Danos morais
O juiz de Direito Luiz Otávio Duarte Camacho julgou improcedente ação de indenização por danos morais movida pelo promotor José Carlos Guillem Blat contra a Editora Abril. Blat alegava ter sido ofendido pela revista Veja, em 2006, com a publicação da matéria intitulada "Intocável sob suspeita - Pioneiro da era dos promotores heróis, José Carlos Blat é investigado por seus pares".
Na decisão, Camacho diz que a ré "Limitou-se a fazer seu trabalho, trabalho este do qual uma sociedade que quer praticar a democracia,não pode abrir mão jamais: o direito de informação. Ninguém neste Brasil está acima dele."
A Editora foi defendida pelos advogados Alexandre Fidalgo e Claudia de Brito Pinheiro, de Lourival J. Santos – Advogados.
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Clique aqui ou confira abaixo a sentença na íntegra.
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SENTENÇA
Processo nº: 011.06.103178-0 - Indenização (ordinária)
Requerente: José Carlos Guillem Blat
Requerido: Editora Abril S.a
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luiz Otavio Duarte Camacho
JOSÉ CARLOS GUILLEM BLAT, qualificado, ajuizou esta ação ordinária de indenização por dano moral pelo rito ordinário, contra EDITORA ABRIL S/A. Na inicial o autor, depois de se apresentar profissionalmente narra o fato. Diz ele que foi instaurado contra si um procedimento administrativo em seu órgão corregedor para a apuração de eventuais crimes, nomeados na Inicial, procedimento este arquivado posteriormente. Respondeu a outros procedimentos conforme informa a Inicial. Em seguida aborda o abuso de direito com motivação eleitoreira em artigo publicado pela ré, através de revista editada por ela, a revista “VEJA” em edição que foi às ruas no dia 5 de fevereiro de 2006 em reportagem intitulada “INTOCÁVEL SOB SUSPEITA”.
A seguir, o autor, com base na sua narrativa dos fatos aborda as teses de abuso de direito da liberdade de informação e de ato ilícito. Aponta o Direito e o Dano Moral com sua conseqüente indenização e finaliza requerendo a citação da ré para responder à ação e vê-la seguir até o julgamento que requer seja procedente. Deu valor à causa e juntou documentos.
Foi determinada a emenda da Inicial para que o autor determinasse o valor exato da sua pretensão indenizatória.Petição apresentada deu como valor da indenização a importância de R$ 20.000,00.
Citada, a ré respondeu por contestação, sem preliminares, impugnando cada tese do autor depois de dar a sua versão dos fatos. Tratou depois das questões referentes à coisa julgada e à inexistência de ofensa no texto jornalístico. Rebateu também a questão da suposta motivação eleitoreira e ponderou a respeito da liberdade de informação,o direito de crítica e o dano moral. Refutou o requerimento de publicação da íntegra da sentença e concluiu sua peça postulando a improcedência desta ação. Juntou documentos.
O autor apresentou sua réplica. A ré se manifestou em seguida, ambos insistindo em suas teses.
Realizou-se a audiência prevista no art. 331 do C.P.C sem qualquer composição entre as partes.
Veio em seguida a audiência de instrução e julgamento com a oitiva de testemunhas.
Seguiram-se as alegações finais em que as partes retomaram suas teses à luz das provas produzidas, reiterando seus requerimentos de mérito.
É o relatório
D E C I D O.
Ação ordinária de indenização por dano moral fundada na alegada violação à honra do autor em razão da publicação de reportagem, pela ré,intitulada “Intocável sob suspeita” na revista VEJA de 15 de fevereiro de 2006, de sua propriedade.
Começa-se o exame do mérito transcrevendo trecho do excelente artigo do Prof.Luiz Roberto Barroso que é como um verdadeiro fio de Ariadne nesta matéria; Ouça-molo:
“...Além das expressões liberdade de informação e de expressão,há ainda uma terceira locução que se tornou tradicional no estudo do tema e que igualmente tem assento constitucional: a liberdade de imprensa.A expressão designa a liberdade reconhecida(na verdade,conquistada ao longo do tempo) aos meios de comunicação em geral(não apenas impressos,como o termo poderia sugerir) de comunicarem fatos e idéias,envolvendo,desse modo, tanto a liberdade de informação como a de expressão.
Se de um lado, portanto, as liberdades de informação e expressão manifestam um caráter individual, e nesse sentido funcionam como meios de desenvolvimento da personalidade, essas mesmas liberdades atendem ao inegável interesse público da livre circulação das idéias,corolário e base de funcionamento do regime democrático, tendo,portanto uma dimensão eminentemente coletiva, sobretudo quando se esteja diante de um meio de comunicação social ou de massa.”1
Mais adiante, continua o professor Luis Roberto Barroso:
“De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circule cada vez mais rapidamente, seria impossível se pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação,sobretudo a informação jornalística marcada por juízos de verossimilhança e probabilidade”2.
