Perda de conexão
TJ/RJ - Aerolíneas Argentinas é condenada a pagar R$ 30 mil por atraso de voo
Manuela Puggina Loja adquiriu passagem da empresa aérea, com conexão em Buenos Aires, para retornar ao Rio de Janeiro depois de permanecer por dois anos na Austrália. Por causa do atraso de uma hora e meia do voo que saiu de Sidney, a autora da ação perdeu a conexão em Buenos Aires, sem receber qualquer assistência dos funcionários da empresa que estavam em greve e teve que pernoitar no saguão do aeroporto da cidade, só conseguindo chegar ao Rio de Janeiro no dia seguinte, por volta das 11h, depois de 37 horas de viagem.
O relator do processo, desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, afirma, em seu voto, que "considerando a ansiedade da autora na sua viagem de retorno a este país, após longo período de afastamento em razão de estudos no exterior, a situação narrada causou-lhe transtornos de ordem pessoal, algo que vai muito além do aborrecimento cotidiano". A decisão foi unânime.
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Leia abaixo a íntegra do Acórdão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.001.60946
RELATOR: DES. MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES
APELANTE1: MANUELA PUGGINA LOJA
APELANTE2: AEROLINEAS ARGENTINAS S.A.
APELADOS: OS MESMOS
INDENIZATÓRIA.TRANSPORTE AÉREO. VIAGEM INTERNACIONAL. ATRASO DE VOO E CONSEQUENTE PERDA DE CONEXÃO EM VOO QUE RETORNAVA AO RIO DE JANEIRO. PERNOITE DA PASSAGEIRA EM AEROPORTO ESTRANGEIRO SEM QUALQUER ASSISTENCIA PRESTADA PELA EMPRESA AÉREA. DANO MORAL. A responsabilidade é de natureza objetiva em vista da relação de consumo, respondendo o fornecedor independentemente da comprovação de existência de culpa. A ré, com o contrato de transporte, assume uma obrigação de resultado pois tem o compromisso de transportar são e salvo o passageiro no horário estabelecido juntamente com sua bagagem, compromisso que não se adimpliu por completo. A história relatada na inicial é bastante conhecida do dia a dia forense em tempos do chamado “caos aéreo”, não havendo qualquer novidade nos fatos narrados pois são os que ordinariamente acontecem quando há atraso de vôo ou extravio de bagagem: o descaso e a falta de informação. Não nega a ré os fatos narrados – o atraso extremo na partida da cidade de Sidney que ocasionou a perda da conexão na cidade de Buenos Aires com destino ao Rio de Janeiro, o abandono dos passageiros sem acomodações e sem alimentação na área comum do aeroporto na capital argentina, os transtornos sofridos pela autora para tentar retornar ao país - procurando simplesmente eximir-se da responsabilidade alegando que o atraso que ensejou todos os transtornos à autora decorreu em razão da greve deflagrada por funcionários que agem a serviço da administração aeroportuária, ensejando a ocorrência de força maior e fato de terceiro que ilidiriam o dever reparatório. Tal tese não se sustenta pois nos vemos diante de hipótese de fato proveniente da atividade da ré (fortuito interno), não podendo esta transferir para o consumidor os riscos de sua atividade. Considerando a complexidade das operações aéreas atrasos razoáveis podem ser tolerados e vistos como normais, porém um atraso de 16 horas seguidos de outros percalços para tentar retornar ao país fogem completamente a qualquer padrão de situação tolerável. Ademais, cabia à empresa, no mínimo, providenciar para que a passageira recebesse acomodações dignas, alimentação e transporte até o momento de seguir viagem no dia seguinte, não se mostrando postura digna de uma empresa responsável e de longa atuação no mercado alegar que nada podia fazer e “lavar as mãos”, deixando que uma mulher viajando sozinha tivesse que se submeter ao constrangimento de pernoitar em área comum de um aeroporto em pais estranho, mau acomodada, sem alimentação e sequer podendo dormir ante o receio de ver sua bagagem furtada dentro do aeroporto. O dano moral, portanto, é claro, mostrando-se o valor indenizatório, entretanto, arbitrado em valor que merecendo ser majorado para outro mais justo e adequado ao caso.
Provido o primeiro recurso e improvido o segundo.Vistos, relatados e examinados os autos da Apelação Cível nº. 2008.001.60946, em que figuram como apelantes MANUELA PUGGINA LOJA e AEROLINEAS ARGENTINAS S.A. sendo apelados OS MESMOS.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em dar provimento ao primeiro recurso, apresentado pela autora, e negar provimento ao segundo, apresentado pela ré, nos termos do voto do relator, por unanimidade.
