O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA

1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 Marcelo Magalhães Peixoto*

Ao disciplinar o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza o legislador pátrio tem o dever  de observar e respeitar todos os Princípios Constitucionais Tributários relativos a esse imposto, sem qualquer exceção.  

Assim, aplicam-se a ele, entre outros, os princípios da legalidade, irretroatividade, princípio da igualdade, princípio da pessoalidade, princípio da capacidade contributiva, impossibilidade de confisco, princípio da generalidade, princípio da universalidade e princípio da progressividade.  

Desta feita, faz-se mister indagarmos: Podemos depreender o Conceito de Renda diretamente da Constituição Federal? Ou devemos construir o Conceito de Renda a partir do Código Tributário Nacional [1] (C.T.N.)? Em nosso pensar, o Conceito de Renda deve ser construído, impreterivelmente, diretamente do Texto Magno[2]; pois o Sistema Tributário Nacional é, data venia, totalmente constitucionalizado. Vale dizer, a Norma Padrão de Incidência dos Tributos está contida na Constituição Federal, que de uma maneira direita ou indireta  aponta[3]: a Hipótese de Incidência possível – o Sujeito Passivo possível – o Sujeito Ativo possível – Base de Cálculo possível e a Alíquota possível[4].

 

Corroborando esse entendimento, JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES[5] professora que: “está sedimentado que o conceito de renda não pode ficar – e não fica – à disposição do legislador infraconstitucional e que, por outro lado, o conceito de renda não está explicitado no texto constitucional, impõe-se deduzir um conceito de renda pressuposto pela constituição.”

 

Antes de iniciarmos a construção do conceito constitucional de renda e, já tendo reconhecido nas lições de Lima Gonçalves de que o conceito constitucional de renda não se encontra de forma explícita, mas sim, encontra-se de forma implícita no texto supremo; de toda sorte, é mister relembrar que os princípios podem ser explícitos ou implícitos, ou seja, não há hierarquia entre os princípios explícitos e implícitos, ambos possuem a mesma importância no ordenamento jurídico.

 

Nesse sentido, é o escólio de Souto Borges Maior que[6] nos ensina: “O princípio implícito não difere senão formalmente do expresso. Têm ambos o mesmo grau de positividade, não há uma positividade ‘forte’ (a expressa) e outra ‘fraca’ (a implícita). Um princípio implícito pode muito bem ter eficácia (= produzir efeitos) muito mais acentuada do que o princípio expresso”.

 

Aliomar Baleeiro[7], em seu clássico “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar” nos ensina: “A eficácia dos princípios implícitos é equiparável à das regras expressas.”

No mesmo sentido é a posição de Pontes de Miranda, A R Sampaio Dória, Ruy Barbosa, Carlos Maximiliano entre outros[8].

 

Dando seqüência, vejamos o trabalho de hermenêutica elaborado por Lima Gonçalves na busca de um conceito constitucional de renda. O autor identifica, no texto constitucional, alguns conceitos que, de um modo ou de outro, aproximam-se, tangenciam ou influem no conceito de renda. Tal ocorre com “faturamento”, “patrimônio”, “capital”, “lucro”, “ganho”, “resultado”etc; após buscar conceitos aproximados de renda, José Artur Lima Gonçalves sustenta:

“Identificados e apartados esses conceitos próximos, encontraremos parâmetros mínimos que, muito embora genéricos e carregados de incertezas – que servirão de pretexto para abusos do legislador ordinário e, até mesmo, da administração -, constituem o conteúdo semântico mínimo do conceito constitucional pressuposto de renda[9]”.  

 

De toda sorte, Lima Gonçalves traduz esse conteúdo semântico da seguinte forma:

 

“(i) saldo positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo de um dado (iii) período[10]. 

 

E continua:

“Renda haverá, portanto, quando houver sido detectado um acréscimo, um plus; tenha ele, ou não, sido consumido; seja ele, ou não, representado por instrumentos monetários, direitos, ou por bens, imateriais ou físicos, móveis ou imóveis, agora não importa(...)

