PARECER
Interessado: Associação dos Advogados de São Paulo - AASP.
Assunto: Responsabilidade do Estado - Instituto de Previdência do
Estado de São Paulo - IPESP - Carteira de Previdência dos Advogados de São
Paulo.
CONSULTA
Por força da Lei Estadual nº
10.394, de 16 de dezembro de 1.970, foi reorganizada a Carteira de Previdência
dos Advogados de São Paulo, tendo seu artigo 1º determinado que sua
administração caberia ao IPESP - Instituto de Previdência do Estado de São
Paulo.
Segundo o artigo 40 da referida Lei, as fontes de receita
da Carteira são assim constituídas:
a) contribuição mensal do segurado;
b) contribuição mensal do aposentado;
c) contribuição a cargo do outorgante de mandato judicial;
d) custas que a Lei atribui à Carteira;
e) doações e legados recebidos;
f) rendimentos patrimoniais e financeiros da Carteira.
Ocorre que, em 29 de dezembro de 2.003, foi promulgada a
Lei Estadual nº 11.608, que ao dispor sobre a taxa
judiciária incidente sobre os serviços públicos de natureza forense, acabou com
o repasse de custas, que constituía a principal receita da Carteira (cerca de
80% de sua receita).
Não bastasse isso, em 1º de junho de 2.007, foi promulgada
a Lei Complementar nº 1.010, que criou a São Paulo
Previdência - SPPREV, cujo artigo 40 prevê que a SPPREV deverá estar instalada
e em pleno funcionamento em até 02 (dois) anos após a publicação da Lei
Complementar, sendo que o parágrafo único de tal dispositivo consigna que
“concluída a instalação da SPPREV fica extinto o IPESP, sendo suas funções não
previdenciárias realocadas em outras unidades
administrativas conforme regulamento”.
Impõe ressaltar que, apesar da extinção do IPESP
preconizada pela Lei Complementar nº 1.010, até o
presente momento não houve a edição de qualquer diploma legislativo estadual
revogando ou mesmo alterando as disposições da Lei Estadual nº
10.394/70.
Apresentadas essas premissas, formulamos os seguintes
questionamentos:
1) Tendo em vista que a Lei
Complementar nº 1.010/07 estipula a futura extinção
do IPESP, a quem caberá a administração da Carteira dos Advogados? Qual o
instrumento legal para designação do novo administrador?
2) Tendo em vista a alteração das
fontes de receita da Carteira dos Advogados pela Lei Estadual nº 11.608/03, deveria o IPESP, na condição de
administrador, ter adotado alguma providência visando sua readequação atuarial?
3) A falta de readequação da
Carteira após a promulgação da Lei Estadual nº
11.608/03 e a da Lei Complementar nº 1.010/07 implica
em responsabilidade do Estado?
4) Em que hipótese poderá a Carteira
vir a ser extinta e quais os efeitos de tal extinção?
5) Na hipótese de extinção da
Carteira, quais são os direitos dos participantes ativos e inativos? Existem
direitos adquiridos?
6) Quais são as responsabilidades do
IPESP e do Estado de São Paulo pelo pagamento das obrigações devidas aos
beneficiários da Carteira dos Advogados de São Paulo?
PARECER
1) Os fatos que
ensejaram a consulta
A sucinta descrição dos fatos constantes da formulação da
consulta requer seja feito um maior detalhamento, para permitir a perfeita
compreensão da questão jurídica a ser estudada, dado que alguns aspectos
extremamente relevantes merecem um especial destaque.
Em razão do cumprimento das disposições expressas na
Emenda Constitucional nº 45, de 30.12.2004 (Reforma
do Poder Judiciário), o Estado de São Paulo, por meio do Poder Executivo, deu
início à implementação de verdadeira reforma no regime de previdência dos
funcionários públicos paulistas, que culminou, em 2007, com a criação da São
Paulo Previdência - SPPrev, autarquia sob regime
especial, por meio da Lei Complementar nº 1.010, de
01.06.07.
A matéria, que aparentemente não possui conexão com os
interesses de classe, afeta diretamente a Carteira de Previdência dos Advogados
de São Paulo, que, criada pela Lei Estadual nº 5.174
de 07.01.59 e reorganizada pela Lei nº 10.394, de
16/12/70, sempre foi administrada pelo IPESP. Em verdade, a criação da São
Paulo Previdência com a conseqüente extinção do IPESP, em até 02 (dois) anos,
sem que seja dado destino certo à Carteira de Previdência dos Advogados, é
apenas mais um capítulo da trajetória de deterioração pela qual esta vem
passando.
Assim, para que seja identificada a responsabilidade do
Estado de São Paulo quanto aos associados da Carteira dos Advogados do Estado
de São Paulo, imprescindível que se identifiquem as instituições envolvidas na
administração da Carteira e a posterior trajetória desta. É o que se passa a
fazer.
a) Natureza jurídica
do IPESP
O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo - IPESP
é uma entidade autárquica estadual, criada pelo artigo 93 da Constituição
Federal de 9 de julho de 1935, com personalidade jurídica e patrimônio próprio,
e é atualmente vinculada à Secretaria do Estado de Negócios da Fazenda e
regulamentada pelo Decreto nº 30.550, de 3 de outubro
de 1989, que revogou os Decretos nºs 51.238/69,
52.674/71 e 4.144/74. As finalidades do IPESP, arroladas no artigo 2º do
mencionado Decreto nº 30.550/89, são as seguintes:
“Artigo 2.º - São finalidades do Instituto de Previdência do Estado de
São Paulo (IPESP):
I - assegurar pensão mensal aos beneficiários de seus contribuintes,
nos termos da legislação própria;
II - administrar sistemas de previdências de grupos profissionais
diferenciados;
III - operar as Carteiras Predial e de financiamentos Complementares
para seus contribuintes;
IV - assegurar aos dependentes de funcionários e servidores inativos
falecidos o salários família”.
Assim, por meio do IPESP, o Estado de São Paulo visava
assegurar aos servidores, e a “grupos profissionais diferenciados”, a percepção
de benefícios de natureza previdenciária, ademais de operar financiamentos de
imóveis a seus contribuintes.
Dentre esses grupos profissionais, o Decreto nº 30.550/89, em seu artigo 2º, §2º, enumera as seguintes
carteiras e menciona os instrumentos normativos pelos quais foram criadas:
“§2.º - O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP)
administrará, nos termos do inciso II deste artigo:
Dessa forma, ao IPESP, mais do que o de um mero Instituto
de Previdência de Servidores Públicos, foi atribuído papel de instrumento
realizador de verdadeira política social, no Estado de São Paulo. Essa
afirmação se justifica na medida em que, por meio do IPESP, o Governo de São
Paulo promovia a inclusão, em regime previdenciário, de classes profissionais
sujeitas apenas ao Regime Geral de Previdência Social, hoje administrado pelo
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social.
Com isso, o Estado de São Paulo buscava garantir, por meio
do IPESP, previdência de caráter complementar a classes profissionais formadas
basicamente por profissionais liberais e agentes políticos, cujas funções são
por sua natureza sujeitas a intempéries mercadológicas e oscilações, de modo
que o regime geral da previdência social (INSS) não contemplava remuneração
equivalente.
b) Fontes de receita
/ bens
Para cumprir sua política previdenciária, o IPESP foi
dotado de patrimônio próprio, sendo este constituído, nos termos do Decreto
30.550 de 03/10/89, de (i) bens móveis e imóveis de sua propriedade e os
adquiridos ou recebidos em legados; (ii) máquinas,
instalações e equipamentos de trabalho; (iii) ações,
apólice, títulos e outros valores e (iv) reservas
técnicas e de fundos de previdência (cf. artigo 5º). Prevê-se, ademais, como
fontes de receitas do IPESP:
“Art. 6º. Constituem receita do Instituto de Previdência do Estado de
São Paulo (IPESP):
I) contribuições do Estado e de entidades de sua administração
descentralizada, destinadas à constituição do Fundo da Pensão Mensal;
II) contribuições dos servidores inscritos no regime da pensão mensal;
III) contribuições dos Municípios e de seus servidores, inscritos no
regime de Pensão Mensal, mediante convênio;
IV) multas cobradas de contribuintes em atraso e as decorrentes de
aplicações de penalidades;
V) taxas e emolumentos oriundos de prestação de serviços;
VI) aluguéis de seus imóveis;
VII) juros e produtos de suas operações de crédito;
VIII) produtos da correção monetária em suas operações;
IX) descontos diversos;
X) comissões sobre consignações;
XI) produto de alienação de bens móveis e imóveis, nos termos da
legislação vigente;
XII) amortização de empréstimos;
XIII) legados, doações, subscrições e quaisquer outros recursos
provindos de entidades públicas ou particulares;
XIV) dividendos;
XV) outras rendas eventuais”.
