Depois da 4ª feira de cinzas...
Município gaúcho é obrigado pagar direitos autorais por uso de músicas em carnaval de rua
A festa carnavalesca foi promovida pelo município no ano de 2006, a qual remonta atualmente ao valor aproximado de R$ 20.000,00.
A decisão da lavra do ministro Luiz Felipe Salomão relata que a incidência do direito autoral está totalmente desvinculada a um sentido apenas econômico.
O ministro ainda conclui : "ainda que os espetáculos musicais tenham sido realizados sem cobrança de ingressos, em caráter cultural popular, são devidos direitos autorais aos titulares das obras musicais.No caso o recorrente demonstrou a ocorrência da execução das obras musicais durante o evento apontado na inicial, qual seja, Carnaval/2006, de cunho gratuito, promovido pela recorrida. Logo, impõe-se o pagamento pleiteado nas razões recursais.".
Segundo o Ecad, o município é reincidente na violação aos direitos autorais, tendo, ainda, utilizado músicas sem autorização do Ecad na Semana Farroupilha de 2007 e 2008.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.087.254 - RS (2008/0195497-4)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD
ADVOGADO : GELSA PINTO SERRANO
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE MONTENEGRO
PROCURADOR : VIVIANE DE VARGAS E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUANDO O ACÓRDÃO DIRIME, FUNDAMENTADAMENTE, AS QUESTÕES PERTINENTES AO LITÍGIO. DIREITO AUTORAL. ECAD. COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS A FESTEJOS ORGANIZADOS POR MUNICÍPIO. VIGÊNCIA DA LEI N.º 9.610/98. PAGAMENTO DEVIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
DECISÃO
1. Cuida-se de recurso especial interposto com fulcro no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, em face do acórdão do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, restando assim ementado:
“DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. DIREITOS AUTORAIS. INEXIGIBILIDADE. Não são devidos direitos autorais pelo Município que promove festa popular aberta (Carnaval de Rua), sem fins lucrativos, ausente a cobrança de ingressos. ”
Do acórdão foram interpostos embargos declaratórios pela ora recorrente, recebendo a seguinte ementa:
“PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Ausência de qualquer defecção formal no decisório impugnado. Tentativa de rejulgar-se o caso, buscando-se uma nova avaliação dos termos do apelo já apreciado. ”
A recorrente alega que houve error in judicando no aresto hostilizado quando entendeu indevida a cobrança de direitos autorais pois os eventos realizados foram sem fins de lucro, tendo ainda o tribunal de origem não suprido as omissões apontadas. Expõe a violação do artigo 29 e 68 da Lei n. 9.610/98, bem como dissídios jurisprudenciais.
Contra-razões apresentadas. No juízo de prelibação, admitiu-se o recurso especial.
É o relatório.
2. Não caracteriza omissão quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte. Destarte, não há que se falar em violação do art. 535 do Código de Processo Civil, pois o tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.
Nesse sentido, confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA.
I - Os embargos de declaração constituem recurso de rígidos contornos processuais, consoante disciplinamento imerso no artigo 535, do Código de Processo Civil, exigindo-se, para seu acolhimento, que estejam presentes os pressupostos legais de cabimento.
II - Inocorrentes as hipóteses de obscuridade, contradição, omissão, ou ainda erro material, não há como prosperar o inconformismo, cujo intento é a obtenção de efeitos infringentes.
III - Embargos rejeitados.
(EDcl no AgRg nos EAg 846.167/PI, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/11/2008, DJe 02/02/2009)3. No referente aos direitos autorias onde o requerente intenta o recebimento da quantia devida pelo recorrido, o apelo merece prosperar.
Com efeito, o egrégio Tribunal de origem consignou:" ...
Entendemos que não é devido, pelo Município, o pagamento de direitos autorais se promove evento sem fins lucrativos – tratando-se de festa popular aberta -, ausente cobrança de ingressos. Inexiste a intenção de arrecadar e a promoção, de cunho cultural, não visa ao lucro. Em se cuidando de espetáculo gratuito subvencionado pelo Município, festa popular tradicional (Carnaval de Rua), é indevida a imposição de direitos autorais. Diferentemente ocorreria se a Municipalidade locasse determinado imóvel, ou delimitasse certo espaço, e, somente mediante o pagamento de certa monta, a título de convite ou ingresso, permitisse que o público adentrasse no local onde se exibiria banda ou seria reproduzida música para animar festa. Não é este o caso. Cuida-se de evento aberto e sem fins lucrativos, descabida a postulação do ECAD, modo patente.
...” (fls. 190/191)No entanto, se antes, sob a ótica da antiga Lei n.º 5.988/73, ainda poderia haver controvérsia acerca de serem devidos direitos autorais na hipótese em comento, tenho que o novo texto legal não deixa dúvidas a respeito.
Não apenas as modalidades de execução da obra, não se distinguindo a sua forma de divulgação, como o local e a espécie de evento em que ocorram receberam enumeração que, além de ser meramente exemplificativa, é absolutamente ampla, abrangendo, notadamente, entes públicos e particulares, bem assim locais os mais variados, e, ainda, "onde quer que se epresentem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas".
De outro lado, a expressão "lucro direto ou indireto" do art. 73 da Lei n. 5.988/73, que tanta polêmica exegética gerou, foi substituída por "utilização direta ou indireta" (art. 29, VIII, da Lei n. 9.610/98), pondo fim a quaisquer dúvidas que pudessem existir a respeito da real intenção do legislador em vincular a execução desautorizada da obra a um sentido apenas econômico.
Assim, ainda que os espetáculos musicais tenham sido realizados sem cobrança de ingressos, em caráter cultural popular, são devidos direitos autorais aos titulares das obras musicais.No caso o recorrente demonstrou a ocorrência da execução das obras musicais durante o evento apontado na inicial, qual seja, Carnaval/2006, de cunho gratuito, promovido pela recorrida.
Logo, impõe-se o pagamento pleiteado nas razões recursais.
Nesse sentido, colhe-se precedente desta Corte:
CIVIL. DIREITO AUTORAL. ESPETÁCULOS CARNAVALESCOS GRATUITOS PROMOVIDOS PELA MUNICIPALIDADE EM LOGRADOUROS E PRAÇAS PÚBLICAS. PAGAMENTO DEVIDO. UTILIZAÇÃO DA OBRA MUSICAL. LEI N. 9.610/98, ARTS. 28, 29 E 68. EXEGESE.
I. A utilização de obras musicais em espetáculos carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a cobrança de direitos autorais à luz da novel Lei n. 9.610/98, que não mais está condicionada à auferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor.
II. Recurso especial conhecido e provido.
(Resp 524.873/ES, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2003, DJ 17/11/2003 p. 199)Dessa forma, resultando em entendimento pacificado neste sodalício, apesar do evento promovido pela recorrida não ter sido objeto de cobrança de ingressos, os detentores dos direitos autorais das obras musicais executadas são merecedores de recebê-los.
4. Ante o exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para determinar que os direitos autorais pleiteados sejam pagos. O recorrido arcará com pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação a serem apurados em liquidação por arbitramento.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 17 de abril de 2009.
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
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