e os débitos previstos na Subseção II, no Ministério do Trabalho e Emprego.
A dívida objeto do parcelamento, para os aderentes, deveria ser paga em até 240 parcelas, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais. O Profut estabeleceu, ainda, condições específicas para o parcelamento de débitos relativos ao FGTS e às contribuições instituídas pela lei complementar 110, de 29 de junho de 2001.
Para aderir ao Profut, o Clube de Futebol deveria observar determinados requisitos formais4, e, para nele manter-se, atender aos demais seguintes requisitos: "I - regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias federais correntes, vencidas a partir da data de publicação desta Lei, inclusive as retenções legais, na condição de responsável tributário, na forma da lei; II - fixação do período do mandato de seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos em até quatro anos, permitida uma única recondução; III - comprovação da existência e autonomia do seu conselho fiscal; IV - proibição de antecipação ou comprometimento de receitas referentes a períodos posteriores ao término da gestão ou do mandato, salvo: a) o percentual de até 30% (trinta por cento) das receitas referentes ao 1o (primeiro) ano do mandato subsequente; e b) em substituição a passivos onerosos, desde que implique redução do nível de endividamento; V - redução do déficite, nos seguintes prazos: a) a partir de 1o de janeiro de 2017, para até 10% (dez por cento) de sua receita bruta apurada no ano anterior; e b) a partir de 1o de janeiro de 2019, para até 5% (cinco por cento) de sua receita bruta apurada no ano anterior; VI - publicação das demonstrações contábeis padronizadas, separadamente, por atividade econômica e por modalidade esportiva, de modo distinto das atividades recreativas e sociais, após terem sido submetidas a auditoria independente; VII - cumprimento dos contratos e regular pagamento dos encargos relativos a todos os profissionais contratados, referentes a verbas atinentes a salários, de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de contribuições previdenciárias, de pagamento das obrigações contratuais e outras havidas com os atletas e demais funcionários, inclusive direito de imagem, ainda que não guardem relação direta com o salário; VIII - previsão, em seu estatuto ou contrato social, do afastamento imediato e inelegibilidade, pelo período de, no mínimo, cinco anos, de dirigente ou administrador que praticar ato de gestão irregular ou temerária; IX - demonstração de que os custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas profissionais de futebol não superam 80% (oitenta por cento) da receita bruta anual das atividades do futebol profissional; e X - manutenção de investimento mínimo na formação de atletas e no futebol feminino e oferta de ingressos a preços populares, mediante a utilização dos recursos provenientes: a) da remuneração pela cessão de direitos de que trata o inciso I do § 2o do art. 28 desta Lei (...)".
O modelo preocupa-se, portanto, em, inicialmente, estabelecer "princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira"5 e, apenas como consequência, impor técnicas de "gestão transparente e democrática para entidades desportivas".
Em sua essência, é, como já afirmado, mais um programa de resgate, calcado em renúncias e favorecimento setorial, e não vinculado à transformação organizacional, que somente se atingirá com a regulação de instrumentos adequados para esta finalidade.
A contrapartida do salvamento, também se indicou acima, é a submissão a técnicas de intervenção estatal na governação de entidades privadas, e a fixação de parâmetros econômicos de imprevisível resultado. Por outro lado, as consequências, em caso de inobservâncias, são severas: a rescisão do parcelamento6. E, possivelmente, a insolvência do inadimplente.
O Profut parte de uma premissa equivocada: de que os agentes internos dos clubes dominarão todas as variáveis relacionadas à atividade econômica que praticam e que, apesar das vicissitudes conjunturais e estruturais, evitarão as penalidades de um modelo teórico punitivo.
Corre-se o risco de, em alguns poucos anos, ver-se a gestação de nova lei para socorrer os clubes excluídos, pela falta de capacidade de cumprimento das obrigações legais, ou sufocados pela incapacidade de ampliação de receitas em um ambiente cada vez mais competitivo.