Para que haja renda, deve haver um acréscimo patrimonial – aqui entendido como incremento (material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direitos ou bens, de qualquer natureza – o que importa é o valor em moeda do objeto desses direitos) – ao conjunto líquido de direitos de um dado sujeito”.[11]

Na síntese conclusiva de sua obra, LIMA GONÇALVES sustenta que a Constituição Federal pressupõe o conceito de renda consistente em um acréscimo decorrente do confronto de entradas e saídas relevantes, ao longo de um período de tempo[12].

 

JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA[13] em capítulo de seu clássico Imposto de Renda, escrito sob a égide da Constituição Federal de 1967 – alterada pela Emenda Constitucional nº1 de 1969 asseverou que:

“A Constituição Federal autoriza a União a impor tributos sobre a ‘renda e os proventos de qualquer natureza’. No exercício do Poder Legislativo cabe ao Congresso Nacional definir, na legislação ordinária, o que deve ser entendido por renda, para efeitos de tributação. Mas ao definir a renda tributável o Congresso Nacional tem o seu poder limitado pelo sistema constitucional de distribuição de poder tributário, e fica sujeito à verificação, pelo Poder Judiciário, da conformidade dos conceitos legais com os princípios da Constituição. O Congresso pode restringir ou limitar o conceito de renda e proventos de qualquer natureza constante da Constituição, mas não ampliá-lo além dos limites compatíveis com a distribuição constitucional de rendas.” 

 

Destarte, LUCIANO AMARO[14], professor da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, de forma irônica, ressalta que, mesmo quando a lei ordinária diga, com todas as letras, que o imposto sobre a renda do ano passado é tributo deste ano, ou é devido neste ano ou incide neste ano, ou, noutra formulação, ainda que a lei assevere que a renda do ano passado é considerada auferida neste ano ou configura fato gerador ocorrido neste ano – tudo isso será uma gritante mentira. E a mentira (mesmo quando proclamada pela lei) não vale contra a Constituição, sob pena de solapar-se a certeza e a segurança do Direito, pois, mediante artifícios e ficções (ainda que solenemente arquitetados em leis), driblar-se-iam quaisquer postulados constitucionais.  

ROBERTO QUIROGA MOSQUERA[15] também preleciona que os conceitos existentes no artigo 43 do CTN devem necessariamente adequar-se ao Conceito Constitucional de “Renda” e “Proventos de Qualquer Natureza” extraídos da Carta Maior. É dizer: o conteúdo do artigo 43 do CTN não pode estar dissociado da noção contida na Constituição Federal dos termos aludidos. Destarte, o mesmo professor transcreve as lições do mestre CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

“Bandeira de Mello aponta que as normas infraconstitucionais não podem conferir aos termos ‘renda’ e ‘proventos’ uma conotação ou denotação transbordantes do sentido admissível na intelecção normal e daqueles demarcados constitucionalmente. Ressalta ainda o ilustre jurista que, caso fosse negada essa assertiva, de que as significações das normas jurídicas de hierarquia inferior devem adequar-se às significações de ‘renda’ e ‘proventos’ presentes no Texto Supremo, os preceptivos constitucionais teriam valência nula, isto é: não se prestam a cumprir sua única e específica função: demarcar, na qualidade de regras superiores, o campo de liberdade do legislador, assim como de todos os regramentos, atos e intelecções sucessivos. Deveras, se o legislador ou o aplicador da regra pudessem delinear, a seu talante, o campo de restrições a que estão submetidos, através da redefinição das palavras constitucionais, assumiriam, destarte, a função de constituinte”. 

ROBERTO QUIROGA, nas conclusões de seu Renda e Proventos de Qualquer Natureza[16], ressalta que “o patrimônio das pessoas é o critério basilar adotado pelo legislador constitucional para repartir as competências tributárias entre as pessoas jurídicas de direito público[18]. É o índice de riqueza capaz de medir a capacidade econômica das pessoas. Constitui o patrimônio o conjunto de direitos reais e pessoais do cidadão, bem como o conjunto de suas obrigações. O texto constitucional resguarda a referida universalidade de forma manifesta, impedindo o abuso das autoridades governamentais. E ressalta: é sobre o patrimônio das pessoas que o legislador tributário se nutre para satisfazer os encargos públicos. Diante disso, conclui-se que os tributos, em geral, atingem elementos patrimoniais das pessoas. Essa incidência sobre o patrimônio pode ser classificada em dois sentidos, a saber: a) estático; b) dinâmico”.

