Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da .... ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado de São Paulo.
____ ADVOGADOS, sociedade de advogados com sede na Rua ____, na cidade de São Paulo –SP, inscrita no CNPJ sob n.º ____, por seus advogados, vem à presença de V. Exa., com fulcro nos artigos 927 e seguintes do Código Civil, combinados com os artigos 270 e seguintes do Código de Processo Civil, para propor a presente
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
em face de ______, brasileiro, casado, juiz de direito, portador da Carteira de Identidade RG nº ____ e inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda sob o nº ____, residente e domiciliado nessa cidade de São Paulo, na Rua _______, o que faz pelos motivos de fato e direito que, articuladamente, passa a expor.
DOS FATOS
A autora é tradicional sociedade de
advogados estabelecida nesta Capital, regularmente constituída e com seus atos
registrados perante a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, a
esta se aplicando todas as disposições pertinentes da Lei n.º 8.906/94.
Na data de __/__/__, a autora foi
surpreendida pela arbitrária e ilegal invasão de suas dependências por membros
da Polícia Federal no Estado de São Paulo, em suposta investigação ocorrida no
contexto da chamada “Operação Cevada”, na qual se busca apurar supostos fatos
delituosos relativos a crimes contra a ordem tributária, capitulados na Lei n.º
8.137/90 e posteriores alterações.
Ao verificar o mandado de busca e
apreensão em cumprimento nas dependências da autora, a ordem assim estava
redigida, de acordo com decisão judicial exarada pelo réu:
“Determino, por conseguinte, a busca e
apreensão de documentos e coisas que se encontrem nas dependências do
escritório ___, com sede na Rua___, nesta Capital, que possuam relação com os
fatos delituosos relacionados no libelo e no relatório final do Inquérito
Policial de fls.”.
O mandado de apreensão genérico acima
transcrito, todavia, ofende a lei processual penal e está em total conflito com
as garantias das sociedades de advogados esculpidas na Lei n.º 8.906/94,
tornando manifestamente nula a ordem e, via de conseqüência, qualquer apreensão
de coisas e documentos que se fizerem sob seu cumprimento.
Referida ordem, por ser manifestamente
ilegal e arbitrária, gera a responsabilização pessoal do magistrado que a
proferiu em indenizar os danos causados à autora, já que se encontra em
desacordo evidente com o ordenamento jurídico e com os mais comezinhos
princípios de direito aplicáveis à espécie.
Entretanto, se na comunidade jurídica tal
ilegalidade se mostra ululante, o mesmo julgamento técnico não é realizado por
toda a sociedade, que de modo natural e inevitável termina por estabelecer –
com base no senso comum – uma relação entre a autora e os fatos delituosos
amplamente noticiados na imprensa.
Tudo isto, se não bastasse, sob os
holofotes da imprensa, que jamais explora a ilegalidade da genérica ordem de
apreensão, limitando-se a abordar em imagens e palavras a invasão das
dependências da autora com todas as pompas de “ato de justiça”, à margem da
legalidade e dos mais fundamentais princípios da ordem jurídica.
É inegável, por outro lado, que a relação
entre advogado e cliente é baseada exclusivamente na confiança e no sigilo,
erigidos ao longo de anos de trabalho
árduo, honesto e competente.
Todo este esforço, todavia, é derruído em
minutos de exposição negativa da mídia, noticiando a ilegal e arbitrária
invasão das dependências da autora em cumprimento a um mandado genérico de
busca e apreensão.
Esta circunstância, como a seguir será
demonstrado, acarreta evidente dano moral à autora, atingindo sua honra
objetiva perante clientes, sociedade e comunidade jurídica, colocando a autora
no mesmo patamar dos criminosos investigados sem qualquer cuidado de preservar
seu nome e o sigilo dos dados e informações mantidos em arquivos confidenciais.
Por todas estas razões, está caracterizada
a responsabilidade civil do réu na indenização por todos os danos morais
causados à autora, na expedição e no
cumprimento de ordem de apreensão genérica, ilegal e arbitrária, senão vejamos.
DO DIREITO
- Da
ilegalidade da ordem de apreensão
A ordem de apreensão acima transcrita
ofende frontalmente o disposto no §2º do artigo 243 do Código de Processo
Penal, que assim preceitua:
“Art. 243. O
mandado de busca deverá:
(...)