Assim, as fontes de receita do IPESP são as mais variadas
possíveis, desde a subvenção por parte do Estado de São Paulo, passando pelo
pagamento de contribuições por parte dos associados e rendas de toda a
natureza, relativas ao conjunto patrimonial do Instituto.
2) A Carteira de
Previdência dos Advogados de São Paulo
Por meio da Lei Estadual nº
5.174, de 07 de janeiro de 1959, foi criada a Carteira de Previdência dos
Advogados de São Paulo, com autonomia financeira e patrimônio próprio, e com o
objetivo de proporcionar aposentadoria aos advogados e pensão aos seus
dependentes:
“Art. 1º. Fica criada, no Instituto de Previdência do Estado de São
Paulo, uma carteira autônoma, denominada “Carteira de Previdência dos Advogados
de são Paulo”, dotada de patrimônio próprio, tendo por objetivo proporcionar
aposentadoria e pensão aos seus beneficiários, na forma estabelecida por esta
lei.”
Desde o princípio, a preocupação do legislador era a
proteção da classe dos advogados, dada a relevância do exercício da advocacia
para o desempenho de funções estatais e para a ordem social, sendo essa
proteção uma política pública, pois o interesse público maior era o de se
preservar a categoria, essencial para o funcionamento do Estado, mas vulnerável
às variáveis inerentes aos profissionais liberais.
Convém destacar, desde já, que o advogado exerce uma
função realmente indispensável e essencial à prestação jurisdicional. O Poder
Judiciário atua, principalmente, mediante provocação feita pelos advogados. Ou
seja, o advogado é um coadjuvante do Estado, no cumprimento de seu dever de
proporcionar Justiça. Há, pois, interesse do Estado, interesse público, no bom
exercício profissional dos advogados e em sua segurança previdenciária.
Exatamente por causa disso, ao dispor sobre as receitas da
Carteira criada pela Lei nº 5.174, de 07 de janeiro
de 1959, estipulou ela, em seu art. 6º:
“Art.
...
II – das custas contadas aos advogados e que sejam atribuídas à Carteira
ora criada;”
Com relação às custas, a Lei nº
4.952/85, que cuidava da Taxa Judiciária de São Paulo, em seu artigo 8º previa:
“Art. 8º - Ressalvado o disposto no artigo 9º, da taxa judiciária
arrecadada serão destinados:
......
III - 17,5% (dezessete e meio por cento) à Carteira de Previdência dos
Advogados de São Paulo, como contribuição.”
Assim, o equilíbrio atuarial era mantido.
Mas além de um interesse genérico na proteção dos
advogados, sempre houve, também, paralelamente, um interesse econômico do
Estado no recebimento das receitas inerentes à Carteira, cujo montante era
confiado ao IPESP, rendendo juros de 7% ao ano, permitindo, assim, ao IPESP
dispor de um fundo para o atendimento de suas finalidades específicas.
Confira-se:
“Art. 22. Toda a receita auferida pela Carteira de Previdência será
imediatamente entregue, como aplicação, ao Instituto de Previdência do Estado
de São Paulo, rendendo juros de 7% (sete por cento) ao ano.”
Como se nota, o IPESP não era simplesmente depositário dos
recursos, mas, sim, um gestor dos fundos da Carteira, os quais geravam
rendimentos destinados a cobrir eventuais flutuações.
Formal e expressamente, o IPESP tinha o dever de zelar
pela saúde financeira da Carteira, conforme estipulava o art. 39 do Decreto nº 34.641, de 30 de janeiro de 1959, que regulamentava a
Lei nº 5.174, de 7 de janeiro de 1959:
“Art. 39. O Presidente do Instituto, dentro de dois anos de vigência
deste regulamento e sempre que necessário, mandará proceder a estudos atuariais
e representará aos Poderes competentes, solicitando reajuste das fontes de
receita estabelecidas no artigo
Logo adiante, no parágrafo único do art. 41 desse mesmo
Decreto, havia um dispositivo estabelecendo o destino dos recursos da Carteira,
caso ela, por alguma razão, não mais pudesse atingir suas finalidades:
“Parágrafo único. Se a Carteira ora instituída não puder preencher os
fins a que se destina, seus bens e valores passarão a pertencer à Caixa de
Assistência dos Advogados de são Paulo mantida pela Ordem dos Advogados do
Brasil, Secção de São Paulo, cessando a cobrança das contribuições, taxas e
acréscimos ora criados.”
Essa disciplina, entretanto, foi alterada por legislação
superveniente, conforme se passa a discorrer.
Em 16 de dezembro de 1970, foi editada a Lei nº 10.394, que reorganizou a Carteira de Previdência dos
Advogados de São Paulo, revogando a Lei nº 5.174/59.
Mas a nova lei manteve como pilar a preocupação em garantir benefícios de
natureza previdenciária ao advogado. Para tanto, prevê a nova lei os benefícios
e as fontes de receita suficientes para a concessão desses benefícios.
a) Fontes de receita
da Carteira dos Advogados
A Lei nº 10.304/70 prevê como
fontes de receita da Carteira dos Advogados de São Paulo:
“Art. 40. (...):
I - da contribuição mensal do segurado;
II - da contribuição mensal do aposentado;
III - da contribuição a cargo do outorgante de mandato judicial;
IV - das custas que a lei atribui à Carteira;
V - das doações e legados recebidos;
VI - dos rendimentos patrimoniais e financeiros da Carteira.”
Quanto aos recursos previstos no inciso III, consistiam em
2% (dois por cento) do salário mínimo vigente para juntada de mandato judicial
e igual percentual para juntada de substabelecimento. (cf. art. 48 da lei em
comento).
Quanto às custas, estipula o art. 52:
“Art. 52. As custas da Carteira são as que lhe destina o Decreto-lei nº 203, de 25 de março de 1970, em seu artigo 18, inciso
II, que passa a ter a seguinte redação.
“II – do total atribuído ao Estado, 5% pertencerão à Ordem dos
Advogados do Brasil – Seção de são Paulo, para a entrega à Caixa de Assistência
dos Advogados de São Paulo, e 15% à Carteira de Previdência dos Advogados de
São Paulo como contribuição, constituindo custas do Estado os restantes 80%.”
Nesse sentido, adotando-se a mesma diretriz adotada para
com o próprio IPESP, a Carteira dos Advogados de São Paulo possui diversas
fontes de receita, que podem ser desde o repasse de subvenções, pelo Poder
Público, repasse de custas judiciais e até o pagamento de contribuições
mensais, pelo associado.
Convém insistir que a atribuição de parte da receita das
custas judiciais aos advogados não configura mera liberalidade, pois, conforme
já foi dito, essa classe profissional é coadjuvante do Estado no cumprimento de
seu dever de prover a prestação jurisdicional.
b) Administração dos
recursos
Conforme dito e repetido, a Carteira de Previdência dos
Advogados é administrada pelo IPESP, tendo, entretanto, patrimônio próprio
(artigo 1º da Lei 10.394/70), mas cabe ao IPESP a responsabilidade pelo
equilíbrio atuarial da carteira, verbis:
“Art. 53. O chefe do serviço atuarial do Instituto de Previdência do
Estado representará ao Presidente dessa autarquia sempre que, em decorrência de
estudos atuariais, ficar demonstrada a necessidade de reajuste das fontes da
receita da Carteira, para que possam ser pagos integralmente os benefícios, nas
bases previstas nesta lei.”
A respeito das aplicações dos recursos provenientes das
fontes de receita da carteira dos advogados, o artigo 60 da Lei nº 10.394/70 c/c o artigo 5º, § 1º, do Decreto-lei
Complementar nº 18, de 17 de abril de 1.970, prevê
que as reservas das receitas serão aplicadas em títulos de dívida pública do
Estado, verbis:
“Artigo 60 - As reservas da Carteira já constituídas e o excesso
mensal da receita sobre a despesa serão aplicados com observância do disposto
no § 1º do artigo 5º do Decreto Lei Complementar nº
18, de 17 de abril de 1.970.”
“Artigo 5º – É defesa a qualquer outro órgão ou entidade pública do
Estado a prática de quaisquer operações ativas de crédito ou financiamento.