 

A tributação do patrimônio em seu sentido estático ocorre quando este não sofre mutações, já a tributação do patrimônio em seu sentido dinâmico ocorre quando há mutação de seus elementos[19], o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza enquadra-se nessa hipótese.

 

De qualquer sorte, dentro do aspecto da tributação dinâmica do patrimônio pode-se classificar os impostos em duas subespécies, quais sejam: a) aqueles que incidem sobre o valor dos elementos do patrimônio em si mesmo, independentemente de haver acréscimo ou não de seus elementos; b) aqueles que incidem sobre o valor da mutação do patrimônio que se constitui num acréscimo de seus elementos[20]. ROBERTO QUIROGA[21] conclui que:

“a Constituição Federal ao eleger as bases de cálculo dos tributos descreveu critérios e padrões de aferição que oneram o conjunto de direitos patrimoniais.”

E arremata:[22]

“O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza incide sobre o elemento patrimonial que se constitui numa majoração de patrimônio, isto é, incide sobre a riqueza nova, renda e proventos de qualquer natureza são elementos patrimoniais que não existiam antes no conjunto de direitos pré-existentes das pessoas e que não representam uma mera reposição de elementos patrimoniais ou permuta. Acréscimo, incremento ou majoração de elementos patrimoniais (riqueza nova) não se confunde com ingresso, entrada ou reposição de direitos patrimoniais (riqueza velha)”.

 

De qualquer sorte, o professor PAULO AYRES BARRETO[23] sustenta que da análise do Texto Constitucional conclui-se que a expressão renda e proventos de qualquer natureza deve ser interpretada como um acréscimo a um dado conjunto de bens e direitos (patrimônio), pertencentes a uma pessoa (física ou jurídica), observado um lapso temporal necessário para que se realize o cotejo entre certos ingressos, de um lado, e determinados desembolsos, de outro.

 

Sobre o art.43 do CTN PAULO AYRES[24] sustenta:

 

“O conteúdo do enunciado prescritivo veiculado pelo CTN, em seu art.43, não desborda o conceito constitucional de renda. Deveras, a referência a proventos de qualquer natureza, como acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior, impõe a seguinte conclusão: nos termos do CTN os acréscimos patrimoniais sujeitos à incidência do imposto sobre a renda são os enunciados no inciso I do art. 43 ou quaisquer outros. Vale dizer, por analogia, as cores escolhidas para colorir esta superfície são preto, branco, cinza ou qualquer outra.”

 

Com efeito, estamos convencidos de que o legislador infraconstitucional ao exercer a sua competência atinente ao Imposto Sobre a Renda está adstrito ao que preceitua o Texto Supremo, ou seja, não poderá, em hipótese alguma, ampliar o Conceito de Renda, pois se assim o fizer irá incorrer em cabal inconstitucionalidade.  

 

2 - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO IMPOSTO DE RENDA

 

 Ao disciplinar o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, o legislador pátrio tem o dever de observar e respeitar os Princípios Constitucionais tributários, sem qualquer exceção. Assim, aplicam-se a ele, entre outros, os princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade, isonomia, impossibilidade de confisco, capacidade contributiva.  

 

Ademais, exige o Texto Constitucional em seu artigo 153, §2º, inciso I, que o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza seja informado, nos termos da lei, pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade.

 

Isso significa que o Imposto de Renda deverá incidir sobre todas as espécies de rendas e proventos de qualquer natureza (generalidade[25]), auferidos por todas as pessoas – observados os limites da própria competência tributária (universalidade) e que, quanto maior o acréscimo de patrimônio, maior deverá ser a alíquota aplicável (progressividade).

 

De toda sorte, ressaltamos que o constituinte originário exigiu que o legislador ordinário, ao exercer a sua competência tributária[26] atinente ao Imposto sobre a Renda, tribute as rendas e os proventos de qualquer natureza de forma geral e não seletiva[27], isto é, sem qualquer diferenciação entre as espécies de renda ou proventos, em decorrência da origem, natureza ou destino. No mesmo sentido, prescreve a Carta Magna que todas as pessoas, físicas ou jurídicas, devem contribuir para os cofres públicos a título de Imposto de Renda, ou seja, que a tributação deve abarcar, em geral, todos aqueles que auferiram renda ou proventos de qualquer natureza[28].

