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A necessidade de um novo marco regulatório do futebol e a desnecessidade de uma lei qualquer: a responsabilidade do Senado Federal

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Atualizado às 09:28

O fim do regime ditatorial e as perspectivas de um novo período democrático tiveram forte influência no modelo organizacional do futebol que se passou a propor e que, com efeito, se institui a partir de princípios que foram estampados, aliás, na Constituição Federal de 1988.

É nela, em seu art. 217, que se encontra a pseudoliberdade organizativa, outrora tida como essencial para evitar a intromissão estatal, mas que, na prática, revelou-se a via institucional (ou constitucional) de sequestração do futebol.

A partir daí, fortaleceu-se o mito de que o futebol "é coisa nossa", do povo, do torcedor, criando-se o ambiente perfeito para o encastelamento de dirigentes que usaram e abusaram da passividade, dos equívocos e da leniência do Estado, de um lado, e da falta de interesse do mercado, de outro. O futebol passou, então, a ser deles.

O resultado desse modelo, que ainda vige no país - construído, pois, do ponto de vista formal, sobre pilares legais -, é por todos conhecido: com exceção de focos de exuberância, em sua maioria conjunturais, sobressaem (i) o subsídio estatal, (ii) a ausência de investimentos privados sustentáveis, (iii) a insolvência dos clubes, (iv) a exportação descontrolada e sem planejamento de "pé-de-obra" (ou de commodities), (v) a batalha da maioria dos atletas por salários que mal garantem a comida sobre a mesa da família e (vi) as dificuldades pós carreira.

Nem mesmo a seleção brasileira, outrora motivo de orgulho nacional, passa incólume: a crescente apatia da população em relação ao seu manto amarelo somente se interrompeu, e por breves lampejos, em sua indevida apropriação para fins políticos, em manifestações contrárias ao Governo eleito em 2014, que, na sequência, foi impedido pelo Congresso Nacional.

O Estado-Legislador teve algumas oportunidades de transformar o ambiente do futebol, mas se equivocou em suas intervenções, especialmente por meio daquelas que passaram a ser conhecidas como Leis Zico e Pelé.

Apesar do propósito formal nelas contido, de atração de financiadores da atividade futebolística, a ausência de uma solução estrutural resultou (i) no surgimento de movimentos de resistência por parte dos clubes - ou melhor, dos dirigentes que, naqueles momentos, pretendiam defender interesses próprios -, e (ii) no aparecimento de poucos e sinistros grupos nacionais ou internacionais interessados na empresa futebolística.

Esses episódios costumam ser trazidos à luz, de modo sofismático, para justificar a inviabilidade de outra tentativa reformadora: afinal, se não funcionaram lá atrás, não funcionará agora.

Criou-se, assim, mais um dogma, que se soma àqueles que, historicamente, sustentam o poder cartolarial - tais como a (i) inviabilidade da tributação da atividade esportiva e (ii) o papel de protetor da cultura local desempenhado pelo clube associativo sem finalidade lucrativa.

Eis que novas oportunidades surgiram: a primeira, com o PL 5.082/16, de autoria do então deputado Federal Otavio Leite (PSDB/RJ), acometido, nos estertores do ano legislativo de 2019, por um substitutivo que o descaracteriza, aprovado em regime de urgência/urgentíssima e remetido ao Senado Federal; e, mais recentemente, a segunda, por intermédio do PL 5.516/19, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), que, ao sintetizar e incorporar mais de 4 anos de debates e de convergências em diversos ambientes da sociedade, cria o novo "Sistema do Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol, o estabelecimento de normas de governança, controle e transparência, a instituição de meios de financiamento da atividade futebolística e a previsão de um sistema tributário transitório", ou seja, uma solução estrutural e sustentável.

Diante das perspectivas nada alvissareiras, o esforço legislativo deve ser definitivo. Não há mais tempo para tratamento paliativo, para propostas apenas razoáveis ou possíveis, que solucionem problemas imediatos ou temporários, de um ou de outro time.

O Congresso Nacional - e, agora, especialmente o Senado Federal - tem, em suas mãos, a oportunidade de prover à sociedade um modelo salvador, que, assim como fizeram outros países protagonistas - cada um levando em conta as suas características -, poderá viabilizar o resgate e o desenvolvimento do futebol, para que, assim, ele se projete como atividade essencial que é, do ponto de vista econômico, social e educacional. Ou, então, se seguir o caminho errático das medidas anteriores, de perdê-lo, em caráter definitivo, aos seus algozes.