§ 1º – As reservas técnicas das entidades previdenciárias e securitárias
do Estado, respeitada a legislação Federal pertinente, serão aplicadas de
acordo com as normas que forem estabelecidas pela Junta de Coordenação
Financeira, dando-se preferência à aplicação em título da dívida pública do
Estado, de modo a ser assegurada rentabilidade que permita o atendimento de
seus encargos.” (grifo nosso)
Identifica-se, assim, que a orientação legal prevê como
destino dos recursos arrecadados pela Carteira de Previdência dos Advogados de
São Paulo os cofres públicos. Ora, é fácil perceber que as receitas
provenientes da carteira destinada à garantia de benefícios de natureza
previdenciária, aos advogados paulistas, presta-se a financiar a dívida pública
do Estado de São Paulo, na medida em que o comando legislativo indica que o
investimento preferencial da carteira será em títulos da dívida pública
estadual.
É escusado lembrar que a gestão de patrimônio é de cunho
econômico; e não é de cunho diferente a administração, pelo IPESP, dos recursos
provenientes das contribuições e das outras fontes de receita da Carteira dos
Advogados. E o patrimônio administrado gerou e continua gerando renda.
Acrescente-se, ainda, que o depósito dos recursos da referida Carteira eram
consignados, inicialmente, ao Banco do Estado de São Paulo, nos termos do art.
61 da Lei nº 10.394/70, tendo, posteriormente sido
reconduzidos à Nossa Caixa, também ela uma entidade financeira vinculada ao
Governo do Estado de São Paulo.
c) A alteração da
política do Estado de São Paulo em relação à carteira dos advogados de São
Paulo
Gradativamente, sem que tivesse havido qualquer alteração
no tocante à relevância social do exercício da advocacia, a política de
proteção previdenciária aos advogados paulistas deixou de ser implementada e
vários foram os fatores responsáveis por um quadro de desequilíbrio que se
instalou na carteira.
Destacam-se os principais pontos.
No início da década de 90, através da Lei de Diretrizes
Orçamentárias Lei nº 6.958, restou terminantemente
proibida a inclusão de qualquer recurso do Tesouro para complementação de
aposentadorias e pensões dos inscritos em diversas carteiras, inclusive a dos
advogados, persistindo essa situação até hoje.
Em 2003, com o advento da Nova Lei de Custas, Lei nº 11.608, de 29 de dezembro de 2.003, ocorreu um corte
brusco na receita da carteira, pois o repasse do substancioso percentual sobre
as custas deixou de existir, passando o valor das custas a ser integralmente
destinado ao Poder Judiciário, conforme previsto no art. 9º.:
“Art. 9º. Do montante da taxa judiciária arrecadada, 10% (dez por
cento) serão destinados ao custeio das diligências dos Oficiais de Justiça
indicadas no inciso IX do parágrafo único do artigo 2º. desta lei, e 21% (vinte
e hum por cento), ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça instituído
pela Lei nº 8.876, de 2/9/1994, e 9% (nove por cento)
distribuídos, em parte iguais, aos Fundos Especiais de Despesas do Primeiro
Tribunal de Alçada Civil, do Segundo Tribunal de Alçada Civil e do Tribunal de
Alçada Criminal, instituídos pela Lei nº 9.653, de
14/5/1997, para expansão, aperfeiçoamento e modernização do Poder Judiciário do
Estado.”
Assim, bruscamente, foi suprimida uma das principais
fontes de receita da Carteira dos Advogados, permanecendo apenas o
recolhimento, para a carteira, de 2% (dois por cento) da taxa de mandato.
d) O desequilíbrio
atuarial da carteira dos advogados de São Paulo
A lei que cuida da carteira é de 1970 e não houve
adequação à Constituição Federal de 1988, às Emendas Constitucionais 20, de
1998, e 41, de 2003, que reformularam o Regime da Previdência e às Leis
Complementares 108 e 109 de 2001, que cuidam de previdência privada
complementar.
Nada foi feito, até agora, por parte do Estado, para que
essa situação fosse revista. Ao contrário, com o fim do repasse do subsídio e
também o repasse das custas judiciais, não poderia ser diferente a situação
atual da Carteira dos Advogados, ou seja, encontrar-se em total desequilíbrio.
O próprio Estado, ao invés de zelar pela manutenção do
equilíbrio atuarial existente das diversas carteiras que são administradas pelo
IPESP, foi o agente causador da deterioração das mesmas, ao suprimir o aporte
de recursos, sem adotar medida administrativa que assegurasse a sustentação
econômica das carteiras, omitindo-se, como se não lhe coubesse, por força de
lei, a gestão daquelas.
De imediato é possível perceber que existe um nexo
inegável entre a ação ou omissão do Estado e a situação de insustentabilidade
da Carteira.
3) Criação da São
Paulo Previdência – SPPREV
Em 02 de junho de 2007 entrou em vigor a Lei Complementar
Estadual nº 1.010, que criou a SPPrev
(São Paulo Previdência), autarquia sob regime especial, vinculada à Secretaria
Estadual da Fazenda, responsável pela administração do RPPS - Regime Próprio de
Previdência dos Servidores Públicos Civis e o RPPM - Regime Próprio de
Previdência dos Militares do Estado de São Paulo, com a finalidade específica
de cuidar das aposentadorias e pensões de servidores titulares de cargos
públicos, possuindo autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
A criação da SPPrev é uma
decorrência da proibição de duplicidade de regime previdenciário para
servidores públicos, contida no artigo art. 40, § 20 da Constituição Federal. A
São Paulo Previdência administrará especificamente a previdência dos servidores
públicos civis e dos militares do Estado de São Paulo conforme previsto no art.
3º.
De acordo com o art. 37 da mencionada lei, fica o Poder
Executivo autorizado a transferir para a SPPrev o
acervo patrimonial do IPESP. Mais adiante, o art. 40 dispõe que a SPPrev deverá estar instalada e em pleno funcionamento em
até 2 anos, e concluída a sua instalação ficará extinto o IPESP (parágrafo
1º.). Ou seja, a SPPrev será sucessora do IPESP.
Pouco se pode dizer com relação ao funcionamento da nova
autarquia, mas as incertezas decorrentes da vigência da legislação atingem, de
qualquer modo, a situação futura do patrimônio gerado pela Carteira dos
Advogados, e até agora administrado pelo IPESP, bem como a situação dos
beneficiários e dos contribuintes daquela, à luz do direito.
Resta apontar que a lei de criação da SPPrev,
ao mesmo tempo que restringe a atividade dessa nova autarquia aos servidores
públicos efetivos e aos militares do Estado de São Paulo, transfere todo o
acervo patrimonial do IPESP (do qual faz parte também o patrimônio da Carteira
dos Advogados), está, num primeiro lance de vista, criando uma situação
claramente lesiva aos associados da Carteira, porquanto aparentemente os exclui
do novo sistema mas retém o patrimônio que eles criaram.
Mas convém ponderar que, nos termos expressos da LC
1.010/07, “concluída a instalação da SPPREV fica extinto o IPESP, sendo suas
funções não previdenciárias realocadas em outras
unidades administrativas conforme regulamento”. No caso, a gestão da Carteira
dos Advogados é uma típica função previdenciária.
Em face dessa situação de incerteza, que efetivamente
afeta o interesse público no regular funcionamento da atividade jurisdicional,
foi formulado na Assembléia Legislativa Estadual, pelo Deputado Antônio Mentor,
o Requerimento de Informações nº 333, de 2007, que
historia o problema em exame e formula uma série de indagações, das quais duas,
por sua especial pertinência a este estudo, merecem transcrição:
“Atualmente qual o número de contribuintes, aposentados e pensionistas
de cada categoria profissional (Advogados, Economistas, Contadores e
Serventuários de Cartórios de Registro e Imóveis) excluídas da SPPrev?
Qual será no conceito do IPESP o destino dos valores recolhidos pelos
contribuintes citados, suas respectivas aplicações e outras receitas
inerentes?”
A resposta dada à primeira dessas indagações mostra que o
número de atuais beneficiários (2.393 aposentados e 1.018 pensionistas)
corresponde a pouco mais de 10% do número de contribuintes (30.284),
sinalizando no sentido de que existe uma grande possibilidade de restauração do
equilíbrio atuarial, ou, pelo menos, mostrando que a extinção da Carteira não é
algo fatal e inevitável. A incerteza existente decorre, primordialmente, da
omissão do IPESP quanto ao seu dever de promover, tempestivamente, o
re-equilíbrio atuarial.
