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STF aceita denúncia contra o senador Eduardo Azeredo pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro
Ao final da leitura do voto-vista do ministro Dias Toffoli na sessão de ontem, 3/12, que abriu a divergência, o relator do inquérito do mensalão mineiro (Inq 2280), ministro Joaquim Barbosa pediu a palavra para reafirmar seu voto, no sentido de acolher a denúncia da Procuradoria Geral da República contra o ex-governador de Minas Gerais e atual senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG) quanto aos crimes de peculato e lavagem.
Segundo Barbosa, nesta fase de inquérito é necessário verificar somente os seguintes dados: se a denúncia descreve um fato criminoso praticado dolosamente e se a descrição feita na denúncia está baseada em elementos probatórios mínimos constantes dos autos do inquérito, permitindo o exercício da ampla defesa do acusado no curso da ação penal.
"Quanto a isso, não tenho a menor dúvida. Os desvios das estatais estão plenamente documentados. Não há a menor dúvida de que houve aparentemente uma lavagem de dinheiro. Somas expressivas transitaram por essas contas e foram utilizadas para pagar os operadores da campanha por ninguém menos que Marcos Valério", afirmou o relator.
Ricardo Lewandowski
Após a intervenção do relator, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou seu voto. Ele afirmou que a denúncia do MP deve observar os requisitos do artigo 41 do CPP (clique aqui) : a exposição dos fatos criminosos com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e finalmente o rol dos acusados, se for o caso.
O ministro acrescentou que a denúncia só pode ser rejeitada, de acordo com o artigo 395 do CPP, se for inepta, se ausente algum dos pressupostos da ação ou se faltar justa causa para a sua instauração.
"A denúncia aqui examinada, a meu ver, não é inepta: descreve pormenorizadamente os fatos e explicita a possível participação do acusado neles, de forma individualizada, aludindo a uma série de indícios que formam um quadro lógico e coerente. A par da inequívoca prova da materialidade dos delitos, há vários indícios de autoria", concluiu Lewandowski.
Eros Grau
O ministro Eros Grau foi o segundo a divergir do relator, ministro Joaquim Barbosa, votando pela rejeição total da denúncia. Não vejo vínculo do acusado com os crimes de que se cuida, disse. Grau lembrou que no julgamento do inquérito que deu origem à AP 470 (clique aqui) – chamado de processo do mensalão, também votou pela rejeição de alguns pontos daquela denúncia porque se baseavam apenas em ilações. Ele concluiu seu voto revelando que, na dúvida, tem preferido seguir a tendência de privilegiar o estado de direito, e não o estado policial.
Ayres Britto
O ministro Carlos Ayres Britto decidiu receber a denúncia, acompanhando o voto do relator. Ele destacou a qualidade técnica de três peças essenciais submetidas à apreciação: o inquérito policial, a denúncia em si e o relatório do ministro Joaquim Barbosa. "São três peças de grande qualidade e que até seqüenciam do ponto de vista mais lógico possível o tracejamento de fatos que, em tese, são criminosos, como o peculato e a lavagem de dinheiro", disse.
Ayres Britto entendeu também, pelo menos nesse juízo primeiro, que se montou mesmo no estado de Minas Gerais um esquema de caixa dois. "Caixa dois costuma ser o início de toda corrupção administrativa no Brasil". Ele afirmou que o esquema parece até reprise de um filme, que já foi visto e cujo modelo fez escola, ao que parece. "Os protagonistas, o modus operandi, o tipo de benefício, um agente central nesse processo do ponto de vista da operacionalização que não entendia nada de publicidade, mas entendia tudo de finanças e de como obter com extrema facilidade recursos financeiros para campanhas eleitorais", declarou.
Cezar Peluso
Também acompanhou o voto do relator, pelo recebimento da denúncia, o ministro Cezar Peluso, ao entender que a acusação é apta. "Há fortes indícios de participação do denunciado, para efeitos de recebimento da denúncia", disse o ministro, com base, em particular, nos longos depoimentos como o de Carlos Henrique Martins Teixeira, Vera Lúcia Mourão de Carvalho Veloso, Nilton Antônio Monteiro. Para Peluso, essas declarações têm em comum a afirmação de que Eduardo Azeredo teria conhecimento da origem ilícita dos recursos empregados em sua campanha à reeleição ao governo de Minas Gerais.