Ambiente este que proporciona e estimula, é bom frisar, a expansão global dos times europeus, que se oferecem e se comercializam globalmente, inclusive no território brasileiro, com suporte em poderosa estrutura econômica e profissional.
Não deveria ser aquela, definitivamente, a base histórica dos modelos legislativos adotados pelos sucessivos governos brasileiros para regular e organizar o futebol, formada por técnicas de renúncia, imposição de obrigações improváveis, sanção, crise, novo programa de resgate, mais renúncia, e assim de maneira continua.
Eventuais contrapartidas ou adesões a planos com finalidades arrecadatórias não são necessariamente equivocadas ou inadequadas; ao contrário, integram, com frequência, a matriz legislativa reformatória, como no caso da lei portuguesa, que exige "(...) a regularização da situação tributária dos clubes ou por intermédio do 'pagamento integral de impostos e contribuições' ou através da adesão a planos de regularização definidos de acordo com o Código de Processo Tributário e legislação complementar"7.
Porém, o que se reivindica, para além de um plano midiático de salvamento, é a formulação de uma política desenvolvimentista de Estado - e que vai além, portanto, de interesses governamentais ou partidários -, dotada de mecanismos aptos à construção de um ambiente, de um novo ambiente, integrativo, tanto do ponto de vista econômico como social.
Vale apontar, aliás, porque muito relevante, que o Profut, em sua origem, ainda sob a forma propositiva, sugeria, além do escambo acima mencionado, resgatar a regulação da transformação de associações sem fins econômicos, ou seja, dos clubes associativos, em empresas, mediante a criação do Regime Especial de Tributação às entidades que adotassem alguma forma jurídica própria das empresas econômicas.
O veto da então Presidente da República, Dilma Rousseff, ao Capítulo V do Profut8, que instituía e disciplinava o regime, fez ressurgir o debate em torno desse quase mito, que, como a Fênix, converte-se e renasce das cinzas, de tempos em tempos.
A ideia, aparentemente boa9, não resistiria ao teste de aderência. Isto porque não se buscava operar um movimento de recuperação e desenvolvimento do futebol. Apenas se oferecia uma técnica primária de salvamento imediato, sem base sólida de preservação e sustentabilidade.
O Profut, por fim, não se revela propriamente um equívoco. Tem suas qualidades, sobretudo como meio de impedir a derrocada irreversível do esporte que já foi - e pode facilmente voltar a ser - motivo de orgulho nacional e de admiração internacional. Mas ele não salvará ou resgatará o futebol brasileiro.
Também não deve ser descaracterizado ou abandonado. Afinal, suas características estão compassadas com o momento existencial das entidades que se pretende salvar.
Mas sua utilidade somente se revelará efetiva se conjugado com uma política de revisão e reversão do modelo de estruturação, financiamento e governação das entidades de prática do esporte. Aliás, mais do que isso: de uma política que reconheça e estabeleça a via de direito própria para exercício da empresa econômica futebolística: a sociedade anônima do futebol.
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1 Esse tema foi apresentado e abordado, originalmente e de forma mais extensa, em Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento Sustentável do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento. Sã Paulo: Quartier Latin, 2016.
2 Anota-se, no direito comparado, que a motivação para reformulações do marco legislativo e para instituição de ambientes organizacionais compassados com as tramas relacionais contemporâneas, também foi, com frequência, o colapso econômico das entidades amadoras. Cf., a propósito, Candeias, Ricardo. Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anónima desportiva (contributo para um estudo das sociedades desportivas). Coimbra Editora, 2000, p. 25.
3 O prazo de opção pelo regime previsto no Profut expirou em 30 de novembro de 2015, conforme art. 9º da lei 13.155, de 04 de agosto de 2015. 85 clubes, dentre eles Atlético-MG, Cruzeiro, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Botafogo e São Paulo adeririam ao modelo. De acordo com dados da Receita Federal, os clubes ingressantes apresentavam débitos fiscais no valor de R$ 3,83 bilhões. Cf.
