Chrysogono é um nome que vem do grego e significa "gerado do ouro" ou "raiz do ouro". Apesar do reluzente significado, não teve bom destino o detentor deste nome na história que vamos contar.
Acompanhe, migalheiro, o caso que mais parece ter saído de um filme hollywoodiano, mas que se passou em pleno centro da cidade de São Paulo.
Chrysogono de Castro Correa tinha 55 anos de idade, era desquitado, advogado e capitão farmacêutico da 2ª linha do Exército Nacional quando atentou contra a vida de três desembargadores no Palácio da Justiça paulista, na quente tarde de uma quinta-feira, no dia 31 de janeiro de 1952.
O crime ganhou grande repercussão e foi parar nas manchetes dos principais jornais da época :
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"Sensacional tentativa de morte no Palácio da Justiça" (A Gazeta)
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"O atentado contra os desembargadores da segunda câmara criminal" (Notícias Populares)
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"A tentativa de morte contra desembargadores" (Diário de S. Paulo)
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"Tentou matar os desembargadores em plena sessão do Tribunal de Justiça" (Folha da Manhã)
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"Descarregou o parabellum na sala de audiências visando os desembargadores" (Folha da Manhã)
Quem poderia imaginar que o homem que já havia figurado em páginas de coluna social pela obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Rio de Janeiro (Comércio da Franca, 14/7/1946) iria pouco tempo depois ganhar destaque nas páginas policiais?
Primeira instância
A história é uma sucessão de crimes por parte de Chrysogono, começando pelo sequestro da fazendeira Virgínia Peres Fernandes, uma senhora já idosa, em Ituverava, interior de SP.
Conforme se noticiou, ele, "com seu cúmplice José Loureiro Lino, sequestrou a fazendeira, levando-a para o Rio de Janeiro."
"Procurava Chrysogono forçar a velhinha a lhe passar uma procuração, com amplos poderes, de tal forma que logo a seguir a fazenda seria transferida para seu nome".
Quem apreciou os autos pelo crime de sequestro foi o então juiz de Ituverava Hely Lopes Meirelles que, aliás, passou por poucas e boas no caso do qual estava incumbido.
De fato, aconteceu que o capitão Chrysogono foi condenado a 9 anos de prisão. Mas, não concordando com a decisão do juiz Hely Lopes Meirelles, sacou um revólver e avançou contra o magistrado.
Dizem os jornais da época que o réu acertou o braço esquerdo do juiz. Sobre o local onde o administrativista foi alvejado, há abundantes opiniões controversas.
De qualquer forma, Chrysogono foi preso em flagrante e removido para a delegacia local, a fim de ser autuado. Depois de prestar declarações no inquérito, o oficial reformado do Exército foi transportado com escolta para a Capital paulista, a fim de cumprir sua pena – 9 anos de prisão.
Segunda instância
Mas Chrysogono havia apelado.
Com efeito, seu caso seria apreciado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Marcou-se, então, o julgamento: a fatídica quinta-feira, 31 de janeiro de 1952.
Naquele dia de verão paulistano, reuniram-se no Palácio da Justiça os desembargadores Paulo Oliveira Costa, Benedicto Alípio Bastos e Odilon Costa Manso. Para assistir aos trabalhos, compareceu o réu, o já famigerado capitão Chrysogono de Castro Correa.
Durante a apreciação dos autos, Paulo Oliveira Costa opinou pela redução da pena de 9 para 6 anos; Costa Manso confirmou a pena e, finalmente, Alípio Bastos pediu vista dos autos.
Nesse momento, de forma abrupta e inesperada, o capitão Chrysogono levantou-se da cadeira e começou a bradar: "a Justiça me persegue!"
Alucinado, sacou rapidamente de um parabélum - pistola automática, de procedência alemã - e disparou vários tiros em direção aos desembargadores.
Por sorte, os projéteis acertaram o mobiliário do Tribunal e a bancada de julgamento, mas não atingiram os ínclitos desembargadores.
Depois disso, Chrysogono tentou fugir pelos corredores do Palácio, mas, dirigindo-se para o terceiro pavimento, foi dominado e conduzido novamente para a sala onde se achavam os desembargadores, a esta altura atônitos com o ocorrido.
Chrysogono foi revistado, e encontraram com ele mais um revólver, um "Colt" com várias balas, e um vidro contendo um líquido – "que inicialmente pensaram ser veneno, mas não era".