A resposta dada à segunda indagação, a respeito do destino
a ser dado ao patrimônio da Carteira, mostra que, embora tardiamente, o IPESP
começou a cumprir o seu dever, promovendo estudos sobre os destinos da
Carteira, conforme se depreende de seus exatos termos:
“2. O IPESP não decidirá, isoladamente, sobre a destinação a ser dada
aos recursos financeiros das Carteiras em questão, até mesmo porque a aplicação
desses recursos no mercado financeiro é decisão sempre adotada pelo C. Conselho
de cada um desses Órgãos, exceção feita à Carteira dos Economistas, deficitária
há muitos anos, e que não conta com Conselho. Por outro lado cumpre-nos
enfatizar que antes mesmo do advento da Lei Complementar n. 1010/07, este
Instituto já havia contratado aprofundados estudos jurídicos sobre as Carteiras
em apreço, que estão sendo realizados por profissionais de alto gabarito e
muito experientes no campo previdenciário, sendo certo que de tais estudos, já
em fase de ultimação, decorrerão, inclusive, projetos de lei que obviamente
tramitarão pela d. Assembléia Legislativa do Estado
de São Paulo, objetivando a destinação de tais Carteiras e de todo o seu
acervo, inclusive de suas reservas.”
É certo, portanto, que não haverá uma automática extinção
da Carteira, que poderá, eventualmente, ser absorvida pela SPPrev,
dado que se trata de atividade precipuamente previdenciária, ou que, tendo sido
criada por lei, em homenagem ao princípio da homogeneidade das formas, somente
por lei poderá ser alterada ou extinta.
4) Considerações
Gerais
Em conformidade com o artigo 6º. da Constituição Federal,
entre os direitos sociais, encontra-se o direito à previdência social.
Reza o citado artigo:
“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Não seria viável ao presente estudo comentar a Reforma da
Previdência, pois fugiria do escopo deste trabalho; o que se quer destacar
apenas, é que a Previdência Social é um direito constitucional e, por
conseguinte, não pode ser simplesmente aniquilado.
Dizendo mais claramente, é evidente que não se pode
aceitar qualquer interpretação que propicie ao Estado locupletar-se em prejuízo
dos associados à Carteira de Previdência dos Advogados, muito especialmente em
razão da posição estratégica ocupada pela advocacia no contexto das funções
estatais e da manutenção da ordem social.
A Constituição Federal em seu artigo 133 consagra e define
o papel do advogado na administração da justiça:
“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo
inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites
da lei.”
O exercício da advocacia é muito mais que uma profissão
igual a tantas outras. Entre os chamados profissionais liberais, a posição do
advogado é deveras peculiar. Com efeito, em sua atuação cotidiana, o advogado
preocupa-se não apenas com a solução de conflitos entre as partes em litígio,
mas também, necessariamente, tem um compromisso irrecusável com a defesa do
Estado Democrático de Direito.
A profissão do advogado é regulada na Lei Federal nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o
Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, cujo artigo 2º.
estabelece:
Art. 2º. O advogado é indispensável à administração da justiça.
§1º. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e
exerce função social.
§2º. No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de
decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus
atos constituem múnus público.
§3º. No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos
e manifestações, nos limites desta Lei.
O parágrafo 1º do artigo em questão reconhece o advogado,
profissional liberal, como prestador de serviço público devido à relevância
pública do serviço que presta, sendo-lhe confiada a mais absoluta independência
para exercer com presteza o direito de defesa do interesse que lhe é atribuído
pela parte, mas tendo como finalidade última a manutenção de paz social.
O advogado tem especialíssimo interesse na qualidade da
prestação jurisdicional e especialíssima qualificação para cuidar da
administração da Justiça, pois é por intermédio do advogado que o povo (em nome
de quem todo Poder é exercido) recebe Justiça.
Uma característica fundamental da atuação do Poder
Judiciário é que ele não dispõe da iniciativa para exercer suas funções
típicas. O Judiciário atua sempre mediante provocação, somente quando
solicitado a proporcionar a prestação jurisdicional. Tal solicitação é feita,
precipuamente, por intermédio do advogado. Sem que o advogado deduza um pleito,
uma postulação, o Poder Judiciário não pode atuar.
É certo, portanto, que a especial proteção à advocacia não
configura uma simples liberalidade, mas sim, algo de relevante interesse
público, motivo pelo qual o patrimônio gerado pelas contribuições e demais
aportes à Carteira de Previdência dos Advogados deverá ser utilizado em
benefício de seus associados, titulares de um direito (à previdência)
assegurado pela Constituição Federal.
Emerge para o presente estudo, num primeiro momento, o
levantamento de duas questões que serão detalhadas a seguir. Uma diz respeito
ao direito adquirido dos beneficiários da Carteira dos Advogados, que já estão
recebendo benefícios ou que, embora ainda não estejam recebendo, já preencheram
todos os requisitos para a fruição dos mesmos benefícios, e a outra diz
respeito à expectativa de direito dos que, no futuro, ao completarem os
requisitos condicionantes da fruição, deverão receber os benefícios
proporcionados por essa Carteira.
Não se deve confundir o direito adquirido com a
expectativa do direito; assim, faz-se necessário examinar esses dois
institutos. Ambos estão intimamente ligados à segurança das relações jurídicas,
tema do direito constitucional que se caracteriza pelas condições que conferem
ao indivíduo a certeza de que as relações jurídicas criadas sob a égide de uma
determinada norma perdurem, mesmo que essa norma seja substituída por outra.
Questão que se vincula, pois, ao limite temporal da norma.
Quando uma lei é revogada, é necessário aferir a natureza da situação jurídica
subjetiva que aquela criou e que efeitos produziu em favor daqueles que a ela
submeteram seus atos.
Resta, assim, definir como fica a situação subjetiva
diante da colidência de normas, tema esse do art. 5º,
XXXVI, da Carta Magna, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A primeira questão a ser estudada diz respeito ao direito
adquirido, que assim se expressa na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º,
§ 2º):
“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou
alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha
termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”
São direitos adquiridos aqueles já exercitados por seu
detentor e, também, aqueles direitos ainda não exercidos por seus detentores,
mas cujo desfrute não pode ser impedido. Tais direitos já se incorporaram ao
patrimônio dos titulares, que o exercerão segundo suas conveniências.
Nas palavras do ilustre Professor Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 16ª. edição,
Saraiva, 1988, p. 292), o direito subjetivo é “a possibilidade de ser exercido,
de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como
próprio”.
A garantia de exercício desse direito a que se refere
Miguel Reale persiste na superveniência de lei nova,
dado que a possibilidade de exercício do direito foi obtida no regime de lei
anterior revogada.
Nas palavras de José Afonso da Silva (Curso de Direito
Constitucional Positivo, 20ª. edição, Malheiros, 2002, p. 433):
“... o direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem
alterar as bases normativas sob as quais foi constituído.”
Resta, ainda, rebater o argumento de que o direito
adquirido não persiste diante de lei de ordem pública ou de direito público.
Contra tal argumento, a clara exposição de José Afonso da Silva à página 433 de
sua consagrada obra:
“Não é rara a afirmativa de que não há direito adquirido em face da
lei de ordem pública ou de direito público. A generalização não é correta
nesses termos. O que se diz com boa razão é que não corre direito adquirido
contra o interesse coletivo, porque aquele é manifestação de interesse
particular que não pode prevalecer sobre o interesse geral. A Constituição não
faz distinção.”
Por fim, no âmbito do Direito Previdenciário, a presença
do direito adquirido é incontestável, elevado que está a princípio
constitucional inalterável, figurando como regra geral e garantia fundamental
da Carta Magna. O exame da legislação referente à previdência social revela
que, historicamente, o direito adquirido foi respeitado e consagrado.
A segunda questão a ser examinada diz respeito à
expectativa de direito. Esta, diversamente do direito adquirido, não é
faculdade do sujeito, mas, sim, mera possibilidade ou probabilidade de vir a
ter, no futuro, um direito que somente será seu quando certas condições se
implementarem; é, pois, esperança de futura aquisição de direito.
No caso em exame, há que considerar as situações daqueles
que aderiram à Carteira dos Advogados administrada pelo IPESP, distinguindo-se:
a) aqueles que já implementaram as condições de receber a aposentadoria e já
estão no exercício desse direito ou ainda não exerceram esse direito; b)
aqueles que ainda não implementaram as condições de receber a aposentadoria.
Na situação descrita em “a” está-se diante do direito
adquirido, situação jurídica que se completou com o instituto do ato
jurídico perfeito, eis que já se consumou “segundo a lei vigente ao tempo
em que se efetuou” (LICC, art. 6º, § 1º). Trata-se de negócio fundado na lei,
ato jurídico que, se tornou apto a produzir seus efeitos sob o regime da lei
antiga, uma vez que os requisitos indispensáveis para isso foram preenchidos.
