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Ministro Celso de Mello anula condenação que obrigou jornalista Juca Kfouri a indenizar presidente da CBF

O decano do STF, ministro Celso de Mello, reformou decisão do TJ/RJ que obrigou o jornalista Juca Kfouri a indenizar em R$ 50 mil o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, por conta de matéria jornalística considerada ofensiva pelo dirigente. Para o ministro, Juca Kfouri apenas exerceu o seu direito à liberdade de expressão.

12/11/2009


Liberdade de expressão

Ministro Celso de Mello anula condenação que obrigou jornalista Juca Kfouri a indenizar presidente da CBF

O ministro Celso de Mello reformou decisão do TJ/RJ que obrigou o jornalista Juca Kfouri a indenizar em R$ 50 mil o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, por conta de matéria jornalística considerada ofensiva pelo dirigente. Para o ministro, Juca Kfouri apenas exerceu o seu direito à liberdade de expressão.

Teixeira ajuizou ação indenizatória contra o jornalista em virtude de matéria publicada na revista "Lance", edição de dezembro de 1999, em que Juca Kfouri teria criticado a entrevista concedida por Teixeira a um jornalista da revista Playboy. Segundo Kfouri, o presidente da CBF teria respondido às perguntas "sem nenhuma preocupação com a ética ou com a verdade". E disse acreditar que o salário de Teixeira como dirigente da CBF, de aproximadamente R$ 17 mil, seria pouco.

Ao analisar o recurso - um AI 505595 (clique aqui) ajuizado por Kfouri contra a decisão do TJ/RJ que o condenou ao pagamento da indenização – o ministro Celso de Mello explicou que no caso o jornalista exerceu, de forma concreta, o exercício da liberdade de expressão e de crítica.

"Reconheço que o conteúdo da matéria jornalística que motivou a condenação do recorrente [Juca Kfouri] ao dever de pagar indenização civil, por danos morais, ao ora recorrido [Ricardo Teixeira], longe de evidenciar prática ilícita contra a honra subjetiva do suposto ofendido, traduz, na realidade, o exercício concreto, por esse profissional da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, que assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e mesmo que em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades", disse Celso de Mello.

Para ele, a crítica jornalística, quando inspirada pelo interesse público, ainda mais quando dirigida a figuras públicas com alto grau de responsabilidade na condução dos interesses de certos grupos da coletividade, "não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão do abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo", concluiu o ministro.

Celso de Mello deu provimento ao recurso, para julgar improcedente a ação indenizatória ajuizada pelo presidente da CBF. O ministro determinou, ainda, que seja devolvido ao jornalista o valor de sua condenação, depositado em juízo na 8ª Vara Cível do Rio de Janeiro, equivalente a R$ 50 mil mais correção monetária desde 2002.

Veja abaixo a íntegra da decisão ou clique aqui :

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AGRAVO DE INSTRUMENTO 505.595 RIO DE JANEIRO

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

AGTE.(S) : JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI

ADV.(A/S) : DIRCEU PAES LEME E OUTRO(A/S)

AGDO.(A/S) : RICARDO TERRA TEIXEIRA

ADV.(A/S) : JOSÉ MAURO COUTO DE ASSIS FILHO

EMENTA: LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. DIREITO DE CRÍTICA. PRERROGATIVA POLÍTICO-JURÍDICA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE EXPÕE FATOS E VEICULA OPINIÃO EM TOM DE CRÍTICA. CIRCUNSTÂNCIA QUE EXCLUI O INTUITO DE OFENDER. AS EXCLUDENTES ANÍMICAS COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO DO “ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI”. AUSÊNCIA DE ILICITUDE NO COMPORTAMENTO DO PROFISSIONAL DE IMPRENSA. INOCORRÊNCIA DE ABUSO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO.
CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO REGULAR EXERCÍCIO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO. O DIREITO DE CRÍTICA, QUANDO MOTIVADO POR RAZÕES DE INTERESSE COLETIVO, NÃO SE REDUZ, EM SUA EXPRESSÃO CONCRETA, À DIMENSÃO DO ABUSO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. A QUESTÃO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO (E DO DIREITO DE CRÍTICA NELA FUNDADO) EM FACE DAS FIGURAS PÚBLICAS OU NOTÓRIAS. JURISPRUDÊNCIA. DOUTRINA.
JORNALISTA QUE FOI CONDENADO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS.
INSUBSISTÊNCIA, NO CASO, DESSA CONDENAÇÃO CIVIL. IMPROCEDÊNCIA DA “AÇÃO INDENIZATÓRIA”. CONVERSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, QUE, PARCIALMENTE CONHECIDO, É, NESSA PARTE, PROVIDO.