Marco Aurélio
Quinto ministro a votar pelo recebimento do inquérito, o ministro Marco Aurélio afirmou que a denúncia é uma "peça minuciosa", que se reporta a depoimentos, elementos e entrelaçamentos de fatos que viabilizam a defesa. "Fica difícil sustentar-se que, na espécie, não se tem dados capazes de conduzir ao recebimento da denúncia", afirmou.
"O Supremo não é cemitério de inquéritos e ações penais contra quem quer que seja. O Supremo atua a partir dos elementos coligidos nos autos; a partir dos elementos do processo, se já instaurada a ação penal, e chega, num ambiente democrático revelado pelo colegiado, a uma conclusão a respeito, tornando prevalecente a ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica constitucional", disse o ministro.
Gilmar Mendes
Ao votar contra a abertura da ação penal, o ministro Gilmar Mendes alertou que, mais que uma peça processual que deve cumprir os requisitos do artigo 41 do CPP, a denúncia é um instrumento por meio do qual o órgão julgador pode avaliar a efetiva necessidade de submeter o indivíduo às agruras do processo penal, daí a necessidade de rigor e de prudência por parte não só daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais, mas também daqueles que podem decidir sobre o seu curso.
"A análise de uma denúncia deve ser revestida dos maiores cuidados por parte de todos nós, julgadores, sempre tendo em vista a imposição constitucional de resguardo dos direitos e garantias individuais. Quando se fazem imputações incabíveis, dando ensejo à persecução criminal injusta, viola-se também o princípio da dignidade da pessoa humana", concluiu o presidente do STF.
A ministra Cármen Lúcia, por impedimento, não participou da votação.
Questão de ordem
Depois de colhidos os votos, o relator, ministro Joaquim Barbosa, suscitou questão de ordem no sentido de que houvesse início imediato da instrução da ação penal, independentemente da publicação do acórdão. O ministro Marco Aurélio abriu divergência, não concordando com a proposição, tendo sido seguido pelos demais ministros. A questão de ordem foi rejeitada pelo Tribunal, ficando vencido o relator.
Assim, para ser iniciada a ação penal (ouvir testemunhas, interrogatório do réu e produção de provas), deverá aguardar-se a publicação do acórdão e o julgamento de eventual recurso a ser oposto contra o recebimento da denúncia.
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Leia a íntegra do voto do relator, ministro Joaquim Barbosa:
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Ministro Dias Toffoli vota pela rejeição total da denúncia contra Eduardo Azeredo
O ministro José Antonio Dias Toffoli votou, ontem, 3/12, pela rejeição total da denúncia formulada pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando Souza contra o ex-governador de Minas Gerais e atual senador Eduardo Brandão Azeredo (PSDB), pela suposta prática dos crimes de peculato (artigo 312 do CP - clique aqui) e lavagem de dinheiro (artigo 1º, inciso V, da lei 9.613/1998 - clique aqui). Tais crimes teriam sido praticados mediante desvio de R$ 3,5 milhões de três empresas estatais para beneficiar a campanha de Azeredo pela reeleição para o governo de Minas, em 1998.
A denúncia foi formulada no Inquérito 2280. O julgamento foi iniciado em 4 de novembro passado e interrompido no dia 5, após o relator, ministro Joaquim Barbosa, concluir seu voto pela aceitação da denúncia.
Inépcia
Naquela mesma data, o ministro Dias Toffoli pediu vista e, hoje, trouxe seu voto a Plenário, divergindo do relator. Ele votou pela inépcia da denúncia, por entender que ela não preenche os requisitos estabelecidos no artigo 41 do CPP.
Dispõe aquele artigo: "A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".
Da denúncia consta que foram arrecadados R$ 1,5 milhão da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), outro R$ 1,5 milhão da Companhia Mineradora de Minas Gerais (Comig) e R$ 500 mil do Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), para supostamente custear eventos esportivos, mas tais valores teriam sido desviados, em sua maior parte, para a campanha pela reeleição do então governador de Minas Gerais, no chamado "mensalão mineiro".