Pode-se concluir, destarte, que tanto os que já estão
recebendo aposentadoria da Carteira dos Advogados gerida pelo IPESP, quanto os
que ainda não exerceram esse direito, mas já implementaram as condições para
fazê-lo, deverão ter assegurados os proventos da Carteira pelo novo Gestor dos
recursos - São Paulo Previdência - SPPrev - já
aportados ao Estado de São Paulo ou, mais exatamente, à autarquia estadual,
IPESP, que é um prolongamento personalizado desse Estado.
Como paradigma, traz-se ao presente estudo, a situação
atual da Carteira de Previdência dos Prefeitos e Vereadores do Estado de São
Paulo, administrada pelo IPESP, criada pela Lei nº
4.642, de 06.08.85 e extinta pela Lei nº
8.816, de 7 de junho de 1994. O dispositivo legal que a extinguiu expressa de
forma bem resumida que as disponibilidades
financeiras apuradas na data de sua extinção seriam rateadas proporcional e
eqüitativamente, de acordo com o tempo e a valor de contribuição, entre as
Câmaras Municipais e Prefeituras. Rateio esse de responsabilidade dos membros
do último Conselho da Carteira, com um prazo de 90 dias para liquidação final.
Ou seja, o legislador, ao extinguir essa Carteira, já
cuidou de definir o destino dos recursos nela existentes, providência que não
se encontra no diploma legal que criou a SPPrev e
previu a futura extinção do IPESP, mas não da Carteira dos Advogados.
Com relação à extinção da Carteira dos Prefeitos e
Vereadores, a jurisprudência vem reforçar o posicionamento expresso no presente
estudo. Confira-se o Acórdão infra transcrito que
confirmou a sentença que condenou o IPESP ao pagamento das prestações
previdenciárias:
“No âmbito da questão posta nos autos, isto é, da validade ou
invalidade da extinção da Carteira de Previdência, assegurados ou não os
direitos antes adquiridos pelos impetrantes, a conclusão só pode ser de
afirmação desses direitos, que a própria Lei 8.816, de 7.6.94, na redação
original, proclamara no seu art. 4º. Dispõe, com efeito, esse dispositivo
legal: “Art. 4º. - Os beneficiários da Carteira de Previdência dos Vereadores e
Prefeitos do Estado de São Paulo terão assegurados todos os seus direitos.
Não se coloca, assim, a questão, ao nível constitucional de infringência ou não do direito adquirido (Cf, art. 5º., XXXVI), ante a extinção da Carteira de
Previdência, pois os direitos dos beneficiários já estão expressamente
ressalvados pela própria lei estadual.
Quais são os direitos adquiridos dos beneficiários de Carteira de
Previdência que se extingue?
Estes só podem ser os direitos que adquiriram pelo adimplemento das
obrigações assumidas pelos participantes, isto é, o pagamento das contribuições
pelo valor e tempo necessários à aquisição da contraprestação na forma de
aposentadoria ou pensão.
A extinção, realizada por lei, não teve a adesão voluntária dos
beneficiários, de modo que se pudesse inferir desistência. A Lei é fato
externo, superveniente, fora da voluntariedade dos participantes. Não podem
estes ser por ela prejudicados, ainda mais quando ela própria lhes ressalva os
direitos adquiridos.
Entre os direitos dos participantes está, sem dúvida, o da manutenção
das condições de contraprestação por parte da entidade de aposentadoria e
pensões envolvida, ou seja, no caso, o Ipesp, pois
foi ele quem, sob a égide de aporte de recursos públicos que, então, viu,
assegurados, comprometeu-se a prestar aposentadorias e pensões. Se houve,
posteriormente ao adimplemento das obrigações dos participantes, alteração no
quadro de aporte de recursos, motivada pela extinção da Carteira, isso leva,
para a entidade previdenciária, ao recolhimento das conseqüências do risco que
anteriormente assumiu, não havendo como traduzir as conseqüências em pura e
simples supressão de retribuição.
Não se cuida, aqui, de manter a vida de carteira de previdência
extinta, mas, sim, de manter a responsabilidade de instituição previdenciária
que a criou e, por ela contratou administrativamente com os participantes
beneficiários e outros participantes, inclusive quanto à suplementação de
recursos. Assim, no caso de rompimento do aporte de recursos, deve a
instituição previdenciária, não os beneficiários, junto a estes buscar o
resíduo de responsabilidade para restabelecer os próprios fundos.”
“Apelação Cível n. 262.067-1/0, 9ª. Câmara de Direito Público, Dês.
Sidnei Benetti, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.”
Mas a jurisprudência é ainda mais incisiva no tocante à
responsabilidade do IPESP para com a manutenção da solvência e a assunção de
responsabilidades em decorrência da condição de gestor da Carteira de
Previdência dos Advogados.
Nesse sentido, releva citar o Incidente de Uniformização
de Jurisprudência na Apelação Cível n. 75.828-1, São Paulo, Relator
Desembargador FONSECA TAVARES, Suscitante: Segunda Câmara Civil do Tribunal de
Justiça - Apelante: Instituto de Previdência do Estado de São Paulo - IPESP -
Apelados: Antônio Lázaro e outros, do qual foram extraídas as passagens abaixo
transcritas.
O Acórdão, prolatado no âmbito do Incidente acima
referenciado, reportou-se à divergência gerada em torno da questão suscitada
pela seguinte indagação, in litteris:
“Responde o IPESP pela complementação dos benefícios da Carteira de
Previdência dos Advogados, se insuficiente o fundo, decorrente do sistema
atuarial de repartição do fundo de garantia, para dar cumprimento aos reajustes
previstos nos artigos 13 e 14 da Lei Estadual n. 10.394, de 1970 ?”.
O entendimento firmado por maioria de votos resultou em
uma resposta afirmativa à indagação posta.
O Acórdão relata que, em sua manifestação, o ilustre
Procurador representante do Ministério Público, em vista da existência de dois
incidentes precedentes, julgados respectivamente em 15.8.1986 e em 17.9.1987, “teceu considerações no sentido de os
beneficiários não poderem arcar com as conseqüências da falta de providências
do Instituto, para promover fossem supridos os fundos, sem que pudesse ter
interpretação fora do contexto a norma do artigo 55, parágrafo único, do
estatuto em tela, relativo à responsabilidade exclusiva do patrimônio da
Carteira, certo que a Administração é do IPESP e as atribuições exigíveis são
também da Administradora”.
Na seqüência, o Relator trouxe à baila alguns trechos de
decisões anteriores (apelações ns. 55.552-1 e 57.184-1), de sua própria lavra,
sobre a mesma matéria, merecendo destaque alguns deles:
“... o dispositivo do artigo 57 desse estatuto legal que rege a
Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo não tem a finalidade de
isentar o IPESP dos pagamentos devidos segundo o valor das aposentadorias, por
inexistência da necessária reserva de fundos.
O cálculo atuarial há de permitir apenas que jamais seja necessário
reduzir o valor da remuneração da aposentadoria ou deixar de o atualizar em
função dos novos índices dos salários mínimos vigentes.
Toda a instituição que atue no ramo de seguros, seja de natureza
privada, seja de seguros sociais, há de operar de forma atuarial, não
evidentemente para que possa deixar de pagar o que devido for na hipótese de
insuficiência dos valores em Caixa, mas, bem diferentemente, para que jamais
fique a Caixa com fundos insuficientes para a cobertura dos valores
eventualmente devidos, com o promover em tempo hábil o suprimento das fontes de
receita (artigo 53 da Lei Estadual n. 10.394, de 16.12.1970).
A técnica atuarial intervém, sobretudo, no sentido de proporcionar os
recursos necessários. Esta intervenção é indispensável no seguro social porque
aí há compromissos expressos cuja satisfação deve ser garantida com previsão
matemática pois na dependência dos problemas demográficos no caso dos seguros
sociais.”
O Acórdão referiu-se também ao reajuste automático das
contribuições, invocando, nesse ponto, os artigos 48, §3º, 53 e 54 da Lei
Estadual em tela. Nesse sentido, afirmou a inexistência de dispositivo legal
que faculte o não pagamento dos benefícios atualizados. Conforme disposto
expressamente no teor do acórdão: “todos
os mecanismos são orientados no sentido de inexistir déficits”.
Acrescentou-se, ainda, o seguinte:
“Nada razoável seria que se permitisse ao beneficiário ser
surpreendido pelo não pagamento devido pelo IPESP, sem a adoção prévia de todos
esses mecanismos previstos para que isso não viesse a ocorrer.”
Diante do contexto apresentado, os motivos elencados no teor do acórdão conduziram a maioria a
responder afirmativamente ao quesito proposto, reconhecendo-se, dessa forma, a
obrigação atinente ao IPESP no sentido de responder pela complementação dos
benefícios da Carteira de Previdência dos Advogados, se insuficiente o fundo.