4 "Art. 3o A adesão ao Profut dar-se-á com o requerimento das entidades desportivas profissionais de futebol do parcelamento de que trata a Seção II deste Capítulo. Parágrafo único. Para aderir ao Profut, as entidades desportivas profissionais de futebol deverão apresentar os seguintes documentos: I - estatuto social ou contrato social e atos de designação e responsabilidade de seus gestores; II - demonstrações financeiras e contábeis, nos termos da legislação aplicável; e III - relação das operações de antecipação de receitas realizadas, assinada pelos dirigentes e pelo conselho fiscal".
5 Cf. art. 1o do Profut.
6 Cf. art. 16 do Profut.
7 Candeias, Ricardo. Op. cit, p. 25.
8 O Capítulo vetado era composto dos seguintes artigos, com as seguintes redações: "Art. 31. Fica instituído o regime especial de tributação aplicável às entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais de que tratam os arts. 26 e 27 da lei 9.615, de 24 de março de 1998, que se constituírem regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, desde que autorizado pela sua assembleia geral. Parágrafo único. A opção pelo regime especial de tributação de que trata o caput deste artigo dar-se-á na forma a ser estabelecida em ato do Poder Executivo, sendo irretratável para todo o ano-calendário. Art. 32. A entidade de prática desportiva que optar pelo regime especial de tributação de que trata o art. 31 desta Lei ficará sujeita ao pagamento equivalente a 5% (cinco por cento) da receita mensal, apurada pelo regime de caixa, o qual corresponderá ao pagamento mensal unificado dos seguintes impostos e contribuições: I - Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ; II - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP; III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS; e V - contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. §1o Para fins do disposto no caput deste artigo, considera-se receita mensal a totalidade das receitas auferidas pela entidade de prática desportiva, inclusive as receitas financeiras e variações monetárias decorrentes de suas atividades. §2o A opção pelo regime especial de tributação obriga o contribuinte a fazer o recolhimento dos tributos, mensalmente, na forma do caput deste artigo, a partir do mês da opção. § 3o O disposto no § 6o do art. 22 da lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, não se aplica às receitas auferidas pela entidade de prática desportiva que optar pelo regime especial de tributação de que trata o art. 31 desta Lei. Art. 33. O pagamento unificado deverá ser feito até o vigésimo dia do mês subsequente àquele em que houver sido auferida a receita. Art. 34. Para fins de repartição de receita tributária, do percentual de 5% (cinco por cento) de que trata o caput do art. 32 desta lei: I - 1,71% (um inteiro e setenta e um centésimos por cento) corresponderá à Cofins; II - 0,37% (trinta e sete centésimos por cento) corresponderá à Contribuição para o PIS/Pasep; III - 1,26% (um inteiro e vinte e seis centésimos por cento) corresponderá ao IRPJ; IV - 0,66% (sessenta e seis centésimos por cento) corresponderá à CSLL; e V - 1% (um por cento) corresponderá às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991. Art. 35. A opção pelo regime especial de tributação instituído pelo art. 31 desta lei perderá a eficácia, caso não se verifique o pagamento pela entidade de prática desportiva das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, inclusive direitos de imagem de atletas, salvo se com a exigibilidade suspensa na forma da legislação de referência. Parágrafo único. A entidade de prática desportiva poderá apresentar, até o último dia útil do ano-calendário, termo de rescisão da opção pelo regime especial de tributação instituído pelo art. 31 desta Lei, válido para o ano-calendário seguinte, na forma a ser estabelecida em ato do Poder Executivo. Art. 36. Aplica-se o disposto no art. 8o da lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no art. 10 da lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, às receitas auferidas pelas entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais de que tratam os arts. 26 e 27 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, que se constituírem regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e que não optarem pelo regime especial de que trata o art. 31 desta lei".
9 V., a propósito, Manssur, José Francisco C; Ambiel, Carlos Eduardo; e Souza, Ewerton de. Por que derrubar o veto ao clube-empresa.