§ 2o
Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do
acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito”.
De acordo com o dispositivo transcrito, é
vedada a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando
este constituir elemento de corpo de delito.
A exceção trazida pelo
dispositivo legal – “salvo quando constituir elemento do corpo de
delito” – não constitui verdadeiro “cheque em branco” ao magistrado, para
determinar a apreensão genérica de documentos que se encontrem em poder do
defensor e que, porventura, tenham relação com os fatos delituosos narrados
pelo parquet ou pela autoridade policial.
Ao
comentar este dispositivo, assim se manifestou FERNANDO
DA COSTA TOURINHO FILHO:
“Se a prevenção
é contra o próprio Advogado, por fatos estranhos ao exercício de sua profissão,
a Autoridade competente tem o direito de proceder a todas as buscas e
apreensões que julgar úteis; mas, se se tratar de buscar, examinar e
apreender cartas e outros papéis confiados ao Advogado, na qualidade de patrono
do acusado, o seu escritório deve estar ao abrigo das buscas que tenham por
objeto descobrir, aí, indícios ou provas dos delitos imputados a seus clientes.
Não há justiça sem liberdade de defesa. E esta plenitude da defesa é um direito
garantido pela Constituição.
(...)
Tão plena é
essa garantia concedida ao acusado que o legislador usou a expressão ‘defensor’
do acusado, donde se concluir que, se um cidadão, mesmo não sendo bacharel em
Direito (provisionado, p. ex.), estiver funcionando num processo como defensor,
a ele se estende a regalia do §2º do artigo 243” (Processo
Penal, v. 3, 20ª ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 369).
Por
força desta garantia, sempre que o documento em poder do advogado constituir
“corpo de delito”, como admite o §2º do artigo 243 do Código de Processo Penal,
deve estar devidamente individualizado no mandado de busca e apreensão, de
forma a preservar o sigilo de todos os demais documentos e dados estranhos à
investigação e relativo aos demais clientes do patrono.
Sobre
esta necessidade, confira-se editorial publicado pela Associação dos Advogados
de São Paulo – AASP a toda comunidade jurídica, ao abordar a recente onda de
invasão a escritórios de advocacia:
“A regra é
suficientemente clara para quem queira ver: exceção feita ao encontro do
próprio corpo de delito, prova elementar e material do crime sob investigação,
sem a qual o criminoso poderá safar-se de sua responsabilidade impunemente,
nada além disso pode ser apreendido num escritório de Advocacia, ainda que
sejam encontrados elementos para aprimoramento da culpabilidade do investigado.
E não é difícil perceber que sem o respeito a essa prerrogativa profissional do
advogado sua atuação se torna inviável, o seu relacionamento com o cliente
fenece pelo fundado temor daquele de lhe confiar provas, elementos, dados que
possam de algum modo contribuir para a defesa. Ademais, o sigilo das relações
entre advogado e cliente é absoluto” (in Tribuna do Direito, Ano 13, n.º 147,
julho de 2005, p. 4).
Se
não bastasse a garantia estabelecida pelo legislador processual penal desde
1941, a inviolabilidade do advogado foi reforçada de forma plena e sem
restrições pelo inciso II do artigo 7º da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da
Advocacia), que assim dispõe:
“Art. 7º São
direitos do advogado:
I - exercer,
com liberdade, a profissão em todo o território nacional;
II - ter
respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a
inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e
dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou
afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e
acompanhada de representante da OAB;”
De
acordo com o dispositivo legal, é direito fundamental do advogado a
inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e
dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou
afins.
Referida
garantia somente pode ser quebrada por busca e apreensão determinada por magistrado
e acompanhada por representante da OAB. À evidência, a aludida apreensão deve
ocorrer nos estritos termos da lei processual, civil ou penal.
Ao
comentar a exceção prevista neste artigo – quanto à busca e apreensão no local
de trabalho do advogado – assim se manifestou PAULO LUIZ NETO
LÔBO:
“A
inviolabilidade dos meios de atuação profissional do advogado sofre uma
importante exceção, que corresponde ao sentido da locução ‘limites da lei’
contida no artigo 133, da Constituição; é a da busca e apreensão determinada
por magistrado. Não pode o advogado reter documentos que lhe foram confiados
para os subtrair às investigações judiciais, sob pena de proteger o delito e a
impunidade. A apreensão deverá se ater, exclusivamente, às coisas achadas ou
obtidas por meios criminosos, como prevê o art. 240, §1º, ‘b’ do Código Penal.