O Acórdão em exame nada tem de surpreendente. Muito ao
contrário, pois seria realmente aberrante se uma lei ordinária pudesse suprimir
uma garantia constitucional. Ninguém, certamente, haveria de sustentar a
constitucionalidade de um dispositivo da Lei de Licitações e Contratações
Públicas, ou da Lei de Concessões, ou da Lei de Parcerias Público-Privadas, ou
de todas elas, dizendo que o Poder Público não responde pelos danos decorrentes
de contratos por ele firmados com base nessas leis, ou mais diretamente,
dizendo que o disposto no §6º, do art. 37 da CF, não se aplicaria a tais
contratos.
No caso em exame, agride o senso comum (e a ordem
constitucional) imaginar que o Estado, por meio de uma autarquia, pudesse
conclamar os advogados a contribuir para uma Carteira de Previdência por ele
instituída e em relação à qual ele Estado tem um dever legalmente estabelecido
de zelar pela solvência, para, mais tarde, diante de uma insuficiência de
recursos, comportar-se com olímpica indiferença, como se nada tivesse a ver com
o problema por ele mesmo criado.
Quanto à situação indicada na letra “b”, caracterizada
pela expectativa de direito daqueles que realizaram negócio jurídico com o
Estado de São Paulo, por intermédio do IPESP, ora em fase de extinção, a
questão envolve mais especificamente o instituto do ato jurídico perfeito.
Como negócio, a contratação com a Carteira dos Advogados
implicou também contratação com o Estado de São Paulo, por sua administração
descentralizada (autarquia IPESP), sendo as contribuições mensais dos
contratantes aportadas aos cofres públicos e empregadas no financiamento da
dívida pública.
Na condição de ato jurídico que se perfez, essa
contratação, para os que previam a futura percepção dos proventos de
aposentadoria, está igualmente ao abrigo da norma constitucional do art. 5º.,
XXXVI.
Assim, claro fica que os direitos dos beneficiários estão
assegurados pela Constituição Federal, e mesmo na hipótese da extinção da
carteira dos advogados ou de sua transferência para outro órgão administrador,
deverá ser responsável o ente público que a criou e geriu.
Em resumo, o contrato firmado é um ato jurídico perfeito,
que deve ser respeitado. Mesmo não tendo preenchidas as condições para o
desfrute dos benefícios previdenciários, é certo que os contribuintes deverão
ser ressarcidos pela frustração do direito que visavam adquirir.
Convém esclarecer que os recursos da Carteira, todos eles,
em sua integralidade, pertencem aos contribuintes, independentemente da origem
dos ingressos. Dizendo ainda mais claramente: não se trata de, simplesmente,
devolver aos contribuintes os valores correspondentes as contribuições
efetuadas por cada um deles, mas, sim, de partilhar entre todos os
contribuintes o montante total do patrimônio acumulado, compreendendo, também,
os ingressos referentes às custas e aos rendimentos de aplicações.
Não há possibilidade alguma de que a Carteira de
Previdência dos Advogados simplesmente se desvaneça no ar, deixando ao Deus
dará os seus contribuintes e proporcionando um enriquecimento sem causa ao
Estado.
5 - Considerações
doutrinárias
Para melhor fundamentar o entendimento do presente estudo,
mister se faz uma breve conceituação a respeito da Ética da Responsabilidade.
Quando se fala de ética de uma forma em geral, em qualquer
relação jurídica ou na convivência social, não se fala simplesmente de um mero
cumprimento de formalidades ou leis, mas sim de um imperativo moral.
Muito bem colocado é o ensinamento de EMERSON GABARDO a
respeito da Ética da Responsabilidade:
“A atuação dos agentes do Estado, principalmente os políticos, exige a
apreensão de alguns dos caracteres daquilo que Max Weber denominou ser a
"ética da responsabilidade". É indiscutível que o Estado não deve ser
uma seguradora universal, mas é preciso que ele ofereça segurança aos cidadãos.
Segurança contra a mudança das regras jurídicas ditadas em função da maior ou
menor disponibilidade do caixa do governo, por exemplo. Segundo o autor, a
ética da responsabilidade condiciona-se pela avaliação das conseqüências dos
atos praticados. Portanto, na perspectiva do Direito, o foco central implica a
ponderação das conseqüências que os atos estatais produziram na esfera jurídica
de seus cidadãos.”
Responsabilidade Objetiva do Estado em face dos princípios da
eficiência e da boa-fé”, in Direito Público Moderno - Homenagem especial do
Professor Paulo Neves de Carvalho, coordenadores e co-autores Luciano Ferraz e
Fabrício Motta, Del Rey, Belo Horizonte, 2003, p.
293.
Deve ser essa a conduta do Estado ou de seus agentes
políticos, agindo com eficiência, zelando pela segurança jurídica de todos
aqueles que, de boa fé, com eles se relacionam, em especial com aqueles que ao
Estado deferiram a gestão do patrimônio de sua previdência social.
Ao assumir a condição de gestor, ainda que por intermédio
de uma autarquia (IPESP) o Estado assumiu, implícita e automaticamente, a
responsabilidade disso decorrente.
O § 6º do art. 37 da Constituição Federal determina a
responsabilidade patrimonial do Estado pelos danos que seus agentes causarem a
terceiros, sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência que para essa
responsabilização não é necessária a presença do elemento subjetivo (culpa ou
dolo), bastando a demonstração do nexo causal, pois a responsabilidade é
objetiva:
Reza o citado artigo:
“Art. 37. ....
§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
O consagrado mestre CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO define
com clareza a responsabilidade objetiva como:
“a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um
procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente
protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre
o comportamento e o dano.”
“Curso de Direito Administrativo”, 22ª. edição, Malheiros Editores,
2006, p. 969-970.
Entende-se, assim, que aquele que sofrer uma lesão
proveniente de um procedimento lícito ou ilícito por parte do Estado, ou de
quem lhe faça as vezes, deverá ser indenizado, bastando para tanto o nexo de
causalidade entre o comportamento do agente e o dano causado.
Situações existem, entretanto, conforme ainda o magistério
de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, nas quais o dano não é produzido diretamente
pelo Estado, mas este é também objetivamente responsável por ter criado uma
situação ensejadora da ocorrência do dano:
“Há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é
efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da
qual o dano depende. Vale dizer: são hipóteses nas quais é o Poder Público quem
constitui, por ato comissivo seu, os fatores que propiciarão decisivamente a
emergência de dano. Tais casos, a nosso ver, assimilam-se aos de danos produzidos
pela própria ação do Estado e por isso ensejam, tanto quanto estes, a aplicação
do princípio da responsabilidade objetiva.
Com efeito, nas hipóteses ora cogitadas, uma atuação positiva do
Estado, sem ser a geradora imediata do dano, entra decisivamente em sua linha
de causação. O caso mais comum, embora não único
(como ao diante se verá), é o que deriva da guarda, pelo Estado, de pessoas ou
coisas perigosas, em face do quê o Poder Público expõe terceiros a risco.”
“Curso de Direito Administrativo”, 22ª. edição, Malheiros, 2007, p.
981/2.
No caso em exame, ao criar uma Carteira de Previdência dos
Advogados, por lei, o Estado de São Paulo deu ensejo a uma situação
potencialmente causadora de dano. Não importa a licitude da instituição da
Carteira e seus nobres propósitos. O fato é que a lei estadual criou um
mecanismo no qual os advogados passaram a confiar e aportar suas contribuições.
Nem se diga que o Estado de São Paulo, não obstante
tivesse editado a lei criadora da Carteira, seria imune a qualquer responsabilidade,
em decorrência de haver confiado a administração dos recursos ao IPESP.
O IPESP é uma autarquia, um prolongamento personalizado do
Estado. Embora tenha personalidade jurídica e patrimônio próprio não deixa de
ser um agente da atuação do Estado e, portanto, está sujeito à responsabilidade
objetiva.
Tomando-se emprestado o conceito formulado pela renomada
professora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
“... pode-se conceituar a autarquia como a pessoa jurídica de direito
público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o
desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo
exercido nos limites da lei.”
“Direito Administrativo”, 19°. edição, Atlas, 2006, p. 423.
A autonomia que a lei criadora confere à autarquia não lhe
retira a condição de agente, de instrumento, da entidade política criadora. Os
fins e objetivos específicos da autarquia são, em última análise, aqueles que
lhes foram assinalados pela entidade criadora, exatamente por serem de interesse
público dessa mesma entidade criadora.
Sendo a autarquia um prolongamento personalizado do
Estado, tendo personalidade jurídica de direito público, desfrutando das mesmas
prerrogativas do Estado, de quem é mero instrumento e cujos fins, interesses e
objetivos deve realizar, é inafastável a conclusão de
que a responsabilidade da autarquia pelos atos praticados e compromissos
assumidos é exatamente igual à do próprio Estado.