 

Por fim, determina o constituinte que a tributação do Imposto Sobre a Renda se faça de forma progressiva, vale dizer, quanto maior a renda, maior a alíquota do imposto.

 

A relevância destes princípios no conceito de renda, pode-se dizer que de acordo com o princípio da generalidade, o Imposto de Renda deve incidir sobre todas as rendas auferidas pelos contribuintes no período-base, ou seja, entrelaçando-se no critério material da Regra Matriz do Imposto de Renda; respeitado igualmente o princípio da capacidade contributiva (mínimo vital) e excetuados os casos de isenção, os quais devem ser devidamente justificados em face dos princípios constitucionais, já que o princípio geral é o da universalidade.

 

O princípio da universalidade (art.153, §2º, I) decorre do princípio da isonomia. Na verdade, ele não é mais do que uma aplicação desse princípio ao Imposto de Renda. Significa simplesmente que o Imposto de Renda deve incidir e ser cobrado, tanto quanto possível, de todas as pessoas. O princípio da universalidade encontra-se no critério pessoal da Regra Matriz da Incidência Tributária.

 

O princípio da progressividade (art.153, §2º, I), no entanto, também é uma decorrência do princípio da isonomia. Está, porém, relacionado com os princípios da capacidade contributiva e da pessoalidade. Esse princípio determina a existência de diversas alíquotas para o Imposto Sobre a Renda, de acordo com a faixa de renda do contribuinte.

 

Assim o valor a ser pago a título de Imposto de Renda oscilará não somente com a variação da base de cálculo, mas também com a variação da alíquota; neste caso a correlação se faz com o critério quantitativo da Regra Matriz da Incidência Tributária, ou seja, quanto maior a renda do contribuinte, maior será a base de cálculo do tributo e, igualmente, maior será a alíquota sobre ela incidente.

 

Contudo, vejamos como é a progressividade do Imposto de Renda Pessoa Física no Direito Comparado:

 

Segundo a Ernst & Young’s (Guide to the New Tax Law, New York. Willey & Sons, Inc. 1993, p. XIV), a progressividade aumentou para o ano de 1993, estando em vigor nos EUA, em 01.01.1993, no imposto de renda das pessoas físicas, seguintes alíquotas básicas[29]:

 

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRCIA

  

Alíquota

(%)

Renda Tributável ($)

 

Solteiro

Casados

Declarando Juntos

Casados

Declarando

em Separado

Arrimo/

Família

15%

28%

31%

36%

39,6%

22.100

22.100-53.500

53.500-115.000

115.000-250.000

250.000

36.900

36.900-89.150

89.150-140.000

140.000-250.000

250.000

18.450

18.450-44.575

44.575-70.000

70.000-125.000

125.000

29.600

29.600-76.400

76.400-127.500

127.500-250.000

250.000

 

 A Inglaterra, sob a influência do partido conservador, empreendeu reformas tributárias para reduzir a progressividade, tanto no Imposto de Renda, como no Imposto sobre Sucessões. Porém, após sucessivas alterações para o exercício financeiro de 1990-1991, as alíquotas máximas de ambas as espécies impositivas continuam de 40% (quarenta por cento), a saber:

 

 Progressividade na Inglaterra (1990 – 1991)

Imposto sobre a Renda

Renda tributável até 20.700 libras

Renda remanescente, acima de 20.700

25%

40%

        

Na Alemanha não é muito diferente, vejamos:

  

Progressividade na Alemanha (1990 – 1991)[30]

Imposto de Renda

(Após sucessivas leis de redução da carga tributária)

Montante isento: até 5.616 DM

Zona de proporcionalidade inferior:

5.617 a 8.153 DM

Zona de progressividade (c/ fórmulas matemáticas de elevação gradativa das alíquotas a cada aumento da renda tributável): 8.154 a 120.041 DM

Zona proporcional superior: a partir de 120.042 DM

Nil

 

19% (-1.067 DM )

 

 

 

até 53%

 

53% (-22.842 DM)

 

De toda sorte, como podemos perceber, é pelo meio da progressividade que se poderá aliviar – de forma substancial – a carga tributária dos que obtêm baixa renda, ou seja, da classe mais pobre. Sendo assim, tributar-se-á com alíquotas mais altas os rendimentos mais elevados. Agora com relação a progressividade no Brasil, ela existe? Será que uma tabela progressiva de duas faixas (15% e 27,5%) cumpre o preceito constitucional da progressividade?