E ainda: “... a informação não pode prescindir da verdade-ainda que uma verdade subjetiva e apenas possível...”3
Com os balizamentos acima, que ajustam o foco do mérito, pondo-o no seu devido lugar, passa-se ao caso em julgamento.
De um lado, o autor sustenta que sua honra foi maculada pela reportagem da ré que, por sua vez,diz que exerceu seu intangível direito à informação, vertente de outro, maior ainda, que é o da liberdade de imprensa, cuja consagração maior é a inscrição constitucional.
A reportagem publicada pela ré em sua revista semanal, VEJA, “intocável sob suspeita” versou sobre procedimentos administrativos que pesavam sobre o autor em seu órgão corregedor.
O autor, diga-se antes, é um Promotor de Justiça bem conhecido pela população,antes de mais nada, pelos seus importantes e destacados trabalhos no âmbito da repressão a quadrilhas e cartéis dedicados à prática de crimes graves,com “poder de fogo” expressivo. Ora, estes grupos estão,constantemente, sob a luz dos holofotes da notícia e, logicamente, as pessoas que os combatem por dever de ofício, também são expostas e ficam também sob a luz dos holofotes. É o caso do autor, como se vê pela própria reportagem. Aliás, o autor é um profissional, um Promotor de Justiça que, pelo seu trabalho, se destaca e desperta o interesse da imprensa, dos meios de comunicação, porque passa a ser uma pessoa importante pela repercussão social do seu trabalho. Torna-se uma pessoa muito conhecida da população e, exatamente por isto, tudo o que diz respeito à sua pessoa e à sua profissão(atuação) passam a interessar a todos. Assim, não iria o autor ter a pueril ilusão de que seria um anônimo profissional,realizando o trabalho que realiza.
“A sensibilidade de cada um-quer dizer, sua capacidade de sofrimento- é tudo o que de mais individual se pode imaginar...”4 e é por isto que, o autor, posto naquela condição profissional de “pessoa pública” (é um Promotor de Justiça muito conhecido pelo seu trabalho de luta contra o crime organizado em geral) por assim dizer, precisa se preparar interiormente para suportar e se diria até se “acostumar”com a circunstância de “ser notícia”. Tanto é que a própria reportagem,em seu subtítulo diz do autor o seguinte:
“Pioneiro da era dos Promotores heróis...”5
Positivamente, tais expressões acima não parecem ofender a honra do autor.
Destarte, a ré não promove nenhuma inverdade e nem comete ato ilícito no exercício da informação violando, segundo o autor, coisa julgada. O fato de o autor ter respondido procedimentos administrativos da alçada da sua Corregedoria, fatos estes absolutamente verdadeiros e que foram objeto do artigo da ré na revista VEJA, não atingem,minimamente sua honra. Pelo que é,acima explicado,o autor é profissional que Está, constantemente, no centro de interesses da imprensa porque o povo, a sociedade tem o direito soberano e inalienável,jamais passível de demissão desta sua grandeza constitucional, de saber o que acontece com pessoas que tem a obrigação profissional de trabalhar pela justiça.
Os procedimentos administrativos narrados na reportagem são verdadeiros. 6
A reportagem divulgou a notícia dos procedimentos administrativos respondidos pelo autor porque o autor é um profissional que, freqüentemente, está na mídia em razão do seu trabalho. Daí porque bem talhadas as ponderações contidas na contestação afls.174/179 quando arremata o ponto abordado, postulando o reconhecimento da litigância de má-fé do autor, questão que será apreciada mais adiante.
À imprensa, os meios de comunicação, exige-se e não podem disto se apartar, o compromisso perene com a verdade e a ética e o respeito à dignidade da pessoa humana. Mas sua linguagem,a linguagem da imprensa e jornalística não é linguagem poética ou a do romance ou mesmo a de um obituário. É linguagem firme direta, chamativa, quer mesmo chamar à atenção do leitor para que venha lê-la,para que se interesse pelo assunto, para que leia e depois a divulgue, comente com os amigos, fale em suas rodinhas,em suas reuniões de amigos. Este,um dos objetivos da imprensa e dos meios de comunicação, especialmente o jornalístico: a divulgação massiva do fato. Dos fatos. Fatos de interesse da população. Sim, porque informação é consciência, consciência que desperta o direito de manifestação, de protesto, de reivindicação, de eventual escolha de candidatos a cargos públicos. Logo, os meios de comunicação, mesmo sendo, às vezes, insistentes, são uma das práticas essenciais da democracia e dela uma exigência. A democracia não se faz com discursos ou promessas mas com atitudes e práticas sociais que a revelam,intensificam e aprimoram.
