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Decisão trata da legalidade da terceirização em concessionárias de serviço público

Confira na íntegra importante decisão do TST sobre a legalidade da terceirização em concessionárias de serviço público em processo envolvendo a Companhia Energética do Ceará – Coelce e o MPT da 7ª região.

27/3/2009


Legalidade

Decisão trata da legalidade da terceirização em concessionárias de serviço público

Confira na íntegra importante decisão do TST sobre a legalidade da terceirização em concessionárias de serviço público em processo envolvendo a Companhia Energética do Ceará – Coelce e o MPT da 7ª região.

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Processo Nº RR-2582/2001-001-07-00.6

RELATOR: EMMANOEL PEREIRA

RECORRENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO

Procurador: Dr. ANTÔNIO DE OLIVEIRA LIMA

RECORRIDO(S): COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ - COELCE

Advogado Dr. JOÃO ESTÊNIO CAMPELO BEZERRA

Trata-se de recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho da 7ª Região, no qual propugna pela reforma da decisão do Regional.

Considerando que a defesa do interesse público, causa justificadora da intervenção do Ministério Público do Trabalho, já está caracterizada nas razões recursais, os autos não foram remetidos à Procuradoria Geral do Trabalho para a emissão de parecer.

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, prossigo no exame do recurso.

O Regional julgou o recurso ordinário apresentando os seguintes fundamentos:

A construção jurisprudencial moldurada pelo Enunciado 331 do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, não tem a menor aplicação à hipótese dos autos, como pretende defender a sentença recursada.

Quando a Súmula diz, no seu item I, que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, de logo ressalva o caso de trabalho temporário, mencionando a existência da Lei N° 6.019, de 3.1.74 (trinta e dois anos atrás), o que afasta a formação do vinculo com o tomador dos serviços.

Também é legal e não forma vinculo com o tomador dos serviços, a terceirização de serviços de vigilância, exatamente porque, como referencia o item III da Súmula em causa, está a ampará-la a LeiN°7.102, de 20.06.83 (um quinto de século atrás).

Ora, havendo previsão legal para o uso da terceirização, evidente que a contratação de trabalhadores por empresas interpostas jamais poderia ser considerada ilegal.

A própria Súmula 331 põe a salvo essas hipóteses. E não poderia ser diferente, do contrário o TST estaria a edificar jurisprudência contra a lei.

Ademais, o questionamento versado neste processo nunca poderia ser tratado e nem alcançado pela Súmula 331, pois, ao ser editada, ainda nem se cogitava de legislação especifica sobre terceirização na concessão de serviços e obras públicas (Leis N° 8.987/95 e 9.074/95, com as modificações da Lei N° 9.648/98).

Não se advogue que a Súmula 331 foi modificada em 18.09.2000 (Res. N.° 96/2000), e que na ocasião, já editadas as leis acima referenciadas, não cuidou de ressalvar da ilegalidade a terceirização nelas prevista.

Em primeiro lugar a alteração única ocorreu em relação ao item IV da Súmula, e exatamente para fixar a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, na hipótese de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador terceirizado, e desde que aquele tenha participado da relação processual e constado do titulo executivo judicial.

Note-se que essa alteração deu ênfase acentuada a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, desprezando a tônica originária da Súmula sobre os aspectos da ilegalidade da terceirização, o que é natural, lógico e racional, diante da acelerada mudança global do mundo da Economia e do Direito em todos os quadrantes do Planeta Terra.

Sim, o trabalhismo mudou e ainda vai ajustar-se mais e mais a uma realidade avassaladora, contra a qual não podemos erguer diques de contenção, com o saudosismo politico e romântico-social das eras de Mussolini e de Getúlio Vargas.

O mundo vem mudando até na ordem geológica, onde um recente terremoto na Ásia rotacionou o eixo da Terra.

Em segundo lugar a alteração no ano 2000, na Súmula 331, não poderia jamais pronunciar-se sobre as lei da terceirização nos serviços e obras públicas, simplesmente porque, de tão nova essa legislação, até hoje não se encontra, nos vários Tribunais Trabalhistas do Brasil, e muito menos no TST, divergências jurisprudenciais capazes de ensejarem uma revisão da Súmula nesse ponto.

Sustentar o contrário é desconhecer o que é uma Súmula no processo de uniformização da jurisprudência dos Tribunais, sendo recomendável que se leia, no Regimento Interno do TST, para o caso em discussão, o art. 160, incisos de I a IV, e o art. 161. Não se edita Súmula e nem se produz alteração nela, para hipóteses futuras, como se os Juízes fossem visionários proféticos.