Trata-se de ação indenizatória onde alega a autora, em síntese, que permanecendo fora do país por cerca de 2 anos, utilizou-se dos serviços de transporte aéreo da ré para viajar de Sidney (Austrália) para o Rio de Janeiro, com conexão a ser feita em Buenos Aires; que o vôo partiu de Sidney com atraso de uma hora e meia, não sendo prestada qualquer informação pelos funcionários da ré acerca dos receios da autora de perder a conexão em Buenos Aires; que entre atraso e hora de vôo, decorreram 17 horas até que chegasse em Buenos Aires, sendo evidentes o cansaço; que ao desembarcar em Buenos Aires às 15:00 horas dirigiu-se às pressas para o balcão da ré buscando verificar se o vôo marcado para 14:55 horas rumo ao Rio de Janeiro ainda aguardava os passageiros, nada sendo informado vindo tanto a autora como outros passageiros a verificar que a conexão tinha sido perdida; que as bagagens tinham sido alocadas em outro terminal deixando os passageiros longo período sem seus pertences; que depois de três horas sem informação, foi informada por funcionários do aeroporto de que os funcionários da ré estavam em greve desde o momento em que o vôo saiu de Sidney, nada sendo, entretanto, informado à autora; que depois dos percalços para recuperar suas bagagens, não foi permitido o retorno para o setor de embarque onde somente estariam os passageiros a embarcar, vindo assim a ter de pernoitar na área comum do aeroporto, sem poder dormir ante o receio de ver sua bagagem furtada caso adormecesse; que a ré não forneceu qualquer estadia ou alimentação aos passageiros; que na manhã seguinte os passageiros se amontoavam no balcão da ré buscando vôos para São Paulo ou Rio de Janeiro; que somente chegou ao Rio de Janeiro em 12/01/2008 por volta de 11:00 horas, totalizando 37 horas de angustia, pelo que requereu ao final a procedência do pedido com a condenação da ré a indenização por dano moral em valor não inferior a 100 salários mínimos.
A sentença proferida (fls. 65/69) julgou procedente em parte o pedido autoral para condenar a ré a pagar à autora o valor de R$15.000,00 a título de indenização por dano moral, a ser corrigido a partir da sentença e com os juros desde a citação.
Apelou a autora, trazendo suas razões às fls. 72/78 onde, em síntese, reitera os fatos apresentados na inicial e, não obstante a sentença reconhecer a ocorrência do dano moral indenizável, o valor indenizatório arbitrado mostra-se insuficiente diante dos transtornos a que foi submetida, esperando ao final o provimento do apelo com a majoração do valor indenizatório para outro, não inferior a 100 salários mínimos.
Apelou a ré, apresentando suas razões às fls. 81/97 onde alega, em síntese, que o cancelamento do vôo contratado para o trecho Buenos Aires / Rio de Janeiro, somente ocorreu em razão da greve deflagrada pelos funcionários de uma prestadora de serviços no aeroporto de Buenos Aires; que o episódio somente se verificou em razão de atos praticados por terceiros, sobre os quais a empresa não exerce qualquer controle, sendo o evento imprevisto e impossível de ser evitado;
que era impossível acomodar simultaneamente milhares de passageiros em trânsito nos hotéis da capital argentina; que não possui ingerência sobre a administração aeroportuária ou nas empresas por ela contratadas;
que a reprogramação do vôo e necessidade de espera não decorreu de fortuito interno; que a situação descrita exclui o dever de indenizar demonstrados a força maior, o caso fortuito e o fato de terceiro, rompendo o nexo de causalidade; que o simples descumprimento do dever contratual não enseja dano moral; que o valor indenizatório arbitrado mostra-se excessivo, esperando ao final o provimento do apelo com a reforma da sentença pela improcedência do pedido autoral ou a redução significativa do valor indenizatório arbitrado.Contra-razões apresentadas pela autora às fls. 103/108 e pelo réu às fls. 111/120.
É O RELATÓRIO. VOTO:
Restou incontroverso a existência do contrato de transporte aéreo entre as partes, pleiteando a autora indenização por danos morais em razão de atraso de vôo em viagem aérea de retorno ao Brasil que ocasionou a perda da conexão prevista na com o conseqüente pernoite em área comum do aeroporto sem qualquer acomodação ou alimentação providenciada pela empresa ré.