Em valiosa análise sobre a responsabilidade da autarquia,
assim se pronunciou JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO:
“A regra constitucional faz referência a duas categorias de pessoas
sujeitas à responsabilidade objetiva: as pessoas jurídicas de direito público e
as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
Em relação à primeira categoria, não há novidade. São objetivamente
responsáveis as pessoas jurídicas de direito público: as pessoas componentes da
federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), as autarquias e as
fundações públicas de natureza autárquica.
A segunda categoria constituiu inovação no mandamento constitucional -
as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. A intenção do
Constituinte foi a de igualar, para fins de sujeição à teoria da
responsabilidade objetiva, as pessoas de direito público e aquelas que, embora
com personalidade jurídica de direito privado, executassem funções que, em
princípio, caberiam ao Estado. Com efeito, se tais serviços são delegados a
terceiros pelo próprio Poder Público, não seria justo nem correto que a só
delegação tivesse o efeito de alijar a responsabilidade objetiva estatal e
dificultar a reparação de prejuízos pelos administrados.”
“Manual de Direito Administrativo”, 17ª. edição, Lumen
Juris Editora, 2007, p. 478-9.
A questão da responsabilidade da autarquia suscita também
o tema da responsabilidade subsidiária do Estado: a responsabilidade da
autarquia (IPESP, no caso) por seus atos é objetiva e direta; porém, na
hipótese de se terem exauridos seus recursos, ainda cabe ao Estado a responsabilidade
subsidiária pela reparação dos danos causados por esse seu ente de
administração descentralizada.
DIÓGENES GASPARINI comenta essa questão de maneira
objetiva:
“Pode haver, isto sim, responsabilidade subsidiária, nos casos de
danos causados a terceiros em razão dos serviços que explora ou decorrentes de
atos de seus servidores. Assim, esgotadas as forças da autarquia, cabe à
Administração Pública suportar o remanescente do prejuízo decorrente desses
comportamentos. Destarte, enquanto existir e não exauridas suas forças,
responderá pelos seus atos e pelos de seus servidores, sempre que causarem
danos a outrem, e pelas obrigações assumidas.”
“Direito Administrativo”, 11ª. edição, Saraiva, 2006, p. 317-8.
O estudo da questão em apreço envolve ainda outros dois
aspectos no que tange ao comportamento e á responsabilidade do Estado: o
primeiro diz respeito ao ato comissivo (ação) e o segundo diz respeito ao
chamado ato omissivo (omissão).
O ato comissivo é aquele no qual o agente pratica uma ação,
seja ela lícita ou ilícita, produzindo um determinado resultado; ao passo que o
ato omissivo importa na abstenção do Poder Público em relação a um fato, ou
seja, quando o dano resulta da ausência de providência por parte do Poder
Público, quando este deveria agir e não o fez.
No caso, a lei estadual (Lei nº
11.608/03 - Lei de Custas) tirou os recursos da Carteira dos Advogados, ou seja
uma ação do Estado, por uma lei de efeitos concretos (um ato lícito, portanto),
causou um dano especial e anormal a um conjunto determinado de pessoas.
Ao criar a Carteira dos Advogados o Estado, no mesmo ato,
se comprometeu a proporcionar os recursos necessários à sua manutenção e
desenvolvimento. Diante dessa garantia os associados, de boa fé, efetuaram suas
contribuições, na justa expectativa de, no futuro, auferir os benefícios
correspondentes. Porém, repentinamente, decidiu o Estado retirar os aportes a
que se havia comprometido.
Não se nega ao Estado tal prerrogativa, nem discute sua
licitude, mas é absolutamente certo que não pode ele furtar-se à
responsabilidade correspondente. Pode sim, o Estado, alterar sua política
previdenciária, mas desde que respeite os efeitos do ato jurídico perfeito e do
direito adquirido.
EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR, aborda essa questão da
responsabilidade por ato lícito de maneira sintética e objetiva:
“No Brasil, a responsabilização estatal por ato lícito foi, às
expressas, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como conseqüência do
postulado que impõe o tratamento igualitário dos cidadãos. Assim consta do RE
113.875, cuja ementa realça o seguinte: "A consideração no sentido de
licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa é isto:
sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou
irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta
no princípio da igualdade do ônus e encargos sociais.”
“Responsabilidade Civil do Estado por atos legislativos”, in RTDP 43,
Malheiros Editores, 2003, p. 89.
No caso em exame, o próprio Estado agiu ou atuou causando
o dano, ao promulgar a Lei nº 11.608/03, Lei de
Custas, que teve o efeito direto e imediato de suprimir o principal aporte à
Carteira. Tal lei se configura perfeitamente como uma lei de efeitos concretos,
conforme a lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO:
“Leis de efeitos concretos são aquelas que se apresentam como leis sob
o aspecto formal, mas que, materialmente, constituem meros atos
administrativos. Para que surjam, seguem todo o processo legislativo adotado
para as leis em geral. Não irradiam, todavia, efeitos gerais, abstratos e
impessoais como as verdadeiras leis, mas, ao contrário, atingem a esfera
jurídica de indivíduos determinados, razão por que pode dizer-se que são
concretos os seus efeitos.
Em relação a tais leis, já se pacificaram doutrina e jurisprudência no
sentido de que podem ser impugnadas através das ações em geral, inclusive o
mandado de segurança, sendo interessado aquele cuja órbita jurídica seja
hostilizada pelos seus efeitos.
Com esse perfil, não é difícil concluir que, se uma lei de efeitos
concretos provoca danos ao indivíduo, fica configurada a responsabilidade civil
da pessoa jurídica federativa de onde emanou a lei, assegurando ao lesado o
direito à reparação dos prejuízos.”
“Manual de Direito Administrativo”, 17ª. edição, Lumen
Juris Editora, 2007, p. 493.
O Estado é inegavelmente responsável por todos os atos
praticados por seus agentes, e no caso em tela, por tratar-se de um ato
legislativo, responderá o Estado por esse quando for inconstitucional ou
quando, embora sendo constitucional, venha causar dano especial e anormal a um
determinado indivíduo ou a um determinado grupo, bastante para tanto a
comprovação do nexo de causalidade entre o dano sofrido e a lei ensejadora do prejuízo.
JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS ESTEVES, em valiosa análise sobre o
tema, assim se pronunciou, em passagem que se amolda perfeitamente ao caso em
exame:
“Repugna à consciência jurídica a noção de que atos estatais de
qualquer espécie possam acoitar-se da obrigação geral de indenizar. Desperta
mesmo certo travo de ironia e frustração aceitar-se que a lei, concebida como
instrumento máximo de contenção do poder do Estado e de proteção individual,
possa se converter em espaço de afirmação de irresponsabilidade da pessoa
política.”
“O Estado Legislador Responsável”, in Direito Público Moderno -
Homenagem especial do Professor Paulo Neves de Carvalho, coordenadores e
co-autores Luciano Ferraz e Fabrício Motta, Del Rey,
Belo Horizonte, 2003, p. 320.
O segundo aspecto a ser enfrentado diz respeito ao
comportamento omissivo do Estado, pois, ao retirar os aportes fundamentais à sustentabilidade da Carteira, o Estado, por meio do IPESP,
deveria ter adotado as medidas necessárias para ajustar a gestão dos recursos a
essa nova realidade, mas nada fez.
Vale aqui conferir outro magistério de CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO, exatamente sobre a responsabilidade subjetiva do Poder
Público nos atos omissivos:
“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o
serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a
teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não
pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi autor, só cabe
responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido
responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento
lesivo.
Deveras, caso o Poder Público não tivesse obrigado a impedir o
acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar
patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal
por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo
responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva,
pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que
não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou,
então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada
obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de
responsabilidade subjetiva.”
“Curso de Direito Administrativo”, 22ª. edição, Malheiros Editores,
2007, p. 976-7.
Toda vez que se fala em um ilícito, deve-se ter em mente a
noção de um dano causado a uma determinada pessoa em função de um comportamento
contrário ao ordenamento jurídico. Quem tem o dever de agir e não o faz comete
um ilícito.
A omissão do Estado é um ilícito, e, portanto, a
responsabilidade por omissão deve ser analisada subjetivamente, verificando-se
a existência da culpa e se o mesmo agiu com negligência, imprudência ou
imperícia.
Tomando emprestado conceito do Direito Penal, pode-se até
dizer que o agente público atuou dolosamente, na medida em que assumiu o riso
de produzir o resultado danoso (dolo eventual, art. 18, I, do Código Penal),
pois, conscientemente admitiu e aceitou a quase certeza de produzir o resultado
deletério ao interesse público.