Em seu voto, entretanto, o ministro Dias Toffoli disse não ver liame entre o então governador e os crimes a ele atribuídos. "De tudo o que li dos autos – em 42 volumes –, eu não vi um ato sequer praticado por Eduardo Azeredo", sustentou o ministro.
Segundo ele, os supostos crimes são atribuídos a Azeredo pelo simples fato de ter sido ele governador, na época, e chefe do então secretário da Casa Civil e de Comunicação Social do governo mineiro, Eduardo Guedes, que determinou às três estatais o repasse do dinheiro à SMPB, empresa do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, também tido como operador do "mensalão" nacional.
Segundo Toffoli, na denúncia Eduardo Azeredo figura como um dos principais mentores do esquema de desvio de dinheiro, no qual também são acusados, entre outros, os dirigentes das três estatais mineiras, os sócios de Marcos Valério, o então candidato a vice-governador Clésio Andrade e o coordenador financeiro da campanha de Azeredo, Cláudio Mourão. Contra eles corre processo na Justiça comum, tendo sido apartada apenas a parte relativa a Eduardo Azeredo, por ser ele senador e, portanto, ter direito a foro especial, isto é, de ser julgado pelo STF.
Falta de credibilidade
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli disse que foi um documento divulgado em 2005 pelo coordenador da campanha de Eduardo Azeredo pela reeleição ao governo de Minas Gerais em 1998, Cláudio Mourão, dono da locadora de veículos União, que serviu de base para a denúncia contra Azeredo.
Tal documento teria sido elaborado por Mourão para pressionar Azeredo a pagar dívidas de campanha supostamente não honradas por ele. Toffoli sustentou que, por este caráter do documento e, também, pelo seu conteúdo, não poderia ser dado muito crédito a ele.
Em apoio a esse argumento, ele citou dados nele contidos, segundo os quais a campanha de Azeredo pela reeleição ao governo de Minas Gerais teria consumido R$ 100 milhões. A título de comparação, Toffoli contrapôs dados do TRE/MG, informando que a campanha do candidato vitorioso naquele pleito, o ex-presidente Itamar Franco (PMDB), consumiu R$ 2,727 milhões de um total arrecadado de R$ 2,867 milhões.
Ainda confrontando dados do documento de Mourão, o ministro disse que dados do TSE relatam que os gastos totais de todos os principais candidatos às eleições para presidente da República em 1998 e 2002 não passaram, respectivamente, de R$ 47,638 milhões e R$ 87, 543 milhões para despesas e R$ 51,268 milhões e R$ 93,595 milhões de valores arrecadados.
Peculato e lavagem
Diversamente de Dias Toffoli, o relator do INQ 2280, ministro Joaquim Barbosa, aceitou a denúncia contra Eduardo Azeredo, apoiado no artigo 21 da lei 9.504/1997 (clique aqui), que estabelece normas para as eleições. Segundo esse dispositivo, o candidato é o único responsável pelas prestações de contas financeiras e contábeis de sua campanha. Além disso, segundo o ministro, "há elementos robustos" de participação do então candidato no crime de peculato.
Além de aceitar a denúncia por peculato, o ministro Joaquim Barbosa aceitou, também, a denúncia por lavagem de dinheiro. Isto porque, para mascarar o dinheiro desviado das estatais, foram contratados empréstimos do Banco Rural para dar ares de legalidade ao dinheiro desviado, conforme consta da denúncia.
Segundo o ministro Joaquim Barbosa, esses empréstimos, em tese fraudulentos, obtidos pelas empresas DNA e SMP&B (do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza), teriam sido utilizados como meio de aplicar clandestinamente recursos públicos da Copasa, da Comig e do Bemge na campanha de Azeredo.
Ainda conforme o ministro relator, os principais contratos de mútuo foram celebrados entre julho e outubro de 1998, momento crucial da disputa eleitoral daquele ano, e na mesma época em que foram efetuados os repasses estatais para a SMP&B. Além disso, por razões segundo ele não esclarecidas na resposta preliminar do acusado, foi Marcos Valério, através da SMP&B, quem se incumbiu de efetuar os pagamentos dos colaboradores de campanha do acusado, utilizando-se para tanto de mecanismos típicos de lavagem de dinheiro.
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Clique aqui para ler a íntegra do voto vista.
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