Neste caso, o autor não demonstrou o dano moral sofrido pela alegada ofensa à sua honra. O dano moral é lesão, sempre grave e irreparável, produzida no recôndito espiritual da pessoa, destruindo um atributo pessoal ou afetando sua imagem social,quer grupal ou profissional. Traz resultados igualmente graves e igualmente irreparáveis. “O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial,protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal em particular e diretamente decorrente do princípio(fundante) da dignidade da pessoa humana”.7
O dano moral é uma verdadeira quebra do projeto de vida da pessoa por ele atingida. Todavia, nada disto o autor provou em si mesmo. As testemunhas que arrolou limitaram-se a afirmações genéricas,verdadeiras trivialidades sem nenhuma consistência. As circunstâncias narradas pelas testemunhas, tanto René de Carvalho e especialmente Roberto Pinto Porto não dizem nada além do que é esperado por um profissional como o autor. São, como se diz, popularmente, “ossos do ofício”. Não evidenciaram nem o contorno de um dano moral.
Como se pode ver a ré não inventou e nem mentiu. Não fez juízos de valor sobre a pessoa e o profissional que é o autor. Não adjetivou a seu bel prazer a atividade profissional do autor e nem insinuou que os procedimentos administrativos a que estava sujeito o autor eram-lhe condenações à vista. Limitou-se a fazer seu trabalho, trabalho este do qual uma sociedade que quer praticar a democracia,não pode abrir mão jamais: o direito de informação.Ninguém neste Brasil está acima dele.
A.de Sampaio Doria leciona:
“... E como se forma a opinião pública?
Já vimos, no capítulo precedente, que só se pode ela formar através da escola e da imprensa.Sem educação pública e sem liberdade de pensamento, não têm os indivíduos ensejo de formular opinião sobre as coisas do Estado 8”.
E aqui não é diferente. O autor é uma pessoa ligada à “coisas do Estado” e como tal tem obrigação de se sujeitar ao crivo da opinião pública,que é alimentada pela imprensa. São as regras do jogo e do exercício da democracia.
Aqui,depois de se ouvir as teses e os fatos se conclui de que não houve violação injusta e por isto dano à dignidade e honra da pessoa do autor.
A imprensa em geral, a mídia, jamais estará dispensada do respeito à dignidade das pessoas e do inarredável culto à verdade da informação.
Nada se constrói em sociedade com base na intriga e no enxovalhamento. A imprensa, algumas vezes, é até inoportuna, como o é também a verdade. Todavia, neste caso em julgamento, os réus não faltaram com a verdade e nem com o devido respeito ao autor. Repete-se, então, que por isto, não houve dano moral.
Por fim o requerimento de condenação do autor como litigante de má-fé. A litigância de má-fé, aqui, não se verifica. Com efeito, o pleito do autor se funda na tese de que foi atingido em sua honra e vida profissional e se constatou que nada disto aconteceu,ante a estilo profissional do autor e o direito à informação da sociedade, praticado exercido pela ré. Mas o autor,com isto não litigou com má-fé. Exerceu sua pretensão. Só.Sem indícios de má-fé.
Ante o exposto e tendo tudo o mais considerado JULGO IMPROCEDENTE esta ação ajuizada por JOSÉ CARLOS GUILLEM BLAT, contra EDITORA ABRIL S/A(Autos nº 011.06.103.178-0) e em conseqüência condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado que fixo em vinte por cento do valor da ação, o que faço com base no art, 20,§3º.letras “a” e “c” do C.P.C
P.R.I.
LUIZ OTÁVIO DUARTE CAMACHO
Juiz de DireitoSão Paulo, 05 de dezembro de 2008.
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1 BARROSO,LUÍS ROBERTO artigo intitulado “LIBERDADE DE EXPRESSÃO versus DIREITOS DA PERSONALIDADE,COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTIAS e CRITÉRIOS DE PONDERAÇÃO,p.117 no livro LEITURAS COMPLEMENTARES DE DIREITO CIVIL, organizador CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, Ed.Podium-2207
2 Op.cit. p.121
3 Op.cit.p.116
4 LIMA,Z. PIRES DE- (DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA) in RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS.ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA FORENSE COMEMORATIVA DE 100 ANOS-TOMO III-DIREITO CIVIL.
5 Fls.170.
6 Contestação, fls.174.
7 MORAES, MARIA CELINA BODIN DE .Danos à pessoa humana.(Uma leitura Cvil- Constitucional dos Danos Morais) Renovar-2003 RJ-SP
8 DORIA,A.DE SAMPAIO-OS DIREITOS DO HOMEM. 1942- Ed. Nacional - p.291
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