Médico ou advogado ?
Eça de Queirós - personagens e cenas jurídicas de um homem do Direito
Essa situação não escapou dos olhos de Eça de Queirós. Observando os costumes da época, o autor registrou isso numa passagem que, nos dias de hoje, chega a ser engraçada.
O personagem em cena é Carlos da Maia, no romance "Os Maias". Estudante do Liceu em Coimbra, ele peremptoriamente resolveu deixar os compêndios de lógica e retórica para se dedicar aos de anatomia. O avô, quem o educara, apoiava o jovem, mas o desapontamento dos amigos e dos conhecidos era grande.
"As senhoras sobretudo lamentavam que um rapaz que ia crescendo tão formoso, tão bom cavaleiro, viesse a estragar a vida receitando emplastros, e sujando as mãos no jorro das sangrias".
Também o juiz de Direito, amigo da família, "confessou sua descrença no desejo do jovem 'ser médico a sério'". E, em conversa com o avô de Carlos, argumentou :
"não lhe parece que a V. Exª que há outras coisas, importantes também, e mais próprias talvez, em que seu neto se poderia tornar útil ?"
"Os Maias", talvez a mais acabada realização de Eça, é um retrato da Lisboa da época – a obra foi publicada em 1888. Os caminhos, vitrines, lugares citados pelo escritor, por onde andava Carlos em suas voltas a pé ou a cavalo, como era de costume, constituem, até hoje, o cenário de quem anda pela Lisboa antiga, do Chiado à Alfama, do Cais do Porto ao Bairro Alto. No empenho por uma descrição minuciosa, por um retrato fiel de vivências, não poderia deixar de haver na obra de Eça de Queirós a questão que tanta ansiedade gerou às famílias abastadas das províncias no século XIX.
Vale dizer que o próprio Eça de Queiros se formou em Direito, em 1866, na Universidade de Coimbra. Também seu pai, José Maria Teixeira de Queirós, era magistrado.
Será que a escolha de Carlos da Maia é sombra da escolha da própria vida do autor português ?
Não terá sido a medicina para Carlos o que foi a literatura para Eça ?
Machado de Assis, contemporâneo de Eça de Queirós, só que do outro lado do Atlântico, também aponta em sua literatura que a medicina e a advocacia eram o anelo dos abastados do fim do século XIX, e início do século XX. A história narrada no livro “Esaú e Jacó”, por exemplo, tem como protagonistas os irmãos Pedro e Paulo. Conta-nos o bruxo do Cosme Velho que, nascidos os gêmeos, “ainda fraldados, os pais sonhavam com os pimpolhos formados : um haveria de ser advogado, e outro médico”. Na vida adulta, o anseio dos pais transformou-se mesmo numa obrigação. Deu a ordem a voz materna : “você será médico, disse Natividade a Pedro, e você advogado. Quero ver quem faz as melhores curas, e ganha as piores demandas”.
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