Em tempos de crise...
Ives Gandra avalia flexibilização trabalhista contra crise econômica
A avaliação foi feita ontem, 2/3, durante o discurso de saudação à posse da nova Diretoria do TST, composta pelos ministros Milton Moura França (presidente), Oreste Dalazen (vice-presidente) e Carlos Alberto Reis de Paula (corregedor-geral da Justiça do Trabalho).
Ao defender a autonomia das negociações coletivas, Ives Gandra afirmou que a manutenção da rigidez das normas trabalhistas parece ser a receita certa para o agravamento da crise, a decomposição das relações produtivas e a ampliação do desemprego.
"Encontrar o ponto de equilíbrio na fixação da autonomia negocial coletiva de patrões e empregados é o grande desafio, ao qual deve dar 'resposta criativa' o Tribunal Superior do Trabalho, sob a batuta dos ministros Moura França, Dalazen e Carlos Alberto", afirmou.
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Leia, a seguir, a íntegra do discurso do ministro Ives Gandra Martins Filho.
Exmos. Srs. Presidentes Milton França, Lula da Silva, Gilmar Mendes, José Sarney, Michel Temer, Cesar Rocha, Flávio Lencastre e Ubiratan Aguiar. Exmos. Srs. Ministros Marco Aurélio e Tarso Genro. Exmo. Sr. Governador Roberto Arruda. Exmos. Srs. Drs. Otávio Brito e Cezar Britto. Meus ilustres Pares. Dignas Autoridades presentes. Meus Senhores e minhas Senhoras.
Dirijo esta minha oração aos meus queridos Ministros Milton de Moura França, João Oreste Dalazen e Carlos Alberto Reis de Paula.
Para grandes desafios, grandes homens.
Arnold Toynbee, em seu “Um Estudo da História”, dizia que as civilizações se desenvolvem enquanto sua elite dirigente encontra respostas criativas para os desafios do meio.
Os desafios que se colocam para a Justiça do Trabalho, em sua missão de pacificação social, no momento presente, são dos mais instigantes.
Por outro lado, Plutarco, ao escrever as “Vidas Paralelas”, comparava figuras ilustres gregas e romanas, destacando seus méritos em missões semelhantes.
Seguindo a linha do tempo, podemos encontrar os três novos dirigentes desta Corte – Ministros Milton de Moura França, natural de Cunha (SP), João Oreste Dalazen, natural de Getúlio Vargas (RS), e Carlos Alberto Reis de Paula, natural de Pedro Leopoldo (MG) – em diferentes situações, ao longo de suas vidas, no que poderíamos ver como uma preparação para os grandes desafios que teriam de enfrentar nesta quadra da história do mundo, do Brasil e da Justiça do Trabalho, numa sociedade globalizada.
Os desafios abrangem tanto o campo do Direito Material quanto do Direito Processual do Trabalho. Como enfrentar a crise econômica instalada, garantindo os direitos mínimos do trabalhador, sem comprometer a empregabilidade e a sobrevivência das empresas? E como racionalizar o sistema recursal, de modo a dar celeridade, segurança e qualidade à prestação jurisdicional, frente à demanda sempre crescente de processos, que ultrapassa sobejamente a capacidade humana de julgar satisfatoriamente?
Para tais desafios, grandes almas. Forjados inicialmente o Presidente na labuta de defesa do Estado como procurador autárquico estadual, o Vice na carreira das armas, como oficial de artilharia, e o Corregedor no seminário arquidiocesano de Belo Horizonte, de tradicional e sólida formação moral, teológica e filosófica, tiveram, nessa experiência de vida, semente plantada de grandes ideais.
Elegendo alguns anos paradigmáticos de suas vidas e do panorama nacional e mundial, encontramos no ano de 1980, de ingresso do Min. Dalazen na judicatura laboral, o Min. Carlos Alberto sendo promovido a Juiz Presidente de Junta, em Coronel Fabriciano (MG), enquanto o Min. Milton presidia a JCJ de Guaratinguetá (SP). A importância do fator laboral levava, no Brasil, à fundação do Partido dos Trabalhadores, e, na Polônia, do Sindicato Solidariedade, ambos de impacto notável no desenvolvimento posterior das sociedades em que surgiram, não obstante suas diferentes Weltanschauung.