Só!
A busca e
apreensão não pode incluir correspondências recebidas pelo advogado, porque são
confidências escritas, feitas ao abrigo da confiança e da tutela da intimidade,
garantidas pela Constituição (art. 5º, XII), nem demais os documentos, arquivos
e dados que não se vinculem à finalidade ilícita, objeto da busca; nestes casos
a inviolabilidade é absoluta” (Comentários
ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB, Brasília, Brasília Jurídica, 1994,
p. 49 – grifos nossos).
Não
há como proteger a inviolabilidade do local de trabalho do advogado quando se
determina a expedição de mandado de busca e apreensão genérico, que não
delimite o corpo delito ou individualize até o possível quais os documentos que
se vinculam ao fato delituoso sob investigação.
Ao
contrário, a ordem de apreensão genérica dirigida a um escritório de advocacia
atenta contra o §2º do artigo 243 do Código de Processo Penal e o inciso II do
artigo 7º da Lei n.º 8.906/94, na medida em que torna letra morta o sigilo dos
dados e documentos confiados ao advogado por todos os clientes que não possuam
qualquer relação com a investigação em curso.
- Da
responsabilidade pessoal do magistrado
A expedição de uma ordem ilegal e arbitrária
de invasão das dependências da autora, mediante mandado genérico de busca e
apreensão em violação ao §2º do artigo 243 do Código de Processo Penal e ao
inciso II do artigo 7º da Lei n.º 8.906/94, gera responsabilidade pessoal do
magistrado pela indenização dos danos sofridos pela autora.
A responsabilidade civil do magistrado no
exercício de suas funções está delimitada no artigo 49 da Lei Complementar n.º
35/79 (Lei Orgânica da Magistratura
Nacional), que assim dispõe:
“Art. 49. - Responderá por perdas e danos
o magistrado, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder
com dolo ou fraude;
Il - recusar, omitir ou retardar, sem
justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das
partes.
Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas
as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio
do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe
atender o pedido dentro de dez dias.”
De acordo com a norma legal, o magistrado
terá responsabilidade pessoal por atos jurisdicionais sempre que, no exercício
de suas funções, agir com dolo ou fraude, causando prejuízos à parte ou a
terceiros destinatários de seus comandos.
Não se pode deixar de aplicar, ainda que
subsidiariamente a esta norma, o disposto na lei civil quanto à
responsabilidade do réu, ressalvando-se apenas a necessidade de dolo ou fraude
para sua caracterização exigida pelo citado artigo 49 da Lei Orgânica da
Magistratura.
E, como veremos adiante, os acontecimentos narrados indicam a presença de todos os requisitos necessários à caracterização da responsabilidade civil do réu.
Senão vejamos.
Dispõe o
artigo 186 do Código Civil que “aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Do mesmo modo, a teor do artigo 927 do
Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Por sua vez, o dolo – tal como exigido pelo
artigo 49 da Lei Orgânica da Magistratura – divide-se em duas espécies
fundamentais: o dolo direto e o dolo eventual.
Entende-se por dolo direto a intenção
deliberada de causar prejuízo a outrem, mediante ação ou omissão voltada àquela
finalidade ilícita.
Por dolo eventual, nas palavras de RUI STOCO, entende-se como aquele em que o agente “prevê
o resultado como possível, e o admite como conseqüência de sua conduta, embora
não queira propriamente atingi-lo” (Tratado de Responsabilidade Civil,
6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 144).
Desta forma, será eventual o dolo quando o
agente, tendo ciência das conseqüências de seus atos, ainda assim o pratica,
embora não tenha a intenção deliberada de causar dano. Em outras palavras, é o
ato potencialmente lesivo praticado pelo agente que tem conhecimento pleno das
conseqüências danosas que poderá causar a seu destinatário, apesar de não ter a
intenção deliberada de provocar prejuízos.