O que mais me causa estranheza nesta ação e na sua resultante na primeira instância é o apego do autor e da sentença à Súmula 331, desprezando todavia os aspectos frontais da mesma, na orientação primitiva direcionada para as vertentes da ilegalidade dos contratos de trabalho pelas empresas interpostas.

Observe-se que o Ministério Público e o Juizo não aceitaram o litisconsórcio passivo de mais de uma centena de empresas terceirizadas pela Coelce, e que a sentença colocou-as a salvo de qualquer restrição ou condenação pelos contratos atuais, impondo à Coelce abstenção apenas para o futuro.

Isso significa que os contratos de emprego nas terceirizadas são legais, não formando os trabalhadores vínculos com a Coelce.

Na verdade o que a sentença consagrou foi a ilegalidade da terceirização por concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica, batendo de frente com uma contundentelegislação constitucional e infraconstitucional que autoriza essa terceirização, sem que se tenha postulado "incidenter tantum", a inconstitucionalidade de regras da própria Carta Magna, e nem se tenha decretado essa inconstitucionalidade quanto às várias leis envolvidas no contexto.

Causa-me espécie, também, a interpretação aferrada ao conceito não definido do que seja atividade-fim e atividade-meio na distribuição de energia elétrica.

0 conceito é técnico, filosófico, sociológico ou esotérico?

Pergunto porque não vejo nos autos qualquer explicação ou fundamentação para essa divisão aleatória, que aparta umas atividades de outras, num mesmo universo empresarial, cujo objetivo único é a produção, produtividade e eficiência, não cabendo a distinção, para efeito de uma suposta maior proteção trabalhista, entre atividade mais complexa e menos complexa, o que na verdade termina conduzindo à prática de uma injusta discriminação entre empregados mais humildes e mais graduados, uma discriminação proibida pela Constituição Federal.

Pelo menos nesta ação não me restou provada, nem no plano fático e nem jurídico, a razão do "apartheid" trabalhista que cria autênticas categorias diferenciadas no contexto sob exame, e tudo com o propósito de impactar e interferir no correto plano federal de desestatização, que busca desvincular-se da gestão de coisas que deve transferir à área privada, como o vem fazendo e já estava previsto na Carta Magna de 1988.

0 disciplinamento legal está hoje presente no ordenamento jurídico do pais, e vem de fonte autorizatória da Constituição Federal de 1988.

Nos Princípios Gerais da Atividade Econômica a Carta Magna estabeleceu:

Art.173-Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

- política tarifária;

- a obrigação de manter serviço adequado.

Nessa linha de entendimento, objetivando desatrelar o Estado da pesada carga operacional da gestão direta de serviços e obras públicas, a CF/88 só viera preservar os serviços que, pela regra do art.177, constituem monopólio da União, isto é, os enumerados nos incisos de I a V do mesmo artigo.

Mas, mesmo aqui, com a Emenda Constitucional N° 9, de 19.11.95, foi plasmado o § 1° ao citado art.177, assim redigido:

§ Io A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.

Apenas manteve restrição, por razões muito óbvias, às atividades estabelecidas no inciso V, exatamente as relativas à ressalva feita no "caput" do art. 173 (segurança nacional), pois tratam de pesquisa, lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio dos minérios e minerais nucleares e seus derivados. Retornemos às concessões na prestação de serviços públicos (art. 175 CF/88), e , no caso destes autos, à exploração pela COELCE dos serviços de distribuição de energia elétrica no Estado do Ceará. A Lei N° 8.987/95 dispõe:

Art. 1- As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.

Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei, buscando atender as peculiaridades das diversas modalidades dos seus serviços.

Art. 2- Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;

- concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

Art. 3º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1° Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

Sem dúvida a COELCE é concessionária do serviço público em debate, com respaldo na Constituição, na Lei Ordinária e no Contrato pactuado com o Poder concedente.

Mas de onde teria extraído o poder de terceirizar serviços que a sentença enumera no dispositivo, os quais não poderia ela contratar com outras empresas, por se fixarem nas áreas chamadas pela autoria e pelo julgado de atividade-fim?

Pois esse poder lhe vem, claro, objetivo e preciso, da Lei N° 8 . 987/95, que dispõe em seu preâmbulo, estar normatizando o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art.175 da Constituição Federal.

Explicita a Lei:

Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

§ 1- Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.

Ao somente tangenciar essa regra do "§ 1 o do art. 25, a sentença colheu uma interpretação não apenas restritiva, que no mínimo atrai singular perplexidade, como ousou subtrair do texto da lei a palavra "inerentes", olvidando mais as normas diretas e claras do Programa Nacional de Desestatização. (Lei n.° 9491/97).