Avançando no tempo, em 1993, ano da primeira pacificação de conflitos históricos entre árabes e judeus, com o reconhecimento mútuo de Israel e OLP, e do término do apartheid na África do Sul, com o prêmio Nobel da Paz recebido por Mandela e De Klerk, ascendiam aos TRTs da 9ª e 3ª Regiões os Ministros Dalazen e Carlos Alberto, vocacionados fundamentalmente, como o Ministro Milton, que passava a presidir a 1ª Turma do 15º Regional, à pacificação dos conflitos laborais no Brasil.
Finalmente, para pinçarmos apenas alguns pontos de confluência, elegemos o ano de 1996, da ascensão dos Ministros Milton e Dalazen ao TST, como marco importante deste rápido escorço histórico da carreira de nossos homenageados de hoje, tendo em vista coincidir com o ano de falecimento de Thomas Kuhn, filósofo da ciência, que se notabilizou com sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”.
Dizia Kuhn que a ciência evolui pela superação de paradigmas, quando estes entram em crise, ao não conseguir explicar convenientemente a realidade ou resolver satisfatoriamente os problemas afetos a determinado setor da vida humana.
Não há como negar que estamos vivendo no presente um desses momentos de “revolução científica” no âmbito do Judiciário brasileiro. O modelo que imperou até pouco tempo atrás, de ter nas Cortes Superiores verdadeiras 3ª e 4ª instâncias recursais, está exaurido e vem sendo substituído pela adoção de mecanismos que racionalizam substancialmente a prestação jurisdicional e lhe dão a rapidez exigida pela Carta Magna após a EC 45/04.
A revolução está em andamento. Sua conclusão não deixará de contar com a participação de homens com a criatividade, o descortino e a envergadura dos Ministros Milton Moura França, João Oreste Dalazen e Carlos Alberto Reis de Paula.
As últimas administrações desta Corte pautaram-se por ofertar as condições materiais indispensáveis à melhor prestação jurisdicional por parte do TST.
Coube ao Ministro Vantuil Abdala, nosso jovem decano, conduzir a conclusão da obra da nova sede do TST, mudando da água para o vinho o ambiente de trabalho de ministros e servidores, advogados e procuradores.
Coube ao Ministro Ronaldo Lopes Leal, em sua dinâmica gestão, introduzir efetivamente o TST na era da informática, com o processo eletrônico e o “e-recurso”, colocando nossa Justiça nos rumos da modernidade e do processo virtual.
Mais do que isso, graças ao Min. Ronaldo se iniciou a revolução institucional, pela implantação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, que teve no novo Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, Min. Carlos Alberto, seu magnífico Diretor, como o será sem dúvida o futuro Diretor, Min. Barros Levenhagen, reconhecidamente um paradigma de magistrado para todos nós.
A importância da Enamat se pode vislumbrar nas palavras de Isócrates, filósofo grego contemporâneo de Platão, quando, no discurso “Antídosis”, defendia a sua “Paidéia”, ou seja, o ideal de formação do homem grego, ressaltando que “a educação superior se baseia no desenvolvimento da capacidade de mútua compreensão entre os homens. Não é a acumulação de simples conhecimentos profissionais, mas das forças que mantêm unida a comunidade humana”. Há ideal maior do que esse formativo, de forjar homens vocacionados à harmonização das relações humanas?
Finalmente, ao Ministro Ríder Nogueira de Brito, que em janeiro deste ano completou 50 anos de serviços prestados à Justiça do Trabalho, exemplo para todos nós de retidão, firmeza, disciplina, desprendimento e companheirismo – responsável por transformar o arquipélago da Justiça do Trabalho num continente, pela forma como presidiu o Conselho Superior da Justiça do Trabalho –, coube aparelhar a Corte com o corpo técnico indispensável ao cumprimento de sua missão constitucional, alcançando a ampliação do quadro funcional, promovendo os concursos para seu preenchimento, bem como a reestruturação administrativa que priorizasse a atividade-fim.