Com efeito, a documentação trazida para exame deixa
perfeitamente claro que o Conselho da Carteira de Previdência formalmente
solicitou ao IPESP providências (inclusive a suspensão de novas inscrições)
diante da insuficiência da receita para o pagamento dos benefícios, mas a
autarquia nada fez, alegando estar à espera da conclusão da avaliação atuarial,
que estaria sendo procedida pela NOSSA CAIXA, entidade financeira estadual
diretamente interessada no assunto.
No caso de conduta omissiva por parte do agente, quando
tinha o dever de agir e não o fez, caracteriza-se total desobediência à lei,
pelo simples fato de não agir. O princípio da legalidade é um princípio
fundamental da responsabilidade estatal por atos ilícitos.
“O princípio da legalidade é considerado como sendo o princípio maior
que rege os atos administrativos, praticados pelo Estado. Exige ele que a
administração pública somente poderá fazer ou deixar de fazer algo, desde que
prescrito por lei. Ocorre, porém, que em sua grande maioria os atos
administrativos são atos vinculados. Mesmo nos atos discricionários também pesa
tal princípio, visto que a margem de liberdade de decisão que a norma autoriza
ao agente possui, sempre, um limite, posto pela própria norma. Na
responsabilidade do Estado por conduta omissiva, o agente tem o dever de agir,
estabelecido em lei, mas, desobedecendo à lei, não age. Por não ter agido,
causou um dano ao particular. Portanto, trata-se de uma conduta ilícita, isto
é, contraria à lei. Logo, feriu-se o princípio da legalidade.”
JOÃO AGNALDO DONIZETI GANDINI e DIANA PAOLA DA SILVA SALOMÃO, “A
Responsabilidade Civil do Estado por conduta omissiva”, in RTDP, 38, Malheiros
Editores, 2002, p. 179.
A omissão administrativa é assim tratada por LUÍS ROBERTO
GOMES:
“A Administração Pública, no exercício de suas funções, tem o dever
constitucional e legal de atender as finalidades de interesse público norteadas
no ordenamento jurídico, com a meta de bem servir o destinatário de sua atuação
e proporcionar-lhe o bem-estar social. A final, é para isso que o titular do
poder político estatal, o povo, delega seu exercício ao Poder Público e diz a
este, através de comandos legislativos, o conteúdo da vontade que deve ser
concretizada.
(...)
Assim, quando a omissão viola preceitos e parâmetros constitucionais e
legais, pode ser objeto de contestação, na via administrativa ou judicial, a
fim de que se restaure a ordem jurídica violada e o destinatário das prestações
estatais tenha como satisfeitas suas necessidades.”
“O Ministério Público e o controle da Omissão Administrativa”, Forense
Universitária, 2003, p. 66-67.
Ora, contra os atos que deterioraram o patrimônio da
Carteira dos Advogados, caberia ação do IPESP, como gestor legal daquela.
Houve, portanto, omissão culposa, falta de cumprimento de dever legal.
Há que falar, ainda, da responsabilidade à luz da teoria
do risco-proveito, uma vez que os fundos da Carteira dos Advogados sob gestão
do IPESP são depositados na Caixa Econômica Estadual, instituição bancária do
Governo do Estado de São Paulo. Segundo referida teoria, aquele que tira
proveito – no caso, ganho econômico, lucro – responde por danos causados: ubi est emolumentum ibi est ônus.
Inegável que o aporte dos recursos da Carteira dos
Advogados à Caixa Econômica Estadual é de fundo lucrativo. Não se trata de
favor concedido ou favorecimento aos advogados; os recursos do fundo são
utilizados no financiamento de obras públicas e/ou outras atividades do Estado.
Em síntese, seja por ter criado uma situação de risco,
seja por ação (supressão dos recursos), seja por omissão (falha no dever de
promover a recomposição da Carteira), seja, ainda, pelo risco decorrente do
proveito auferido pela detenção dos recursos do fundo, é irrecusável e inafastável a responsabilidade do Estado.
6. Conclusões
À luz de tudo quanto foi acima exposto, diante das razões
e fundamentos acima apresentados, pode-se responder, direta e objetivamente, os
quesitos formulados:
1) Tendo em vista que a Lei
Complementar nº 1.010/07 estipula a futura extinção
do IPESP, a quem caberá a administração da Carteira dos Advogados? Qual o
instrumento legal para designação do novo administrador?
Resposta: A lei é perfeitamente clara ao conferir à SPPrev a condição de sucessora do IPESP, atribuindo-lhe o
encargo de continuar zelando pela boa gestão da Carteira dos Advogados.
Cabe destacar que, nos termos expressos da LC 1.010/07,
“concluída a instalação da SPPREV fica extinto o IPESP, sendo suas funções não
previdenciárias realocadas em outras unidades
administrativas conforme regulamento”. Ou seja, apenas as funções não
previdenciárias é que serão transferidas e, no caso, a administração da
Carteira de Previdência dos Advogados é uma atividade eminentemente
previdenciária.
De qualquer maneira, o regulamento a ser editado é que vai
determinar a competência para a gestão do acervo da Carteira de Previdência dos
Advogados. Qualquer alteração substancial, inclusive a eventual extinção da
Carteira, vai depender da edição de lei estadual cuidando especificamente desse
assunto.
2) Tendo em vista a alteração das
fontes de receita da Carteira dos Advogados pela Lei Estadual nº 11.608/03, deveria o IPESP, na condição de
administrador, ter adotado alguma providência visando sua readequação atuarial?
Resposta: Sem dúvida alguma o dever do IPESP ia muito além da
simples contabilização dos recursos da Carteira, abrangendo, indubitavelmente o
dever de zelar por sua sustentabilidade e, impondo a
obrigação de adotar as medidas para isso necessárias.
Dado que esse dever consta expressamente da lei, a omissão
do IPESP configura patente ilegalidade.
3) A falta de readequação da
Carteira após a promulgação da Lei Estadual nº
11.608/03 e a da Lei Complementar nº 1.010/07 implica
em responsabilidade do Estado?
Resposta: Tanto o IPESP quanto a SPPrev
são prolongamentos personalizados e instrumentos da atuação do Estado no campo
da previdência, sendo assim, indiscutível a responsabilidade subsidiária do
Estado.
4) Em que hipótese poderá a Carteira
vir a ser extinta e quais os efeitos de tal extinção?
Resposta: Verificada, atuarialmente, a
inviabilidade da Carteira, caberá à SPPrev, na
condição de sucessora do IPESP, se for totalmente inviável sua revitalização,
promover a sua liquidação, nos termos da lei estadual que vier a disciplinar
essa matéria.
Entretanto, sempre deverão ser respeitados os direitos
adquiridos, que são intangíveis, e deverão ser também amparados os direitos
decorrentes dos atos jurídicos perfeitos praticados durante o pleno
funcionamento da Carteira.
Ou seja: os benefícios que já estejam sendo ou que
poderiam estar sendo desfrutados deverão ser mantidos pelo Estado e os recursos
remanescentes na Carteira deverão servir para ressarcir ou amparar os
contribuintes titulares de expectativas de direitos.
5) Na hipótese de extinção da
Carteira, quais são os direitos dos participantes ativos e inativos? Existem
direitos adquiridos?
Resposta: Os participantes inativos, que já recebem os benefícios
para os quais contribuíram e aqueles que, embora não estejam recebendo
benefícios, já implementaram as condições de sua fruição, são titulares de
direitos adquiridos e deverão continuar recebendo os mesmos benefícios. Os
contribuintes ativos, detentores de expectativas de direitos, devem ser
indenizados com base na "reserva individual" de cada participante, a
ser calculada tomando-se como referências a soma das contribuições efetuadas e
a participação proporcional ao tempo de contribuição nos ingressos referentes
às custas, aos rendimentos das aplicações e outros ingressos. Em nenhuma
hipótese o Estado poderá apropriar-se dos recursos da Carteira.
6) Quais são as responsabilidades do
IPESP e do Estado de São Paulo pelo pagamento das obrigações devidas aos
beneficiários da Carteira dos Advogados de São Paulo?
Resposta: O IPESP, até sua extinção, e a SPPrev
como sua sucessora, respondem diretamente perante os beneficiários da Carteira
e, na hipótese de que estas entidades criadas pelo Estado não possam arcar com
os pagamentos devidos, responderá o Estado subsidiariamente.
S.M.J, é o parecer.
São Paulo, 08 de outubro de 2.007.
ADILSON ABREU
DALLARI
OAB/SP: 19.696