Mas a redação e o espírito da lei são claros e induvidosos: no primeiro plano está a autorização para contratar terceiros no desenvolvimento de atividades inerentes.

No caso prefiro ceder o comentário aos doutos EURICO DEANDRADE AZEVEDO e MARIA LÚCIA MAZZEI DE ALENCAR, em sua obra "Concessão de Serviços Públicos" -Malheiros Editores/98, que na abordagem a essa terceirização da Lei n°8.997/95, ensinam (fls. 107/108):

"Embora se considere a concessão como um contrato intui tu personae , a lei admite contratação de terceiros para a execução de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, desde que o concessionário continue responsável pela execução de seu objeto e a natureza deste o permita.

A subcontratação parcial do objeto do contrato sempre foi admitida no direito administrativo, principalmente para as atividades acessórias ou complementares. E permitida expressamente no art. 72 da Lei 8. 666/93.

Atividades acessórias ou complementares são aquelas que seguem e completam a principal,...

A inovação consiste em se permitir a subcontratação de atividades inerentes à concessão. Inerente significa ínsito, dentro do ser.No caso, atividade inerente é aquela diretamente relacionada com. a própria execução do serviço...

Os contratos celebrados entre o concessionário e terceiros reger-se -ão pelo direito privado. Essa é a regra para os ajustes administrativos em geral quando ocorre subcontratação parcial do objeto do contrato. O § 2 o do art. 25 ressalta que não haverá vínculo de qualquer espécie entre o poder concedente e o terceiro contratado, o que é repetido no parágrafo único do art. 31. Em qualquer hipótese, porém, mesmo sendo o contrato firmado com terceiros de natureza nitidamente privada, as atividades nele previstas ficarão sujeitas às cláusulas regulamentares ou de serviço estipuladas para a concessão. A subcontratação insere-se na concessão e, consequentemente, submete-se a todas as suas regras. Não se admite que o terceiro possa executar a seu modo o serviço público. Ao contrário, deverá fazê-lo segundo os preceitos fixados pela Administração".

Assim, todas as atividades da concessionária podem ser objeto de execução por terceiros, mas ela responderá sempre, total e integralmente, por todas as exigências legais, regulamentares e contratuais, perante o poder concedente (art. 31, incisos I a VIII, da Lei 8.987/95, comb. com o art.38, incisos e §§ da mesma Lei).

O que não pode é a concessionária pactuar a sub-concessão ou a transferência do objeto principal da concessão (no caso a exploração pela COELCE da distribuição de energia elétrica no Ceará), fora aos parâmetros fixados nos arts.26 e 27 da Lei sob comentário.

A COELCE, por exemplo, não poderá eleger a região do Sertão Central do Ceará, para contratar , s com terceiro a exploração dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica naquela região, pois faz parte da concessão que lhe foi outorgada pelo poder concedente.

Diante do exposto conheço do recurso, rejeito a preliminar de ilegitimidade do MPT, e a que objetiva instaurar litisconsórcio passivo com as empresas terceirizadas, e no mérito dou provimento ao recurso para julgar a ação totalmente improcedente, restando prejudicado o exame da cautelar incidental proposta para conferir efeito suspensivo ao apelo ordinário.

Na revista, o recorrente pleiteia a reforma da decisão do Regional.

Assevera que o recurso comporta provimento, porquanto atendidos os requisitos intrínsecos de admissibilidade previstos no artigo 896 da CLT.

Sem razão.

Observa-se que as alegações expostas no recurso não logram êxito em demonstrar o desacerto da decisão recorrida.

Considerando os termos da decisão proferida pelo Regional ediante do fato de que matéria análoga a essa já foi analisada pelo Tribunal Superior do Trabalho (RR-4661/2002-921-21-00, 4ª Turma, Min. Barros Levenhagen, DJU de 08/02/08; RR-347/2005-003-17- 00, 5ª Turma, Min. Brito Pereira, DJU de 18/04/08; RR-1680/2006- 140-03-00, 5ª Turma, Min. Brito Pereira, DJU de 04/08/08 e AGSEDAT- 1495097-2008-000-00-00, Órgão Especial, Min. Rider de Brito, DJU de 10/10/08), incide à pretensão recursal o óbice da Súmula nº 333 desta Corte.

Mantém-se, portanto, a decisão do Regional, cujos fundamentos passam a fazer parte integrante das motivações deste recurso de revista. Ante o exposto, e amparado no artigo 557, caput, do CPC, nego seguimento ao recurso de revista.

Publique-se.

Brasília, 19 de março de 2009.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

EMMANOEL PEREIRA
Ministro Relator

Firmado por assinatura digital em 19/03/2009 pelo sistema

AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.

Firmado por assinatura digital em 19/03/2009 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.

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