Ficou, no entanto, para a nova administração, encabeçada pelo Ministro Milton de Moura França, a mais difícil e delicada missão, de implementar as reformas institucionais inadiáveis, que não permitam, como vem acontecendo, a desnaturação da Corte, de instância extraordinária de uniformização de jurisprudência e de definição do conteúdo normativo das leis trabalhistas, em 3ª instância ordinária de rejulgamento das causas trabalhistas, missão à qual nem está vocacionada, e nunca estará suficientemente aparelhada, frente à sempre crescente demanda recursal, por mais inebriantes que se apresentem os dados estatísticos de produção decisória.
Na abertura do ano judiciário de 2009, o Ministro Gilmar Mendes, ilustre Presidente do Supremo Tribunal Federal, enfatizava a importância das inovações que a EC 45/04 trouxe para a Cúpula do Judiciário brasileiro. Dizia na ocasião: “O desate do nó górdio que aprisionava a Corte na esdrúxula tarefa de apreciar recursos inviáveis ou improcedentes importou não só maior qualidade nas decisões proferidas, como também mais dinamismo e aproximação da sociedade, com evidente ganho nas relações de cidadania e do fortalecimento do Estado Democrático de Direito”.
Oxalá os Ministros Milton, Dalazen e Carlos Alberto consigam, nesta administração, vencer o desafio de desatar o nó górdio que ainda nos acorrenta, nesta Casa, a modelos ultrapassados de prestação jurisdicional em Cortes Superiores. O que não se pode é continuar aplicando “mais do mesmo” para debelar a crise judicial na qual nos encontramos e que nos torna reféns de nós mesmos e nossos próprios algozes. O desafio, repito, não é pequeno.
No entanto, não param por aí os desafios que se colocam diante da nova administração do Tribunal. A crise econômica mundial que se instalou a partir de 2008, comparada à de 1929, não tem poupado o Brasil. Não é possível negar a realidade da diminuição de crédito, consumo e empregos.
O ordenamento jurídico trabalhista pátrio tem seus mecanismos de controle para tais períodos de crise, estampados nos arts. 7º, VI, XIII e XIV, da Constituição Federal, e art. 503 da CLT, que permitem a flexibilização dos dois principais direitos trabalhistas, que são o salário e a jornada de trabalho.
Pretender, em período de acentuada crise econômica, manter a rigidez exegética de nosso ordenamento laboral parece ser a receita certa para o agravamento da crise, a decomposição das relações produtivas e a ampliação do desemprego. Encontrar o ponto de equilíbrio na fixação da autonomia negocial coletiva de patrões e empregados é o grande desafio, ao qual deve dar “resposta criativa” o Tribunal Superior do Trabalho, sob a batuta dos Ministros Moura França, Dalazen e Carlos Alberto.
Min. Milton de Moura França, por quem nutro a mais profunda admiração e estima, não menor do que à que tenho por meus pares. Olhando para o Tribunal que Vossa Excelência passa a presidir a partir de agora, com seus 26 ministros tão irmanados, com seus 2.647 servidores tão qualificados, sem falar na própria Justiça do Trabalho, com 24 TRTs, 1.378 Varas, 463 juízes de 2º grau, 2.833 juízes de 1º grau e 33.597 servidores, tão dedicados e competentes, que fazem deste ramo especializado o mais célere de todo o Poder Judiciário, lembro-me das palavras daquele que foi o maior dos poetas lusitanos, Luís de Camões, nos “Lusíadas”: “E julgareis qual é mais excelente, se ser do mundo Rei, se de tal gente”.
Não tenho dúvida de que a união de talentos que confluíram para a formação da direção da Corte no próximo biênio, pela elevada espiritualidade e sentido do interesse público do Min. Milton, o notável sentido estético, verdadeira alma de artista, e a fidalguia com seus pares do Min. Dalazen, e a reconhecida capacidade conciliatória e alegria sempre transbordante do Min. Carlos Alberto, sem falar na profundo conhecimento das questões trabalhistas e processuais que os três ostentam, agrega fatores que, representando os elementos transcendentais do Ser, que são o Verdadeiro, o Bom e o Belo, serão capazes de dar ao Tribunal Superior do Trabalho em particular e à Justiça do Trabalho em geral a envergadura e grandeza que deles se espera, para a consecução da elevada missão de harmonização das relações trabalhistas como condição da pacificação social.
Que Deus os ilumine e ajude nessa bela, árdua e desafiadora missão!
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