 

Em artigo publicado por nós no Repertório IOB de Jurisprudência[31]  enfrentamos esse tema - citamos o eminente professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO que sustenta: “o Imposto de Renda, propriamente dito, conhece três repartições: o IR das pessoas jurídicas, o IR das pessoas físicas, o IR incidente nas fontes”.
 
Segue o professor da escola de Minas:
 
“o imposto de renda das pessoas físicas, por ser o mais sensível às gentes, está se encaminhando para a simplificação e a praticibilidade, ainda que com sacrifício de alguns princípios jurídicos caros, quais sejam, o da progressividade e o da capacidade contributiva”[32]

        

Em oposição à respeitável doutrina, PAULO AYRES em trabalho recente efetua as seguintes refutações: “é tradição no direito brasileiro, na definição da alíquota desse imposto em relação às pessoas físicas, a estipulação da chamada ‘parcela a deduzir’; e continua PAULO AYRES; “o conjugarmos alíquota e parcela a deduzir surge, ao lado da alíquota nominal, a alíquota efetiva, aplicável a cada caso concreto, evidenciadora de inequívoca progressividade”[33].

Ainda nos referindo às considerações de PAULO AYRES, para evidenciar as alíquotas reais e efetivas para as diferentes bases de cálculos, o aludido professor transcreve a tabela abaixo:.

 

Remuneração – R$

 

Alíquota Nominal

 

Alíquota Efetiva

Até 900,00

0

0

1.000,00

15%

1,5%

1.500,00

15%

6%

3.000,00

27,5%

15,5%

6.000,00

27,5%

21,5%

30.000,00

27,5%

26,30%

100.000,00

27,5%

27,14%

1.000.000,00

27,5%

27,46%

 

Após a elaboração da referida tabela, PAULO AYRES introduziu argumento irrefutável sobre a efetiva progressividade do Imposto de Renda das Pessoas Físicas no Brasil, pois a parcela a deduzir esconde a alíquota efetiva incidente sobre o Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas. De sorte, fazemos coro com PAULO AYRES, ou seja, pelo menos com relação à progressividade do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, o legislador infraconstitucional seguiu o que preceitua a Carta Republicana.

 

3 – CONCLUSÃO

 

De todo o exposto, concluímos que o art.153, III da CF/88 estabeleceu competência para a União instituir Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, reiterando, vale dizer, em trabalho de nossa autoria publicado no Repertório IOB de Jurisprudência[34] ressaltamos, com base nas lições de Roque Antônio Carazza, que o Sistema Tributário Nacional é, data venia, totalmente constitucionalizado, ou seja, a Norma Padrão de Incidência dos Tributos está contida na Constituição Federal – que de uma maneira direta ou indireta – aponta: a Hipótese de Incidência possível – o Sujeito Passivo possível – o Sujeito Ativo possível – Base de Cálculo possível e a Alíquota possível.

 

Desta feita, podemos dizer que a doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar que o Critério Material do Imposto de Renda é construído a partir do Texto Constitucional. Vejamos o que a Suprema Corte decidiu no Recurso Extraordinário nº 117.887-6/SP:

 

“Não obstante isso, não me parece possível a afirmativa no sentido de que possa existir renda ou provento sem que haja acréscimo patrimonial, acréscimo patrimonial que ocorre mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso.”