DECISÃO: O recurso extraordinário - a que se refere o presente agravo de instrumento - foi interposto contra acórdão, que, confirmado, em sede de embargos de declaração (fls. 57/59), pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, está assim ementado (fls. 47):

“AÇÃO INDENIZATÓRIA.
IMPRENSA.
DANO MORAL.
REPORTAGEM QUE SE PRETENDE MERAMENTE INFORMATIVA, MAS QUE OFENDE A HONRA SUBJETIVA.

A liberdade de imprensa deve, sempre, vir junto com a responsabilidade da imprensa, de molde a que, em contrapartida ao poder-dever de informar, exista a obrigação de divulgar a verdade, mesmo que com críticas feitas pelo jornalista à conduta da pessoa abrangida pela notícia, mas sempre preservando a honra alheia, ainda que subjetiva.

Quem, a pretexto de noticiar e criticar, assaca injúrias, é obrigado a indenizar.

Juros moratórios. Incidência desde a data da publicação, uma vez que, nos ilícitos extracontratuais, o seu causador é considerado em mora desde que o perpetua.

Segundo apelo provido, prejudicado o primeiro.” (grifei)

A parte ora agravante, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustenta que o Tribunal “a quo” teria transgredido os preceitos inscritos no art. 5º, incisos IV, V, IX, X e XXXV, no art. 93, IX, e no art. 220, §§ 1º e 2º, todos da Constituição da República.

Cumpre ressaltar, inicialmente, que a suposta ofensa aos princípios inscritos no art. 5º, XXXV, e no art. 93, IX, do texto constitucional, caso existente, apresentar-se-ia por via reflexa, eis que a sua constatação reclamaria - para que se configurasse – a formulação de juízo prévio de legalidade, fundado na vulneração e infringência de dispositivos de ordem meramente legal. Não se tratando de conflito direto e frontal com o texto da Constituição, como exigido pela jurisprudência da Corte (RTJ 120/912, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RTJ 132/455, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável, quanto a tais alegações, a cognoscibilidade do recurso extraordinário em referência.

De outro lado, no entanto, e no que concerne às demais alegações de transgressão ao ordenamento constitucional, impõe-se, quanto a elas, o conhecimento do apelo extremo em questão, eis que, além de configurado o prequestionamento explícito dos temas constitucionais nele versados, resulta evidente, na espécie, a ocorrência de conflito direto com o texto da Constituição da República, notadamente com os preceitos inscritos nos incisos IV, V, IX e X do art. 5º e no art. 220, §§ 1º e 2º, da Carta Política.

Tais circunstâncias levam-me, desse modo, a conhecer, em parte, do recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento.

Sendo esse o contexto, passo a examinar a controvérsia constitucional ora suscitada na presente sede recursal. E, ao fazê-lo, reproduzo o teor da matéria alegadamente ofensiva, tal como foi ela registrada na publicação de fls. 17:

“‘PLAYBOY’ O jornalista Carlos Maranhão fez quase todas as perguntas que devia ao presidente da CBF na entrevista da ‘Playboy’ deste mês. E, como sempre, o cartola respondeu sem nenhuma preocupação com a ética ou com a verdade. Merece ser lida, até porque os destaques na edição da entrevista são suficientemente maliciosos para bons entendedores. Aliás, você só acredita se quiser. E tem um furo: Ricardo Teixeira ganha, de salário, R$ 17 mil na CBF. É pouco.”

