Audiência pública
Câmara : MJ diz que torturadores não podem ter anistia
Na avaliação de Paulo Abrão, não há sustentabilidade jurídica para que os crimes de tortura praticados durante a ditadura militar (1964-1985) sejam anistiados.
Ele ainda afirmou que, mesmo que essa previsão estivesse clara na lei, ela não teria validade, em razão do novo conceito adotado internacionalmente para crimes contra a humanidade, tornando-os imprescritíveis e sem possibilidade de anistia.
Crimes políticos
"A Lei de Anistia (6.683/79 - clique aqui) anistiou única e exclusivamente crimes políticos e conexos. Todos os crimes de tortura ocorridos durante a ditadura não foram amparados pela lei", sustenta.
Para ele, isso se dá, não só porque a lei explicitamente não os previa, "mas também porque nós temos a convicção de que crime de tortura é crime comum. Portanto, quando praticado de forma sistemática, constitui-se em crime contra a humanidade".
Também na opinião do ex-deputado Antônio Modesto da Silveira, que já defendeu presos políticos e atuou pela aprovação da Lei da Anistia, crimes comuns não podem ser tratados como crimes políticos e, portanto, não podem ser anistiados. Ele argumentou que alguns militares no Brasil usaram motivação política para cometer crimes comuns como sequestro e estupro.
Questionamento
Modesto e Abrão participaram de audiência pública das comissões de Direitos Humanos e Minorias; e de Legislação Participativa que discutiu a prescrição e a responsabilização de crimes de tortura praticados durante o regime militar.
A OAB questiona no STF a conexão entre tortura e crime político, uma vez que a Lei de Anistia considera conexos e igualmente perdoados os crimes de "qualquer natureza" relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política entre 1961 e 1979.
O deputado Iran Barbosa (PT/SE), um dos autores do requerimento para realização da audiência, considerou acertado o questionamento da OAB no STF. "Não podemos confundir anistia com tolerância à tortura e ao ferimento aos direitos humanos. Nós precisamos tratar cada coisa dentro do seu espectro e garantir que o Estado brasileiro assegure às vítimas de tortura o reconhecimento como tal e que aqueles que praticaram possam ser punidos".
O deputado Paes de Lira (PTC/SP) disse, no entanto, que esse questionamento não deve ser feito a partir de um único ponto de vista, do lado de quem torturou, mas também do de quem praticou terrorismo. Ele lembrou que atos contra o regime militar, envolvendo a explosão de bombas, por exemplo, feriram inocentes.
Constituição
A expectativa dos participantes da audiência é que o STF acate os entendimentos internacionais vigentes atualmente. Para o jurista Fábio Konder Comparato, a Lei de Anistia só pode ser considerada em vigor se respeitar a Constituição, que classifica como inafiançável o crime de tortura.
"É preciso que o STF ponha isso às claras. Se ele não reconhecer que a Lei de Anistia só pode ser considerada ainda em vigor se todos os torturadores forem considerados fora dela, nós iremos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para denunciar o Brasil como um Estado não democrático, que mantém leis e decisões contrárias à dignidade humana", ameaçou Comparato.
Crime individual
Na reunião de ontem, 24/9, Paulo Abrão afirmou ainda que o debate sobre prescrição de crimes de tortura não pode ser ideológico. A discussão sobre o tema deve se concentrar na prática da tortura, cometida por agentes individuais e contrária às próprias regras do regime militar.
"Não vamos confundir a instituição [Exército] com as pessoas que se utilizaram dela para interesses pessoais. Estamos falando de torturadores, pessoas do mais baixo nível de integridade", disse.
Ele acredita que muitos dos torturadores não serão mais presos, pois já são bastante idosos. A condenação, entretanto, segundo ele, é importante e tem o valor simbólico de impedir que esse tipo de crime volte a ocorrer.
Participaram ainda da audiência os deputados Luiz Couto (PT/PB), Janete Rocha Pietá (PT/SP), Emilia Fernandes (PT/RS), Chico Alencar (Psol/RJ) e Pedro Wilson (PT/GO), que também sugeriu o debate.
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