 

Sendo assim, diante da referida decisão, e dos ensinamentos doutrinários aqui expostos, podemos afirmar com hialina clareza que não se pode falar em renda sem o complemento acréscimo patrimonial. Quanto a isso não encontraremos divergências na doutrina nem na Jurisprudência, ambas concordam que a renda advém necessariamente conjugada com o complemento acréscimo patrimonial. A única divergência que existe – inclusive entre os doutrinadores – é a definição do que seria, acréscimo patrimonial; se renda é acréscimo no patrimônio, o que seria esse acréscimo patrimonial? O Código Tributário Nacional fala em Disponibilidade Econômica ou Jurídica, mas, nesse trabalho, a nossa construção do Conceito de Renda terá como ponto de partida a Carta Cidadã[35], de sorte que, ao nosso pensar, a renda é necessariamente o confronto de entradas e saídas, vale dizer, receitas e despesas/custos no transcorrer de um período “que para nós será um ano”; de toda forma, a renda configurar-se-á na ocorrência de um acréscimo no patrimônio (riqueza nova) de uma pessoa física ou jurídica, a um dado conjunto de bens e direito. Esse acréscimo pode ter sido consumido ou poupado.

 

Com relação à progressividade – após a elaboração da referida tabela[36], PAULO AYRES introduziu argumento irrefutável sobre a efetiva progressividade do Imposto de Renda das Pessoas Físicas no Brasil, pois a parcela a deduzir esconde a alíquota efetiva incidente sobre o Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas, contudo, reiteramos, pelo menos com relação à progressividade do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, o legislador infraconstitucional seguiu o que preceitua a Carta Republicana.

 

[1] Lei 5.172, de 25.10.1966.

[2] O art.153, III do Texto Supremo outorgou competência à União para instituir Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.

[3] Peixoto. Marcelo Magalhães, In REPERTÓRIO IOB DE JURISPRUDÊNCIA – 1º quinzena de outubro de 2001 – Nº19/2001, caderno 2 página 565): “O Sistema Tributário Nacional é, data venia, totalmente constitucionalizado, ou seja, a Norma Padrão de Incidência dos Tributos está contida na Constituição Federal – que de uma maneira direita ou indireta – aponta:  a Hipótese de Incidência possível – o Sujeito Passivo possível – o Sujeito Ativo possível – Base de Cálculo possível e a Alíquota possível. Roque Antônio Carrazza in Curso de Direito Constitucional Tributário, Editora Malheiros, 1999, pág.337.

[4] Essa norma padrão a que estamos nos referindo é a chamada por Paulo de Barros Carvalho de Regra Matriz de Incidência Tributária, é a norma que irá determinar in concreto a relação jurídica tributária in abstrato.

[5] Imposto Sobre a Renda – pressupostos constitucionais. Editora Malheiros. Ano de 1997. Página nº 170/171.

[6] “Princípio da Segurança Jurídica na Criação e Aplicação do Tributo”, IN RDT 63/207.  

[7] Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, p.249.

[8] Conforme nos informa José Arthur L. G. in obra citada p. 175.

[9] In obra citada. P. 179.

[10] In obra citada. P. 180.

[11] In obra citada. P. 180

[12] In obra citada. P. 215.

[13] Imposto de Renda. Editora  APEC, 1969. Pág. 2-21.

[14] O Imposto de Renda e os Princípios da Irretroatividade e da Anterioridade. Revista de Direito Tributário nº25/26, p.153.

[15]Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O imposto e o conceito constitucional, Editora Dialética 1996, pág. 40. (Roberto Quiroga ressalta: “Não se está afirmando, por ora, que o artigo 43 não obedeceu aos ditames constitucionais; apenas se está alertando que não se deve adotar como postulado ou dogma uma determinada definição estipulativa, sem se verificar a adequação do seu conteúdo ao contido em lei de hierarquia superior.”).

[16] Dissertação que foi publicada em livro: Renda e Proventos de Qualquer Natureza; Editora Dialética. Ano de 1996.  p.118.

[17] Ressalta o autor na p.94 e 95: “É bom que se alerte que não se está a dizer que todos os impostos incidem sobre o patrimônio e, sim, que os tributos atingem, refletem sobre elementos patrimoniais”.

