quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Arquivo do dia 21/03 de 2016

PILULAS

"José Eduardo Cardozo era professor da Faculdade de Direito da PUC. Quando eleito vereador em SP soube conciliar muito bem as funções de político e professor. Porém, quando assumiu o MJ abandonou totalmente a condição de jurista, ignorou tudo que sabia e ensinava sobre a República, o interesse público e a ética, para defender, incondicionalmente, os interesses políticos do governo e do partido. Para substituí-lo a presidente nomeou um membro do MP, Wellington César Lima, que deixou de ser ministro sem nunca ter sido, porque essa acumulação é, indiscutivelmente, vedada pelo art. 128 da Constituição. Agora, para substituir o substituto, a Presidente nomeou Eugênio Aragão, também integrante do MP, uma figura grotesca, que começou por ameaçar a PF. Na perspectiva jurídica, sua nomeação é tão inválida quanto a do Wellington Lima, e pela mesma razão. Já há uma ação no STF, movida pelo PPS, postulando a decretação dessa nulidade. Aragão argumenta que não estaria proibido de ocupar cargo no Executivo, sem deixar o MP, por já ser integrante do MP anteriormente à promulgação da CF/88. Com efeito, a CF, nas disposições transitórias, art. 29, § 3º, dispõe: "Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita as garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta." Note-se o destaque para as vedações. Uma coisa é a manutenção de regime quanto a garantias e vantagens, e outra coisa são as vedações, para as quais deve ser observada a situação jurídica vigente em 5 de outubro de 1988. Ou seja: quem, nessa data, se encontrasse em acumulação que passou a ser vedada, poderia assim permanecer. Trata-se de uma oportuna aplicação do princípio da segurança jurídica. Porém, de maneira alguma é possível extrair daí que integrantes do Ministério Público naquela data incorporaram ao seu patrimônio jurídico o direito de acumular funções expressamente proibidas pelo texto constitucional. Isso ficou muito claro no julgamento do RE 157.538-7 Rio de Janeiro (STF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, VU, presentes os Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Ilmar Galvão, 22/6/93), de cuja ementa consta, expressamente, que "Não há direito adquirido contra a Constituição". Toda norma jurídica, para ser aplicada, deve ser primeiro interpretada, sendo certo que toda norma comporta uma pluralidade de interpretações. Entretanto, um princípio fundamental de hermenêutica é aquele no sentido de que toda exceção deve ser interpretada restritivamente. No caso em exame, não é possível dar interpretação extensiva, atribuindo a antigos membros do MP o privilégio de violar a Constituição. Espera-se que a Presidente tenha o bom senso de abandonar a luta inglória pela manutenção de mais uma violação da Constituição e nomeie para o MJ algum dos muitos respeitáveis juristas que a apoiam, e que não abandone seu compromisso com o Direito, acabando com a triste sina desse órgão governamental." Adilson Abreu Dallari Professor Titular de Direito Administrativo pela PUC/SP, especialista em Direito Político pela Faculdade de Direito da USP e consultor jurídico

Pode-se (e é saudável para a democracia) questionar a decisão política da presidente Dilma de nomear Lula ministro. A nós, todavia, interessa a questão jurídica, estritamente. Vamos a ela, a partir da decisão que, na sexta-feira à noite, anulou a nomeação. Justiça apaixonada A decisão do ministro Gilmar Mendes não o homenageia como grande constitucionalista que é. Ao contrário. Mas entende-se. A paixão turva a lógica do jurista. Com efeito, poderia ser discutida a competência acerca do novel foro privilegiado, quando este se dá em pleno andamento de investigação. No entanto, questionar a discricionariedade do ato administrativo da nomeação é forçar a barra. De modo que quem se desviou da finalidade, com todas as vênias, foi a decisão, uma vez que o caso era de competência e acabou sendo de desvio de finalidade. Aliás, a parte final do r. decisum deixa claro que a questão era unicamente de competência, pois o ministro ressalta que há "pedido de prisão preventiva e de admissibilidade de ação penal, que necessitam de definição de foro para prosseguimento". Executivo ad referendum do Judiciário Se se falasse apenas de competência para as investigações, o ministro Gilmar Mendes, mutatis mutandis, não seria competente para resolver monocraticamente. Com efeito, o caso seria de relatoria do ministro Teori, nas mãos de quem estão concentrados os procedimentos da Lava Jato. Por isso, provavelmente, o ministro tenha optado por anular a nomeação. A decisão, todavia, não resiste a uma assentada. Isso porque não pode o Judiciário, a não ser que queira atravessar a Praça para despachar do lado de lá, se imiscuir numa nomeação política da presidente da República. As coisas, definitivamente, não podem ser assim. Não é bem assim... O ministro Gilmar Mendes disse em sua decisão que "a partir do caso Natan Donadon, o STF consolidou jurisprudência no sentido de que a renúncia a cargos públicos que conferem prerrogativa de foro, com o velado objetivo de escapar ao julgamento em iminência, configura desvio de finalidade, inapto a afastar a competência para o julgamento da causa". Pois bem, assim como os ministros conhecem a Constituição de cabo a rabo, e separar este ou aquele trecho para leitura não significa intenção de fraude, também é o caso do acervo de decisões da Corte, de modo que todos sabem que o "consolidou jurisprudência" a que se refere o ministro é apenas um instrumento retórico e não deve ser lido ao pé da letra. De fato, o "consolidou" durou de junho de 2013 a março de 2014. Foi o tempo de uma gestação, apenas 9 meses, para que se parisse outra jurisprudência, diametralmente oposta. De fato, na AP 536, na qual o réu era o tucano Eduardo Azeredo, ele próprio e a maioria da Corte entenderam que a renúncia do então deputado Federal, com evidente intenção de escapar do julgamento no STF, tinha o condão de levar o processo crime para a primeira instância.