Na lição do eterno CAIO MÁRIO DA SILVA
PEREIRA,
“modernamente, o conceito de dolo
alargou-se, convergindo a doutrina no sentido de caracterizá-lo na conduta
antijurídica, sem que o agente tenha o propósito de prejudicar.
Abandonando a noção tradicional do animus nocendi (ânimo de prejudicar),
aceitou que sua tipificação delimita-se no procedimento danoso, com a
consciência do resultado. Para caracterização do dolo não há mister
perquirir se o agente teve o propósito de causar o mal. Basta verificar se ele
procedeu consciente de que seu comportamento poderia ser lesivo. Se a prova
da intenção implica a pesquisa da vontade de causar o prejuízo, o que
normalmente é difícil de conseguir, a verificação da consciência do
resultado pode ser averiguada na determinação de elementos externos que
envolvem a conduta do agente”
(Responsabilidade Civil, 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 66 –
grifos nossos).
Desta feita, e seguindo os ensinamentos da
doutrina, para caracterização da intenção dolosa (sob a modalidade eventual) é
preciso averiguar se o agente tinha consciência dos danos que seu ato poderia
causar a terceiros.
No presente caso, a ação dolosa se
consubstancia em ordem genérica de busca e apreensão de documentos em
escritório de advocacia. Teria o réu consciência da ilicitude de seu ato e dos
danos que poderia causar à autora? A nosso entendimento, a resposta é
inevitavelmente afirmativa, pelas seguintes razões básicas:
a) a ordem de apreensão
genérica é manifestamente nula por ofensa ao artigo 133 da Constituição da
República, ao §2º do artigo 243 do
Código de Processo Penal e ao inciso II do artigo 7º da Lei n.º 8.906/94, na
medida em que torna letra morta o sigilo dos dados e documentos confiados ao
advogado por todos os clientes que não possuam qualquer relação com a
investigação em curso;
b)
ao juiz não é dado alegar desconhecimento da lei (jura novit curia), nos
termos do artigo 126 do Código de Processo Civil e do artigo 384 do Código de
Processo Penal, que encerram o princípio da substanciação no processo
brasileiro;
c)
desta forma, presume-se de modo absoluto que o réu tinha ciência do
quanto disposto no artigo 133 da Constituição da República, no §2º do artigo 243 do Código de Processo
Penal e no inciso II do artigo 7º da Lei n.º 8.906/94.
Portanto,
e diante de presunção absoluta decorrente de lei, é patente a consciência
do réu acerca das conseqüências danosas que sua ordem genérica para invadir um
escritório de advocacia poderia causar à autora, como de fato acarretou.
Ademais,
a ordem genérica, ilegal e arbitrária expedida pelo réu ofende também o inciso
I do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura, que preceitua:
“Art. 35. - São deveres do magistrado:
I - Cumprir e fazer cumprir, com
independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os
atos de ofício;”
Assim,
estão presentes os elementos essenciais para caracterização da responsabilidade
civil do réu na reparação dos danos causados à autora, uma vez demonstrada a ação dolosa, consistente na ordem
genérica, ilegal e arbitrária de apreensão de documentos nas dependências da autora,
e a existência do nexo causal, uma vez que os danos – que serão a seguir
demonstrados – foram acarretados direta e exclusivamente pela ordem ilegal
emitida pelo réu em face da autora, conforme simples análise do mandado de
busca e apreensão em apreço.
Para que não pairem dúvidas quanto à
justeza desta colocação, examinemos inicialmente o requisito legal que a
doutrina denomina “nexo de causalidade”.
- Do nexo de causalidade
Segundo a sempre precisa lição do mestre Caio
Mário da Silva Pereira,
“Na etiologia da
responsabilidade civil, como visto, são presentes três elementos, ditos
essenciais na doutrina subjetivista, porque sem eles não se configura: a ofensa
a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e um nexo de causalidade
entre uma e outro. Não basta que o agente haja procedido contra direito, isto
é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um ´erro de conduta´;
não basta que a vítima sofra um ´dano´, que é elemento objetivo do dever de
indenizar, pois se não houver prejuízo a conduta antijurídica não gera
obrigação ressarcitória. É necessário que se estabeleça uma relação de
causalidade entre a antijuridicidade da ação e o mal causado, ou, na feliz
expressão de Demogue, ´é preciso que esteja certo que, sem este fato, o dano
não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a
certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria´ (Traíte
des Obligations en Général, vol. IV, nº 366). (...) Para que se concretize
a responsabilidade é indispensável se estabeleça uma interligação entre a
ofensa à norma e o prejuízo sofrido, de tal modo que se possa afirmar ter
havido o dano ´porque´o agente procedeu contra direito (René Rodière,
Responsabilité Civile, p. 232; Marty e Raynaud, Droit civil, tomo II, vol. 1º,
Les Obligations, nº 477). Na relação causal pode estar presente o fator
volitivo ou pode não estar. Isto é irrelevante. O que importa é determinar que
o dano foi causado pela culpa do sujeito (Plainiol, Ripert e Esmein,
Traité Pratique de Droit Civil, vol. VI, nº 538)”(Responsabilidade Civil”, op. cit.,
pág. 75, grifos nossos).