Foi preso imediatamente. E consta que ficou na Casa de Detenção de 13/5/1952 a 25/7/1955.
Por conta do ocorrido no Palácio da Justiça ele "foi denunciado pelo promotor Virgilio Lopes da Silva, por tríplice tentativa de homicídio, com caráter qualificado, e veio a ser pronunciado pelo juiz Joaquim Bandeira de Melo, que estabeleceu contra o réu inclusive as qualificadoras".
1º Júri
Chrysogono foi submetido a julgamento, realizado a 16 de setembro de 1955, agora pelos tiros disparados no Palácio da Justiça. O júri reconheceu, por 4 votos, que Chysogono desferira os tiros por vingança (motivo torpe) e ainda que usara de meio que impossibilitara a defesa das vítimas, desde que as atacara de surpresa.
O julgamento foi, todavia, anulado pelo Supremo Tribunal Federal sob o fundamento de que o réu quisera fazer, ele próprio, sua defesa, e para isso não tivera oportunidade.
2º Júri
Em 4 de abril de 1960 é feito, então, mais um julgamento de Chrysogono, realizando ele mesmo sua defesa.
Defesa
"As linhas fundamentais por ele estabelecidas consistem, de um lado, na afirmação de que em nenhum momento pretendeu matar os três desembargadores, mas tão somente lançar um veemente protesto contra a Justiça togada – que qualifica de ineficiente e antidemocrática – e de outro que, se o seu objetivo fosse eliminar os três magistrados tê-lo-ia conseguido com facilidade, pois é exímio atirador."
Depois de ouvir a autodefesa, o juiz Geraldo Gomes Correa perguntou a Chrysogono se ele conhecia o laudo médico, que constava nos autos, sobre sua personalidade. O réu respondeu que sim e salientou que "ali era dado como personalidade psicopática de tipo fanático". Comentou, entretanto, que os médicos não tinham razão, pois todos estavam vendo que ele não era psicopata e o povo sabia disso perfeitamente.
Acusação
A acusação, a cargo do promotor Werner Rodrigues Nogueira, insistia no fato de que "Chrysogono se armara a fim de por em prática um plano cruel de eliminação de três magistrados, caso viesse a ter conhecimento de que haviam confirmado a sentença condenatória do juízo de primeira instância, no caso de seqüestro e cárcere privado, oriundo da cidade de Ituverava".
Depois disso, "o representante do Ministério Público passou a examinar a personalidade do réu, tomando por base fatos culminantes de sua vida, os quais demonstravam que se tratava de personalidade essencialmente agressiva".
Além disso, desfez o argumento de Chrysogono de ser ele um exímio atirador, afirmando que o réu "atirava bem, sem dúvida, mas estava destreinado". Acrescentou ainda que o réu "se encontrava nervoso, na ocasião do fato". Para a acusação, a intenção de homicídio era clara.
Decisão
O julgamento de Chysogono durou 23 horas. O resultado foi :
"de conformidade com as respostas dos srs. Jurados [...] o réu tornou-se passível de penas previstas para tentativa de homicídio qualificado, por duas vezes. [...] Para o cálculo das penas considero que o réu não tem antecedentes criminais, se bem tivesse sofrido processos anteriores. Sua personalidade deve ser tida [...] como sendo um psicopata fanático. [...]
Assim, fixo pena em 12 anos de reclusão. Reduzo-as de dois terços e determino-as em quatro anos de reclusão. Por esses fundamentos, julgo procedente, em parte, o libelo e condeno o réu Chrysogono de Castro Correia à pena de 8 anos de reclusão [...] Absolvo o réu Chrysogono de Castro Correia com referencia à segunda série do libelo. Pague o réu a taxa penitenciaria de 200 cruzeiros e as custas do processo".
Embora a pena tenha até sido considerada branda, é digno de nota que o réu não se conformou. Esperava que o júri popular o absolvesse. Por isso, no dia seguinte, 5 de abril de 1960, redigiu sua apelação, pleiteando a anulação do julgamento.
Esse derradeiro recurso, todavia, perdeu o objeto. Com efeito, no mês seguinte, a 8 de maio de 1960, aos 65 anos de idade, Chrysogono teve morte súbita. E agora jaz no cemitério municipal de Ituverava.