[18] Quiroga explica na p.95: “Quando falamos de tributação em seu sentido estático, estamos afirmando que o legislador, nessas hipóteses, elencou como realidade fática passível de incidência tributária, elementos do patrimônio quando estes não sofrem mutações. Melhor dizendo, o Texto Maior atribuiu competência às pessoas políticas para tributar o patrimônio – com impostos – quando não houvesse circulação ou transmissão jurídica de seus elementos. Tributa-se a permanência em um determinado patrimônio de direitos reais e pessoais. O legislador toma como signo-presuntivo de riqueza o fato do contribuinte manter o conjunto de seus bens e direitos, um determinado elemento. O que revela capacidade contributiva do contribuinte é a acumulação de direitos patrimoniais e não a sua transmissão ou transferência. No caso não há ingresso ou decréscimo de direitos ou obrigações”... Logo depois, Quiroga conclui que: “São casos de tributação do patrimônio em seu sentido estático previstos na  Constituição Federal: a) o imposto sobre a propriedade territorial rural; b) o imposto sobre grandes fortunas; c) o imposto sobre a propriedade de veículos automotores;  e d) o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. Todos esses impostos incidem sobre direitos que não sofrem mutações, sejam eles apenas elementos do patrimônio (item “a”, “c”, e “d” acima) ou o próprio patrimônio como universalidade (item “b” acima). A permanência no conjunto de direitos reais de um determinado indivíduo, dos direitos de propriedade sobre imóveis rurais e urbanos e sobre veículos automotores é que desencadeia o pagamento dos impostos referidos, com a transferência de parcela de patrimônio particular para o patrimônio do Estado. O fato do conjunto de bens e direitos do cidadão conceituar-se como ‘grandes fortunas’ é que possibilita a cobrança por parte da União do imposto inserto no artigo 153, inciso VII, do Texto Maior. Tributa-se a imobilização de direitos patrimoniais e não sua transmissão e transferência”.                             

[19] Quiroga explica na p. 96: “Por outro lado, identifica-se uma repartição de competências tributárias que levou em consideração a realidade econômica de haver ingressos, circulação, transferência, transmissão e cessão de elementos patrimoniais. É o aspecto dinâmico da tributação do patrimônio. Nessa hipótese, tem relevância para o Estado a mutação de elementos pertencentes ao patrimônio ou, mesmo, a mutação do patrimônio em sua inteireza. A saída e entrada de elementos patrimoniais revela a capacidade contributiva dos respectivos contribuintes. A tributação do patrimônio sob o ponto de vista dinâmico traduz a incidência de exações tributárias sobre a circulação da riqueza. São casos de tributação do patrimônio em seu sentido dinâmico na Carta Republicana de 1988: a) o imposto sobre a importação de produtos estrangeiros; b) o imposto sobre a exportação de produtos nacionais ou nacionalizados; c) o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza; d) o imposto sobre produtos industrializados; e) o imposto sobre crédito, câmbio, seguro e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários, f) o imposto sobre a transmissão causa mortis e doações, de quaisquer bens ou direitos; g) o imposto sobre a circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; h) o imposto sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. Os impostos elencados nas alíneas acima, incidem, pois, sobre operações que acarretam a modificação dos elementos patrimoniais, seja por intermédio da transferência de seus elementos entre as pessoas, seja pelo ingresso de direitos novos que passam a integrar o patrimônio dos respectivos indivíduos”.  

[20] Quiroga explica na p. 102 e 103: “Dentre aqueles impostos que oneram o patrimônio no seu aspecto dinâmico, o único a incidir sobre a mutação patrimonial que corresponde a um acréscimo (não mero ingresso) nos elementos patrimoniais é o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Usando outra falar: a base de cálculo do aludido imposto é o valor correspondente ao acréscimo de elementos patrimoniais e não o valor dos elementos já integrantes do patrimônio. O imposto mencionado incide sobre riqueza nova, original, primária, assim entendida a riqueza que passa a integrar o patrimônio dos indivíduos em certos momentos... Já o Imposto de Importação, continua Quiroga na página 103: incide sobre o valor do bem importado. A operação de importação traduz o ingresso de um elemento patrimonial para o importador (aquisição de bem) e ao mesmo tempo a saída de um outro elemento patrimonial (dinheiro). Com a realização e concretização da importação passa a integrar o patrimônio do contribuinte o respectivo bem importado. O legislador, nesse caso, está a tributar a operação de importação (hipótese de incidência), que por sua vez, adota como critério para cálculo do respectivo imposto o valor do bem importado, sem levar em consideração se essa mutação de elementos do patrimônio representa um acréscimo ou não”.  