Esta definição doutrinária
amolda-se com perfeição à hipótese trazida a Juízo: com base em ordem ilegal,
consubstanciada em mandado de busca e apreensão dirigido diretamente à autora, foram
invadidas as suas dependências por agentes policiais, para busca de quaisquer
dados que pudessem auxiliar a persecução penal. Tudo isto, lembre-se, à revelia
do disposto no artigo 133 da Constituição da República, no §2º do artigo 243 do Código de Processo Penal e no inciso II
do artigo 7º da Lei n.º 8.906/94.
Daí o cabimento do pedido
indenizatório a ser formulado mais à frente, com base nos danos materiais e
morais causados.
Dos danos morais causados à autora
Não há mais espaço, no mundo jurídico, para
a discussão acerca da reparabilidade, ou não, do dano moral sofrido por pessoa
jurídica. Embora num primeiro momento se tenha controvertido acerca desta
possibilidade, até mesmo com respeitáveis entendimentos contrários a ela,
atualmente o Estado de Direito democrático não mais dá guarida à impunidade às
ofensas não patrimoniais praticadas contra as pessoas jurídicas.
O magistrado e professor Antonio Jeová
Santos, em obra dedicada exclusivamente ao dano moral, enfrentou o tema de
maneira percuciente.
Após apontar a controvérsia original acerca
da matéria, assevera o doutrinador que
“Muito maior é a posição daqueles que
compreendem que a pessoa jurídica pode sofrer danos extrapatrimoniais. A
sedimentação de tal entendimento vai aos poucos sufocando aquele outro que
desconsidera por completo a possibilidade de a pessoa jurídica padecer essa
modalidade de dano. Mas consentâneo com a realidade de nossos dias e porque a
pessoa jurídica, como criação do Direito, não é ficção, nem ente abstrato, há
de receber a proteção em toda a sua dimensão, independente de ausência de
espiritualidade.
Embora não seja titular de honra subjetiva
que vem a ser a dignidade, o decoro e a auto-estima, caracteres exclusivos do
ser humano, a pessoa jurídica detém honra em seu substrato objetivo. Sempre que
seu bom nome, reputação ou imagem (no sentido lato da expressão) forem
vilipendiados em decorrência de ilicitude cometida por alguém, o direito deve
estar presente para sujeitar o agressor à indenização por dano moral” (Antonio
Jeová Santos, Dano Moral Indenizável, Ed. Lejus, 2ª edição, 1999, págs.
153/154).
Não é demais observar, a despeito da firmeza da autora citada,
que, quando se trata de sociedade de pessoas, prestadora de serviços, como é o
caso da autora, é até mesmo discutível a ausência de honra subjetiva, já que os atributos desta modalidade,
mencionados no trecho supra, chegam mesmo a se confundir entre a pessoa física
e a pessoa jurídica daquela natureza.
Prossegue o referido doutrinador, em outra parte de sua obra,
asseverando que o dano moral prescinde da prova de qualquer expressão material,
sendo que a ocorrência do evento danoso, por si só, é suficiente para ensejar a
indenização pelo dano moral. Nesse sentido suas palavras, “in verbis”:
“(…)
O que não é de ser admitido é sempre exigir que a pessoa jurídica prove a
existência do prejuízo, para que ocorra a indenização. Aí, está se
imaginando que o abalo de crédito dá ensejo ao dano exclusivamente patrimonial.