Delineado, de forma incontroversa, esse contexto fático, assinalo que o exame dos elementos produzidos na causa em que interposto o recurso extraordinário mencionado põe em evidência o exercício concreto, pelo jornalista ora recorrente, da liberdade de expressão e de crítica, considerado, para esse efeito, o próprio teor da publicação supostamente veiculadora de lesão ao patrimônio moral do recorrido.

Reconheço, por isso mesmo, que o conteúdo da matéria jornalística que motivou a condenação do recorrente ao dever de pagar indenização civil, por danos morais, ao ora recorrido, longe de evidenciar prática ilícita contra a honra subjetiva do suposto ofendido, traduz, na realidade, o exercício concreto, por esse profissional da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, que assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e mesmo que em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades.

Por também não haver reconhecido a existência de qualquer ofensa moral na publicação em referência – tal como foi esta reproduzida na petição inicial (fls. 16/17 e 18) e no acórdão recorrido (fls. 48) -, a ilustre magistrada de primeira instância veio a julgar improcedente a “ação indenizatória” que o ora recorrido ajuizou contra o recorrente, fazendo-o com apoio nos seguintes fundamentos (fls. 30/31):

“A matéria objeto da presente análise, reproduzida por digitalização de imagem a fls. 07, diz respeito a dois pontos:

O primeiro, em que faz o réu referência a ter o autor respondido, ‘como sempre, sem nenhuma preocupação com a ética ou com a verdade’. O segundo ponto diz respeito aos ganhos do autor como presidente da CBF, no que declarou o réu ser pouco.

Ao analisar a referida matéria, sob o enfoque dos pontos assinalados, tenho que razão não assiste ao autor.

Não se pode afirmar que a expressão utilizada se traduziria em chamar o autor de antiético, insincero e mentiroso, como por este sustentado, não havendo aí lógica alguma. O fato de declarar não estar o autor preocupado com a ética ou com a verdade não significa, necessariamente, imputar-lhe as qualidades acima mencionadas.

Ademais, eventual falta de ética ou da verdade tem sido matéria amplamente divulgada em todos os anais, mormente diante da instauração da CPI do futebol, fato público e notório.

Quanto ao fato de declarar ser pouco o salário recebido pelo autor, em razão do cargo de presidente da CBF, este não tem o condão que pretende lhe emprestar o autor.

Com efeito, o fato de entender ser pouco o referido salário não está atrelado à conclusão de que estaria o autor se locupletando ilicitamente.

Pela leitura da matéria de fls. 08, não se pode concluir tenha o réu se referido a eventual locupletamento ilícito ou tenha, sequer, pretendido fazer referida vinculação.

O réu não denegriu a imagem, injuriou ou difamou o autor, como por este sustentado. O réu tão-somente informou, como dever que tem, acerca da entrevista concedida ao jornalista da Playboy, dentro dos parâmetros normais do direito de informar e da liberdade de manifestação do pensamento, não havendo, pois, abuso algum a ser repreendido pelo Judiciário.

Não houve insulto ou ofensa à dignidade do autor, tampouco violação à sua honra subjetiva e/ou objetiva.

É de se ressaltar estar o autor sob os holofotes da crítica da mídia, em razão do cargo que ocupa, não havendo na matéria em análise qualquer direcionamento à vida privada ou à intimidade do autor.

Não se vislumbra, assim, a caracterização de ato ilícito ou abuso no direito de informar, pelo que descabida a pretendida indenização.” (grifei)

Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).

Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.

A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas.

É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade.

Lapidar, sob tal aspecto, a decisão emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consubstanciada em acórdão assim ementado:

“Os políticos estão sujeitos de forma especial às críticas públicas, e é fundamental que se garanta não só ao povo em geral larga margem de fiscalização e censura de suas atividades, mas sobretudo à imprensa, ante a relevante utilidade pública da mesma.”
(JTJ 169/86, Rel. Des. MARCO CESAR - grifei)

É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.

Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática concreta do direito de crítica, descaracterizam o “animus injuriandi vel diffamandi”, legitimando, assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa.

Expressivo dessa visão pertinente à plena legitimidade do direito de crítica, fundado na liberdade constitucional de comunicação, é o julgamento, que, proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça – e em tudo aplicável ao caso ora em exame -, está assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – (...) - DIREITO DE INFORMAÇÃO – ‘ANIMUS NARRANDI’ – EXCESSO NÃO CONFIGURADO (...).

......................................................

3. No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (‘animus criticandi’) ou a narrar fatos de interesse coletivo (‘animus narrandi’), está sob o pálio das ‘excludentes de ilicitude’ (...), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do direito de informação.”
(REsp 719.592/AL, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI – grifei)

Não é por outro motivo que a jurisprudência dos Tribunais – com apoio em magistério expendido pela doutrina (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Manual de Direito Penal”, vol. 2/147 e 151, 7ª ed., 1993, Atlas; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código Penal Anotado”, p. 400, 407 e 410/411, 4ª ed., 1994, Saraiva; EUCLIDES CUSTÓDIO DA SILVEIRA, “Direito Penal - Crimes contra a pessoa”, p. 236/240, 2ª ed., 1973, RT, v.g.) – tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar (tal como sucedeu na espécie) atua como fator de descaracterização da vontade consciente e dolosa de ofender a honra de terceiros, a tornar legítima a crítica a estes feita, ainda que por meio da imprensa (RTJ 145/381 – RTJ 168/853 – RT 511/422 – RT 527/381 – RT 540/320 – RT 541/385 – RT 668/368 – RT 686/393), eis que – insista-se – “em nenhum caso deve afirmar-se que o dolo resulta da própria expressão objetivamente ofensiva” (HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, “Lições de Direito Penal - Parte especial”, vol. II/183-184, 7ª ed., Forense – grifei), valendo referir, por oportuno, decisão que proferi, a propósito do tema, neste Supremo Tribunal Federal:

“LIBERDADE DE IMPRENSA (CF, ART. 5º, IV, c/c O ART. 220). JORNALISTAS. DIREITO DE CRÍTICA. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL CUJO SUPORTE LEGITIMADOR REPOUSA NO PLURALISMO POLÍTICO (CF, ART. 1º, V), QUE REPRESENTA UM DOS FUNDAMENTOS INERENTES AO REGIME DEMOCRÁTICO. O EXERCÍCIO DO DIREITO DE CRÍTICA INSPIRADO POR RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO: UMA PRÁTICA INESTIMÁVEL DE LIBERDADE A SER PRESERVADA CONTRA ENSAIOS AUTORITÁRIOS DE REPRESSÃO PENAL. A CRÍTICA JORNALÍSTICA E AS AUTORIDADES PÚBLICAS. A ARENA POLÍTICA: UM ESPAÇO DE DISSENSO POR EXCELÊNCIA.”
(RTJ 200/277, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Entendo relevante destacar, no ponto, analisada a questão sob a perspectiva do direito de crítica – cuja prática se mostra apta a descaracterizar o “animus injuriandi vel diffamandi” (CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY, “A Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade”, p. 100/101, item n. 4.2.4, 2001, Atlas; VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, “A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 88/89, 1997, Editora FTD; RENÉ ARIEL DOTTI, “Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação”, p. 207/210, item n. 33, 1980, RT, v.g.) -, que essa prerrogativa dos profissionais de imprensa revela-se particularmente expressiva, quando a crítica, exercida pelos “mass media” e justificada pela prevalência do interesse geral da coletividade, dirige-se a figuras notórias ou a pessoas públicas, independentemente de sua condição oficial.

Daí a existência de diversos julgamentos, que, proferidos por Tribunais judiciários, referem-se à legitimidade da atuação jornalística, considerada, para tanto, a necessidade do permanente escrutínio social a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou não, de cargos oficiais, qualificam-se como figuras públicas:

“Responsabilidade civil - Imprensa - Declarações que não extrapolam os limites do direito de informar e da liberdade de expressão, em virtude do contexto a que se reportava e por relacionar-se à pessoa pública - Inadmissibilidade de se cogitar do dever de indenizar - Não provimento.”