A responsabilidade é de natureza objetiva em vista da relação de consumo, respondendo o fornecedor independentemente da comprovação de existência de culpa.
A ré, com o contrato de transporte, assume uma obrigação de resultado pois tem o compromisso de transportar são e salvo o passageiro no horário estabelecido juntamente com sua bagagem, compromisso que não se adimpliu por completo, devendo assim reparar os danos que daí decorrem, sejam de ordem material ou moral.
Considerando que a ansiedade da autora na sua viagem de retorno a este país após longo período de afastamento em razão de estudos no exterior, a situação narrada causou-lhe transtornos de ordem pessoal, algo que vai muito além do aborrecimento cotidiano.
A história relatada na inicial é bastante conhecida do dia a dia forense em tempos do chamado “caos aéreo”, não havendo qualquer novidade nos fatos narrados pois são os que ordinariamente acontecem quando há atraso de vôo ou extravio de bagagem: descaso e falta de informação.
Ninguém que realiza uma viagem aérea internacional viaja pensando em ter problemas com atrasos, bagagens, etc. visto inclusive que o marketing das empresas aéreas se baseia principalmente na imagem da tranquilidade, conforto e segurança que aquele tipo de serviço oferece.
Não nega a ré os fatos narrados – o atraso extremo na partida da cidade de Sidney que ocasionou a perda da conexão na cidade de Buenos Aires com destino ao Rio de Janeiro, o abandono dos passageiros sem acomodações e sem alimentação na área comum do aeroporto na capital argentina, os transtornos sofridos pela autora para tentar retornar ao país - procurando simplesmente eximir-se da responsabilidade alegando que o atraso que ensejou todos os transtornos à autora decorreu em razão da greve deflagrada por funcionários que agem a serviço da administração aeroportuária, ensejando a ocorrência de força maior e fato de terceiro que ilidiriam o dever reparatório.
Tal tese não se sustenta pois nos vemos diante de hipótese de fato proveniente da atividade da ré (fortuito interno), não podendo esta transferir para o consumidor os riscos de sua atividade, simplesmente desejando o bônus sem arcar com o ônus de seu negócio.
Considerando a complexidade das operações aéreas atrasos razoáveis podem ser tolerados e vistos como normais, porém um atraso de 16 horas seguidos de outros percalços para tentar retornar ao país como narra a autora, fatos que a ré não nega, fogem completamente a qualquer padrão de situação tolerável.
Ademais, diante da impossibilidade de prosseguir a viagem, cabia à empresa, no mínimo, providenciar para que a passageira recebesse acomodações dignas, alimentação e transporte até o momento de seguir viagem no dia seguinte.
Não é postura digna de uma empresa responsável e de longa atuação no mercado como a ré alegar que nada podia fazer e “lavar as mãos”, deixando que uma mulher, viajando sozinha, tivesse que se submeter ao constrangimento de pernoitar em área comum de um aeroporto em pais estranho, mal acomodada, sem alimentação e sequer podendo dormir ante o receio de ver sua bagagem furtada dentro do aeroporto.
É por demais absurdo acreditar que os fatos narrados possam ser considerados aborrecimento cotidiano até porque, para a autora, uma viagem internacional não é um hábito cotidiano.
É portanto inquestionável a sensação de revolta ante os problemas ocorridos, frustração ante o que se esperava da viagem e impotência diante da empresa e seu descaso e desrespeito ao passageiro, com conseqüências na esfera psicológica, configurando assim o dano de natureza moral que deve ser indenizado.
Sem um critério legal pré-determinado mas diante dos critérios indicados pela doutrina e jurisprudência, considerando as partes em juízo, a extensão e as conseqüências da lesão, não se olvidando que o objetivo é compensatório e não reparatório, ao que se acrescenta um componente punitivo, entendo que diante das circunstâncias do fato concreto o valor arbitrado mostra-se insuficiente, merecendo ser majorado para R$30.000,00 (trinta mil reais) .
Sendo assim, voto no sentido DAR PROVIMENTO ao primeiro recurso, apresentado pela autora e NEGAR PROVIMENTO ao segundo recurso, apresentado pela ré, majorando o valor da indenização por dano moral para R$30.000,00 (trinta mil reais).
É como voto.
Rio de Janeiro, 24 de março de 2009.
MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES
DESEMBARGADOR RELATOR
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