[21] Ob citada, in p.118.

[22] Ob citada, in p.118.

[23] Imposto Sobre a Renda e Preços de Transferência, Ed. Dialética, São Paulo – 2001, p. 73.  

[24] Ibidem, p. 73.

[25] Ricardo Mariz de Oliveira: “Entenda generalidade como a submissão de todos os gêneros e espécies de rendas e proventos à incidência do imposto, preceito este que se espraia por outros dispositivos constitucionais, assim como o da universalidade, que significa a abrangência do universo das pessoas adquirentes de rendas e proventos no campo da tributação”(Caderno de Pesquisas Tributárias 14/177, São Paulo, CEEU/Resenha Tributária, 1989.

[26] A Carta Suprema não criou tributos. Realmente, estamos convencidos de que a Constituição brasileira não criou tributos, mas, apenas, discriminou competência para que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, por meio de lei, venham a fazê-lo. Poderia, é certo, tê-lo feito, já que o poder constituinte é soberano. Preferiu, todavia, permitir que cada pessoa política, querendo, institua os tributos de sua competência. Roque Antônio Carraza, In seu Curso de Direito Constitucional Tributário, Editora Malheiros, 1999, p.334.

[27] Sobre a seletividade (sobre o IPI). Henry Tilbery. Direito Tributário Atual, Ed. IBDT e Resenha Tributária, v. 10, 1990, pág. 2969/3031. assevera: “O conceito de ‘essencialidade’ não deve ser interpretado estritamente para cobrir apenas necessidades biológicas (alimentação, vestuário, moradia, tratamento médico), mas deve abranger também aquelas necessidades que sejam pressupostos de um padrão de vida mínimo decente, de acordo com o conceito vigente da maioria. Conseqüentemente, os fatores que entram na composição das necessidades essenciais variam de acordo com o espaço (conforme países e regiões) e o tempo (grau de civilização e tecnologia).

Em um país, que se encontra em fase avançadíssima de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a imposição seletiva sobre o consumo de função da essencialidade é um instrumento para frenar o consumo de produtos indesejáveis ou ao menos necessários e liberar forças para investimentos merecedores de apoio, e, ao mesmo tempo, constitui instrumentalidade para nivelar diferenças excessivas no consumo de diversas classes em diversificadas zonas e alcançar a meta de redistribuição de rendas e maior aproximação da Justiça Fiscal”.

[28] Roberto Quiroga Mosqueira. In: Tributação no Mercado Financeiro e de Capitais, p. 170. Ed. Dialética, 1999.

[29] Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzil, 11º edição, Editora Forense, Rio de Janeiro 1999, p. 293.

[30]Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel de Abreu Machado Derzil, 11º edição, Editora Forense, Rio de Janeiro 1999, p. 294. 

[31] Marcelo Magalhães Peixoto, In Repertório IOB de Jurisprudência nº 2/2002 – 2º quinzena de janeiro/2002. (O Critério Quantitativo do Imposto de Renda da Pessoa Física).

[32] Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário – 8º edição – Editora Forense- pág. 353.                                                                                                            

[33] (Imposto de Renda e Preços de Transferência. Editora Dialética, 2001. Pág. 95).

[34] Peixoto, Marcelo Magalhães. In Repertório IOB de Jurisprudência, 1º quinzena de outubro de 2001 – Nº19/2001 – Caderno 1 – Página 565. “O Conceito de Legislação Tributária”. 

[35] Expressão usada pelo ex Deputado Federal Ulisses Guimarães.

 

[36]

Remuneração – R$

 

Alíquota Nominal

 

Alíquota Efetiva

Até 900,00

0

0

1.000,00

15%

1,5%

1.500,00

15%

6%

3.000,00

27,5%

15,5%

6.000,00

27,5%

21,5%

30.000,00

27,5%

26,30%

100.000,00

27,5%

27,14%

1.000.000,00

27,5%

27,46%

 

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*Advogado do escritório Magalhães Peixoto - Consultoria Tributária e Advocacia Empresarial

 

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