(Apelação nº 502.243-4/3, Rel. Des. ÊNIO SANTARELLI ZULIANI – TJSP - grifei)

“Indenização por dano moral. Matéria publicada, apesar de deselegante, não afrontou a dignidade da pessoa humana, tampouco colocou a autora em situação vexatória. Apelante era vereadora, portanto, pessoa pública sujeita a críticas mais contundentes. Termos deseducados utilizados pelo réu são insuficientes para caracterizar o dano moral pleiteado.

Suscetibilidade exacerbada do pólo ativo não dá supedâneo à verba reparatória pretendida. Apelo desprovido.”
(Apelação Cível nº 355.443-4/0-00, Rel. Des. NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA – TJSP - grifei)

“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.
INOCORRÊNCIA. MATÉRIA QUE TRADUZ CRÍTICA JORNALÍSTICA.
AUTORA QUE, NO EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO, NÃO PODE SE FURTAR A CRÍTICAS QUE SE LHE DIRIGEM. CASO EM QUE FERIDA MERA SUSCETIBILIDADE, QUE NÃO TRADUZ DANO. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DO COMPORTAMENTO DOS RÉUS. DIREITO DE CRÍTICA QUE É INERENTE À LIBERDADE DE IMPRENSA. VERBA INDEVIDA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO, PREJUDICADO O APELO ADESIVO. (...).”
(Apelação Cível nº 614.912.4/9-00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP - grifei)

“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.
INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. PUBLICAÇÃO DE ARTIGO EM REVISTA COM REFERÊNCIAS À PESSOA DO AUTOR. INFORMAÇÕES COLETADAS EM OUTRAS FONTES JORNALÍSTICAS DEVIDAMENTE INDICADAS. AUSÊNCIA DE CONOTAÇÃO OFENSIVA. TEOR CRÍTICO QUE É PRÓPRIO DA ATIVIDADE DO ARTICULISTA. AUTOR, ADEMAIS, QUE É PESSOA PÚBLICA E QUE ATUOU EM FATOS DE INTERESSE PÚBLICO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.”
(Apelação Cível nº 638.155.4/9-00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP - grifei)

“(...) 03. Sendo o envolvido pessoa de vida pública, uma autoridade, eleito para o cargo de Senador da República após haver exercido o cargo de Prefeito do Município de Ariquemes/RO, condição que o expõe à crítica da sociedade quanto ao seu comportamento, e levando-se em conta que não restou provado o ‘animus’ de ofender, tenho que o Jornal não pode ser condenado ao pagamento de indenização por danos morais.

04. Deu-se provimento ao recurso. Unânime.”
(Apelação Cível nº 2008.01.5.003792-6, Rel. Des. ROMEU GONZAGA NEIVA – TJDF - grifei)

“A notoriedade do artista, granjeada particularmente em telenovela de receptividade popular acentuada, opera por forma a limitar sua intimidade pessoal, erigindo-a em personalidade de projeção pública, ao menos num determinado momento. Nessa linha de pensamento, inocorreu iliceidade ou o propósito de locupletamento para, enriquecendo o texto, incrementar a venda da revista. (...) cuida-se de um ônus natural, que suportam quantos, em seu desempenho exposto ao público, vêm a sofrer na área de sua privacidade, sem que se aviste, no fato, um gravame à reserva pessoal da reclamante.”
(JTJ/Lex 153/196-200, 197/198, Rel. Des. NEY ALMADA – TJSP - grifei)

Vê-se, pois – tal como tive o ensejo de assinalar (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 398/2005) -, que a crítica jornalística, quando inspirada pelo interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na condução dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão do abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo.

É certo que o direito de crítica não assume caráter absoluto, eis que inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente proclamado por esta Suprema Corte (RTJ 173/805-810, 807-808, v.g.), direitos e garantias revestidos de natureza absoluta.