A prova acerca do prejuízo, é de ser admitida apenas quando o pedido de
indenização prove que o comerciante padeceu dano patrimonial. Caso contrário, o
dano moral exsurge in re ipsa, ou seja, do ato injusto cometido pelo ofensor
negligente que permitiu que o nome de alguém passasse a figurar no index
destinado aos descumpridores de obrigações, a inadimplentes.
Bem
por isso, Yussef Cahali, em sua famosa obra Dano Moral, à pp. 360-361,
esclarece que ‘sob o aspecto das repercussões econômicas do patrimônio do
ofendido, não há dúvida de que esse entendimento remanesce proveitoso, a
induzir a necessidade de prova do prejuízo reclamado, como pressuposto do
ressarcimento pretendido, o que não impede, aliás, a concessão de reparação
do dano moral, acaso postulada, mesmo que não comprovado o dano de natureza
patrimonial’ (op. cit. p. 460-461 – grifos nossos).
Também neste sentido vem se orientando o
entendimento da moderna jurisprudência brasileira, como se vê em hipótese
perfeitamente assemelhável à aqui tratada:
“Não há necessidade, por isso, de reflexo patrimonial, bastando-se à
reparação que o fato, por si só, cause ao ofendido transtorno e reações
constrangedoras, como resultante do protesto indevido de título de crédito.” (RT 725/241).
Fixadas tais premissas doutrinárias e jurisprudenciais iniciais, não resta dúvida quanto ao cabimento de indenização pelos danos morais sofridos pela Autora, decorrentes da conduta ilícita do réu que, agindo da forma temerária exposta à saciedade, atingiram a honra objetiva da autora.
De fato, já se consolidou na jurisprudência o
entendimento de que é possível a ocorrência de danos morais à esfera da pessoa
jurídica, no caso de ofensa à sua honra objetiva, conforme se extrai dos
julgados abaixo ementados, in verbis:
“CIVIL
– AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL – PESSOA JURÍDICA – DANO MORAL.
I – A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial. Cabível a ação de indenização, por dano moral, sofrido por pessoa jurídica, visto que a proteção dos atributos morais da personalidade não está reservada somente às pessoas físicas”. (STJ – Resp. 147702/MA, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO)
CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. HONRA
OBJETIVA. DOUTRINA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL. RECURSO PROVIDO PARA AFASTAR A
CARÊNCIA DA AÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA.
A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta corte, onde o entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos morais, considerados esses como violadores da sua honra objetiva”. (STJ – 4ª Turma – Resp. 134993/MA, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, deram provimento V.U, 03.02.1998)
Vale relembrar que, no caso concreto, a
ofensa à honra objetiva se deu de forma extremamente grave e direta. Se na
comunidade jurídica a ilegalidade do ato praticado pelo réu se mostra ululante,
o mesmo julgamento técnico não é realizado por toda a sociedade, que de modo
natural e inevitável termina por estabelecer – com base no senso comum – uma
relação entre a autora e os fatos delituosos amplamente noticiados na imprensa.
Tudo isto, se não bastasse, sob os
holofotes da imprensa, que jamais explora a ilegalidade da genérica ordem de
apreensão, limitando-se a abordar em imagens e palavras a invasão das
dependências da autora com todas as pompas de “ato de justiça”, à margem da
legalidade e dos mais fundamentais princípios da ordem jurídica.
É inegável, por outro lado, que a relação
entre advogado e cliente é baseada exclusivamente na confiança e no sigilo,
erigidos ao longo de anos de trabalho
árduo, honesto e competente.
Esta circunstância se torna patente pela
leitura dos artigos 8º e 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB, assim
redigidos:
“Art. 8º. O advogado deve informar ao
cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua
pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda.
Art. 27. As confidências feitas ao
advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da
defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte.
Parágrafo único. Presumem-se confidenciais
as comunicações epistolares entre advogado e cliente, as quais não podem ser
reveladas a terceiros”.
Todo este esforço, todavia, é derruído em
minutos de exposição negativa da mídia, noticiando a ilegal e arbitrária
invasão das dependências da autora em cumprimento a um mandado genérico de
busca e apreensão.
Esta circunstância acarreta evidente dano
moral à autora, atingindo sua honra objetiva perante clientes, sociedade e
comunidade jurídica, colocando a autora no mesmo patamar dos criminosos
investigados sem qualquer cuidado de preservar seu nome e o sigilo dos dados e
informações mantidos em arquivos confidenciais.