Não é menos exato afirmar-se, no entanto, que o direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apóia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V).

É por tal razão, como assinala VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR (“A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 87/88, 1997, Editora FTD), que o reconhecimento da legitimidade do direito de crítica - que constitui “pressuposto do sistema democrático” – qualifica-se, por efeito de sua natureza mesma, como verdadeira “garantia institucional da opinião pública”:

“(...) o direito de crítica em nenhuma circunstância é ilimitável, porém adquire um caráter preferencial, desde que a crítica veiculada se refira a assunto de interesse geral, ou que tenha relevância pública, e guarde pertinência com o objeto da notícia, pois tais aspectos é que fazem a importância da crítica na formação da opinião pública.” (grifei)

Não foi por outra razão – e aqui rememoro anterior decisão por mim proferida nesta Suprema Corte (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) - que o Tribunal Constitucional espanhol, ao veicular as Sentenças nº 6/1981 (Rel. Juiz FRANCISCO RUBIO LLORENTE), nº 12/1982

(Rel. Juiz LUIS DÍEZ-PICAZO), nº 104/1986 (Rel. Juiz FRANCISCO TOMÁS Y VALIENTE) e nº 171/1990 (Rel. Juiz BRAVO-FERRER), pôs em destaque a necessidade essencial de preservar-se a prática da liberdade de informação, inclusive o direito de crítica que dela emana, como um dos suportes axiológicos que informam e que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.

É relevante observar, ainda, que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em mais de uma ocasião, também advertiu que a limitação do direito à informação e do direito (dever) de informar, mediante (inadmissível) redução de sua prática “ao relato puro, objetivo e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem compatível com o pluralismo, a tolerância (...), sem os quais não há sociedade democrática (...)”
(Caso Handyside, Sentença do TEDH, de 07/12/1976).

Essa mesma Corte Européia de Direitos Humanos, quando do julgamento do Caso Lingens (Sentença de 08/07/1986), após assinalar que “a divergência subjetiva de opiniões compõe a estrutura mesma do aspecto institucional do direito à informação”, acentua que “a imprensa tem a incumbência, por ser essa a sua missão, de publicar informações e idéias sobre as questões que se discutem no terreno político e em outros setores de interesse público (...)”, vindo a concluir, em tal decisão, não ser aceitável a visão daqueles que pretendem negar, à imprensa, o direito de interpretar as informações e de expender as críticas pertinentes.

Não custa insistir, neste ponto, na asserção de que a Constituição da República revelou hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais tendentes a restringir ou a reprimir o legítimo exercício da liberdade de expressão e de comunicação de idéias e de pensamento.

É preciso advertir, bem por isso, notadamente quando se busca promover, como no caso, a repressão à crítica jornalística, mediante condenação judicial ao pagamento de indenização civil, que o Estado – inclusive o Judiciário - não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social.

Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como precedentemente assinalado, representa, em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática. Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento. Isso, porque “o direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental” representa, conforme adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, “o mais precioso privilégio dos cidadãos (...)” (“Crença na Constituição”, p. 63, 1970, Forense).

Vale rememorar, por relevante, tal como o fiz em anterior decisão neste Supremo Tribunal Federal (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), fragmento expressivo da obra do ilustre magistrado federal SÉRGIO FERNANDO MORO (“Jurisdição Constitucional como Democracia”, p. 48, item n. 1.1.5.5, 2004, RT), no qual esse eminente Juiz põe em destaque um “landmark ruling” da Suprema Corte norte-americana, proferida no caso “New York Times v. Sullivan” (1964), a propósito do tratamento que esse Alto Tribunal dispensa à garantia constitucional da liberdade de expressão:

“A Corte entendeu que a liberdade de expressão em assuntos públicos deveria de todo modo ser preservada.
Estabeleceu que a conduta do jornal estava protegida pela liberdade de expressão, salvo se provado que a matéria falsa tinha sido publicada maliciosamente ou com desconsideração negligente em relação à verdade. Diz o voto condutor do Juiz William Brennan:

‘(...) o debate de assuntos públicos deve ser sem inibições, robusto, amplo, e pode incluir ataques veementes, cáusticos e, algumas vezes, desagradáveis ao governo e às autoridades governamentais.’” (grifei)

Essa mesma percepção em torno do tema tem sido manifestada pela jurisprudência dos Tribunais, em pronunciamentos que se orientam em sentido favorável à postulação do ora recorrente, que agiu, na espécie, com o ânimo de informar e de expender crítica, em comportamento amparado pela liberdade constitucional de comunicação, em contexto que claramente descaracteriza qualquer imputação, a ele, de responsabilidade civil pela matéria que escreveu:

“RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA PUBLICADA EM REVISTA SEMANAL. VIÉS CRÍTICO SOBRE TERAPIAS ALTERNATIVAS.

LIBERDADE DE IMPRENSA. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS.

1. A liberdade de imprensa, garantia inerente a qualquer Estado que se pretenda democrático, autoriza a publicação de matéria que apresente críticas a quaisquer atividades.”
(REsp 828.107/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS –grifei)

“Críticas - inerentes à atividade jornalística.
Estado Democrático - cabe à imprensa o dever de informar.

Art. 5º, IV e X, da Constituição. Idéias e opiniões pessoais são livres. Garantia constitucional.

Vida pública - todos estão sujeitos a críticas favoráveis ou desfavoráveis.

.......................................................

Exercício da crítica não produz lesão moral.”
(Apelação Cível nº 2006.001.21477/RJ, Rel. Des. WANY COUTO – grifei)

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - LIBERDADE DE IMPRENSA - DIVULGAÇÃO DE FATOS ENVOLVENDO O AUTOR - AUSÊNCIA DE DESVIRTUAMENTO.

1 - A liberdade de imprensa deve ser exercida com a necessária responsabilidade, para que não resulte em prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa abrangida na notícia.

2 - Não tendo as matérias publicadas ultrapassado os limites legais e constitucionais do direito de informação, afasta-se a ocorrência de dano moral, eis que ausente a intenção de lesar ou prejudicar outrem.”
(Apelação Cível nº 2004.01.1.063638-4/DF, Rel. Des. HAYDEVALDA SAMPAIO – grifei)

Impõe-se reconhecer que esse entendimento tem o beneplácito do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que, em hipótese assemelhada à ora em exame, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“Direito à informação (CF, art. 220). Dano moral. A simples reprodução, pela imprensa, de acusação de mau uso de verbas públicas, prática de nepotismo e tráfico de influência, objeto de representação devidamente formulada perante o TST por federação de sindicatos, não constitui abuso de direito. Dano moral indevido. RE conhecido e provido.”
(RE 208.685/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE - grifei)

Concluo a minha decisão: as razões que venho de expor levam-me a reconhecer que a pretensão deduzida pelo jornalista recorrente revela-se acolhível, eis que compatível com o modelo consagrado pela Constituição da República. É que a opinião jornalística ora questionada - que motivou a condenação civil imposta ao recorrente - veicula conteúdo que traduz expressão concreta de uma liberdade fundamental que legitima o exercício do direito constitucional de crítica e de informação.

Sendo assim, pelas razões expostas, conheço do presente agravo de instrumento, para, desde logo, conhecer, em parte, do recurso extraordinário, e, nessa parte, dar-lhe provimento (CPC, art. 544, § 4º), em ordem a julgar improcedente a “ação indenizatória” ajuizada pela parte ora recorrida, restabelecendo-se, quanto às custas processuais e à verba honorária, a sentença proferida pela magistrada estadual de primeira instância, com a conseqüente devolução, ao ora recorrente, do valor de sua condenação, por ele já depositado nos autos do Processo nº 2000.001.139887-4 (8ª Vara Cível da comarca do Rio de Janeiro/RJ).

Publique-se.

Brasília, 11 de novembro de 2009.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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