É inegável o forte abalo sofrido na reputação
do advogado e de sua banca com a invasão súbita de seu local de trabalho,
supostamente para encontrar elementos criminosos incertos, que tenham qualquer
ligação com fatos delituosos atribuídos a seus clientes.
O que pensarão os demais clientes acerca do
escritório autor? Qual será a confiança da sociedade em contratar os serviços
da autora, se esta pode ser invadida a qualquer momento pela Polícia Federal?
Quem irá se confidenciar com os advogados que laboram no escritório autor, se
qualquer documento particular poderá, repentinamente, estar nas mãos de
autoridades policiais, da imprensa e de terceiros quaisquer?
E o que pensar dos advogados que compõem a
sociedade autora? Estariam envolvidos com fatos criminosos noticiados com
alarde pela imprensa, já que foram invadidos pela Polícia Federal? É
evidente que toda a sociedade não possui o discernimento de desvincular o autora
e seus advogados dos fatos alardeados pela imprensa como delituosos, ainda que
em cumprimento a mandado de busca genérico e sem qualquer individualização.
Não é demais lembrar que a reputação do advogado constitui até mesmo parâmetro legal para arbitramento de honorários advocatícios, conforme a moderna interpretação do artigo 20 do Código de Processo Civil.
Considerando o abalo de credibilidade sofrido pela Autora, caberá a esse MM. Juízo, em face das circunstâncias expostas, condenar o Réu ao pagamento de indenização, a título de danos morais, em valor a ser arbitrado com rigor e em conformidade com o permissivo contido no artigo 946 do Código Civil vigente.
A propósito dos parâmetros para o
arbitramento da indenização, insta salientar a necessidade que seja fixada em
montante suficiente para desestimular o Réu à pratica de atos desta espécie,
perpetrados em afronta à lei e ao bom-senso, devendo ser considerada, ainda,
sua capacidade econômica, a ser demonstrada no curso da ação ou em fase de
liquidação.
Ainda quanto ao valor da esperada
condenação, tem perfeita aplicação o entendimento de CARLOS ALBERTO BITTAR,
que aponta que a evolução da questão do dano moral fez com que fosse abandonada
a técnica de atribuição de valores inexpressivos para a condenação do
praticante do ato ilícito, a saber:
“Nessa linha de raciocínio, vêm os tribunais aplicando verbas consideráveis, a título de indenização por danos morais, como inibidoras de atentados ou de investidas indevidas contra a personalidade alheia (RF 268/253 e 270/190). Essa diretriz, que vem de há muito tempo sendo adotada na jurisprudência norte-americana, em que cifras vultosas têm sido impostas aos infratores, como indutoras de comportamentos adequados, sob os prismas moral e jurídico, nas interações sociais e jurídicas” (Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil, p. 26).
Espera-se que o valor da indenização ora pleiteada seja arbitrado por V.Exa. levando em conta as particularidades do caso concreto, sem perder de vista a gravidade da conduta do réu e envolvendo notória banca de advogados, o que por certo qualifica a ofensa à honra objetiva tutelada na espécie.
Diante
do exposto, a autora requer a citação do Réu, por oficial de justiça, para que,
querendo e no prazo legal, apresente a defesa que entender cabível,
prosseguindo o feito até o julgamento de procedência da ação para que,
reconhecida sua responsabilidade civil pelo ato ilícito praticado, seja
condenado:
a) à reparação integral do dano moral decorrente do comportamento delituoso narrado na presente, em valor que se espera seja arbitrado por esse MM. Juízo em quantia que entender cabível à espécie; e
c) a arcar com os ônus da sucumbência, respondendo pelas custas, despesas processuais, honorários advocatícios e demais consectários.
Requer-se provar o alegado por todos os meios e provas admitidos em direito, em especial pelo depoimento pessoal do Réu, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas, juntada de novos documentos, pareceres, perícias, bem como todos os demais que se fizerem necessários.
Dá-se à presente o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para os demais fins de direito.
Nestes
termos,
Pede
deferimento.
São
Paulo, de julho de 2005.
Alexandre Thiollier Filho
OAB/SP 40.956